Suplemento

Eduardo Marçal Grilo
Bolonha, os desafios e as notas do professor

Bolonha 115.jpgO ex-ministro da Educação, Eduardo Marçal Grilo, considera que a Declaração de Bolonha, assinada em 1999, se transformou num documento político e que é, de facto, um documento político porque as instituições não a entenderam como documento orientador de um processo que elas próprias deveriam desenvolver, por sua livre iniciativa. ºe 2º anos de qualquer curso. Os estudantes são obrigados a fazer um conjunto de disciplinas que sai muito fora da sua área de especialização, disciplinas de áreas da História, da Música, da Arte, da Filosofia ou da Sociologia".

A ideia, diz, não era reduzir o número de anos da formação inicial para investir menos em educação, reduzindo o número de professores, mas sim dinamizar o espaço europeu de Ensino Superior e o espaço europeu de investigação, criando condições para uma efectiva mobilidade, de modo a que pudesse competir em termos internacionais, designadamente com os Estados Unidos da América.

Para isso é necessário aumentar a investigação, mas a investigação de qualidade, sendo que a qualidade deve ser transversal a todo o sistema e deve ser auditada, o que não é fácil, uma vez que na Europa há "alguma sobreposição em termos das instituições que a garantem".

Aponta como um dos grandes desafios a capacidade do Ensino Superior captar financiamento para além do obtido a partir do Estado e das propinas que os estudantes pagam. "Isto é o Fund Raising. Nos EUA apareceram muitas universidades ao lucro e são um sucesso porque têm cursos que têm grande utilidade. Não digo que os politécnicos e universidades portuguesas devem render-se ao mercado, mas não deixo de dizer que é uma possibilidade, pelo menos em algumas áreas".

Em termos nacionais considera que o primeiro desafio está na racionalização da oferta, na requalificação dos cursos e da rede. Desde logo refere que as instituições têm a oportunidade de se organizarem por sua iniciativa. Como exemplo, apresenta a iniciativa da Universidade de Lisboa e da Universidade Técnica de Lisboa, que anunciaram um processo de junção para a criação de uma nova instituição.

Os desafios do País

"Em Portugal vivemos numa cultura de dependência. Estamos sempre à espera que o Governo diga como se faz. A fusão da Universidade de Lisboa com a Técnica de Lisboa mostra independência. Era importante que as instituições se entendessem para proporcionar um melhor ensino do que aquele que damos".

Ainda neste campo, entende que "é preciso clarificar as formações entre politécnicos e universidades. Os politécnicos têm de pensar melhor o que são os seus cursos. Os cursos devem ter uma natureza diferente. Se não a tiverem, não se justificam. Vejo-me em 1977 e a pensar na formação de curta duração (dois anos) que qualquer dia teremos de retomar".

Outro desafio é a forma como os cidadãos percepcionam a qualidade do Ensino. Considera que a Comunicação Social mostra sobretudo o que está mal na Educação, pelo que "as pessoas não têm uma noção da qualidade do ensino em Portugal. Os estrangeiros que vivem cá têm uma ideia muito mais correcta" e percebem que há qualidade. Mas é preciso melhorar.

Um dos aspectos a melhorar é a "forma como se ensina e como se aprende. Não basta hoje ser engenheiro, médico, economista ou outro. É necessário ter o que os ingleses chamam general education. Isso é o que tem Harvard, no 1

No entender daquele especialista, "os estudantes não se devem deixar enganar: quanto maior for a formação, melhor". Devem perceber que estudar no Ensino Superior implica tornarem-se cidadãos do mundo, com a possibilidade de trabalharem em qualquer continente.

 As notas do professor

Na parte final do seu discurso, Marçal Grilo quis deixar algumas notas finais, em jeito de conselhos para o futuro. Na sua opinião é salutar que as instituições tenham entendido Bolonha "como um processo e não como um conjunto de medidas que param no tempo. O processo de Bolonha não acabou. Está sempre a começar. Por isso é que vejo com muito bom grado a fusão da UL e da UTL. Os processos têm de partir de baixo. Vocês é que devem pensar e não é o governo que tem de dizer o que vão fazer".

Ciente que "se a Europa não tiver um grande ensino universitário e um grande ensino não universitário como os EUA não vai lá e a verdade é que não tem", atribui uma grande importância às instituições, sobretudo quando de fala em qualidade e de acreditação. Porém, "o poder político deve ter um diálogo para que se possa compatibilizar o que é definido pelas instituições com o quadro legal".

Relativamente a sistemas ou sub-sistemas, palavras que confessa não gostar de utilizar, considera que cada escola é uma escola com as suas especificidades e deve ser encarada com diferenciação. Refere que a diversidade enriquece, pelo que as escolas devem assumir a autonomia: "Não tenham medo de arriscar, de ir o mais longe possível no grau de autonomia. Isso é uma garantia de que são capazes de se gerir, de se relacionar com outras instituições, de resolver os seus problemas".

Na última nota, Marçal Grilo referiu que "não há instituições de Ensino Superior se não forem de carácter internacional. Ou são de nível internacional ou não o são". O mesmo acontece com a investigação científica: "ou se publica nas grandes revistas ou não se publica". A este nível está porém convencido que as instituições portuguesas estão no bom caminho, o que é decisivo: "num país que não tem recursos naturais significativos, as pessoas são a grande riqueza para encarar o nosso futuro, o dos nossos filhos e o dos nossos netos".

 
 
 
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