Ivo Faria, chefe nacional do Corpo Nacional de Escutas
Vida de Escuteiro
O CNE
apresenta-se como a maior associação de juventude em Portugal. Qual
é o segredo para tamanha mobilização de jovens ao longo de mais de
90 anos?
Acho que o segredo do sucesso ao
longo de 94 anos de atividade em Portugal deve-se, em muito, ao
método de trabalho que utilizamos com os jovens, o chamado método
escutista. Baseia-se em sete elementos fundamentais que se
articulam entre si, mas destaco o facto de incentivarmos os jovens
a serem o principal agente do seu desenvolvimento. Mais do que
sermos uma associação de educação que ensina coisas, importa que
sejam os próprios jovens a idealizar os projetos que constroem e a
aprender fazendo. Trabalhando em pequenos grupos e vivendo uma
mística muito própria onde há espaço para a sua criatividade,
baseada num contacto profundo com a natureza e na construção dos
seus próprios valores. Tudo isto acompanhados por adultos
voluntários que os ajudam a crescer e a concretizar os seus
projetos.
Embora inspirado nos
ensinamentos de Baden-Powell, fundador do escutismo, o programa
educativo escutista não será certamente estanque. De que forma
prepara crianças e jovens para os desafios atuais?
A forma como nós trabalhamos no
escutismo já existe quase desde a sua génese. Foi o método que o
fundador nos legou. O objetivo é, sendo fiel a esse método, dar-lhe
uma roupagem e um contexto mais atuais, que continuem a cativar os
jovens. Mas, reitero que ao conseguimos que a educação seja
construída pelos próprios jovens, o sucesso está praticamente
assegurado.
Referiu que o aprender
fazendo e a autoeducação são duas apostas do escutismo. As escolas
têm lacunas no desenvolvimento dessas competências?
Na verdade, vemos com agrado que
as escolas discutem, cada vez mais, novos modelos de trabalho com a
juventude, mais próximos desta lógica do trabalho em pequenos
grupos, com base em projeto escolares escolhidos pelos alunos. Isso
permite complementar a educação formal que a escola oferece com
elementos da educação não formal que nós praticamos, o que é algo
que aplaudimos.
As novas tecnologias são
um desafio para a educação de crianças e jovens. Que entendimento
tem o movimento escutista sobre esta questão?
Estamos abertos às novas
tecnologias. Nem podia ser de outra forma, porque os jovens com os
quais trabalhamos são exatamente os mesmos que frequentam a escola.
Portanto, as novas tecnologias fazem parte do nosso meio e o
desafio é fazermos com que se tornem aliadas na atividade
desenvolvida. Temos todo o interesse que os jovens fiquem cada vez
mais proficientes no uso das tecnologias.
Vivemos também num mundo
em que as distâncias são cada vez mais curtas. De que forma pode o
escutismo, enquanto movimento à escala mundial, tirar partidos
dessas redes internacionais?
O escutismo envolve cerca de 40
milhões de escuteiros a nível mundial. A dimensão internacional do
escutismo é algo que procuramos valorizar, tentando que os nossos
escuteiros ganhem consciência desta fraternidade mundial,
convivendo e contactando com escuteiros de outras partes do mundo.
Quer no espaço lusófono, para o qual já temos estruturas próprias,
quer em encontros internacionais em Portugal e no
estrangeiro.
É escuteiro desde a
infância. Hoje tem 42 anos. Quais são as principais diferenças na
vivência do escutismo quando entrou, e agora?
Quando eu era mais jovem vivíamos
numa sociedade onde não éramos tão incentivados ao contacto com
outras realidades, outros jovens, outros mundos. Hoje o mundo
entra-nos pela porta adentro, quer por via da televisão, da
internet ou a uma maior facilidade em viajar. Esse facto abre
horizontes aos nossos jovens.
De 31 de julho a 6 de
agosto deste ano, o ACANAC volta a ser em Idanha-a-Nova, no Campo
Nacional de Atividades Escutistas. O que leva os escuteiros a terem
um carinho especial pelo interior do país?
O interior do país é um espaço
onde, por um lado, conseguimos com maior facilidade encontrar
condições para acolher grandes grupos de jovens, e por outro lado,
conseguimos criar condições estáveis, em termos de infraestruturas,
que facilitam a ação desenvolvida por um acampamento com esta
dimensão. Além disso, é uma zona de grande beleza e tem o encanto
de uma população que acolhe os escuteiros de braços abertos.
«Abraça o Futuro» é o
tema do ACANAC deste ano. O futuro das crianças e jovens foi
igualmente abordado na sua tomada de posse, no início de janeiro.
Afinal, que crianças e jovens queremos para o
futuro?
Queremos crianças e jovens que
sejam capazes de se comprometer, que sejam capazes de 'fazer
caminho' e que, no encontro com as pessoas com quem se cruzam,
sejam capazes de se redescobrirem a si próprios, numa partilha do
eu com o tu.
Tiago Carvalho
Ricardo Perna - CNE e Flor de Lis