Gente e livros
Yasmina Khadra
«Vivíamos reclusos no nosso pedaço de terra,
semelhantes a espectros entregues a si próprios, no silêncio
sideral dos que não têm grande coisa a dizer uns aos outros: a
minha mãe à sombra do seu casebre, curvada sobre o seu caldeirão,
remexendo maquinalmente um caldo à base de tubérculos de sabores
dicutíveis; a minha irmã Zahra, mais nova do que eu três anos,
esquecida num canto, tão discreta que muitas vezes não nos dávamos
conta da sua presença; e eu, rapazinho enfezado e solitário, qual
flor acabada de brotar e já murcha, carregando os meus dez anos
como outros tantos fardos.
Não era vida; existíamos
apenas.
Acordarmos de manhã era milagre e,
de noite, quando nos preparávamos para dormir, interrogávamo-nos se
não seria sensato fechar os olhos de uma vez por todas, convictos
de termos pesado todas as coisas e concluído que não mereciam que
gastássemos tempo com elas. (...)».
In O Que o Dia
Deve à Noite
O escritor Yasmina Khadra,
pseudónimo de Mohamed Moulessehoul, nasceu a 10 de Janeiro de 1955,
em Kenadsa (Sahara Argelino). O pseudónimo serviu para passar à
clandestinidade, e a escolha de um nome literário feminino Yasmina
Khadra (em árabe, Jasmim Verde) foi a sua homenagem à coragem da
mulher argelina que "mantém uma chama num país desesperado".
Aos nove anos de idade, o pai de
Mohamed Moulessehoul matriculou-o na Escola Militar (Escola
Nacional de Cadetes da Revolução) para se tornar oficial. Começa a
escrever quando ainda se encontra no exército. Termina a primeira
colectânea de contos Houria (1973) que só serão publicados 11 anos
mais tarde.
Integra a Academia Militar
Inter-Armas de Cherchell, que deixa, em 1988, com a patente de
segundo tenente. Une-se à unidade de combate na Frente Ocidental.
Em Setembro de 2000, após 36 anos de vida militar, deixa o exército
para se consagrar em definitivo à literatura. Em 2001, após uma
curta estada no México, com a mulher e os três filhos, instala-se
em Aix-en-Provence, França. É em França que vive na actualidade.
Reconhecido internacionalmente como uma das vozes mais
significativas da literatura árabe, Yasmina Khadra está traduzido
em quase 40 línguas.
Da sua bibliografia fazem parte,
entre outros, os romances: Morituri (1997); Com que Sonham os Lobos
(1999); O Escritor (2001); As Andorinhas de Cabul (2002); Amen
(1984); O Que o Dia Deve à Noite (2008); As Sirenes de Bagdade
(2006); e O Atentado (2005). Em Portugal os seus livros estão
publicados pela Editora Bizâncio.
O Que o Dia Deve à
Noite.
Anos trinta, Argélia Colonial. O
pequeno Younes vive no campo com os pais, e a irmã mais nova,
Zahra. São agricultores, mas um incêndio destrói a colheita da qual
depende a sobrevivência da família. Sem meios de subsistência,
rumam à cidade de Orão, onde ficam a morar no bairro miserável de
Jenano Jato. Aqui, outros golpes do destino ditam a sorte de
Younes. Sem possibilidades económicas, o pai entrega-o aos cuidados
do irmão. À guarda do tio, um novo mundo abre-se para ele.
Página coordenada por Eugénia Sousa