Opinião

Crónica
Políticas de educação multicultural em Portugal

8. L.Souta-1.jpg"Ninguém se lança para os braços de outrem quando eles estão cruzados"
(Fatou Diome, O Ventre do Atlântico, 2003:140)

Nos 41 anos da Revolução de Abril, importa fazer um balanço das políticas públicas de educação inter/multicultural no Portugal democrático. O presente texto, primeiro de uma série que aqui dedicarei a esta temática, procura sintetizar, em 4 andamentos, a história (ainda curta) desta componente educativa, socorrendo-me da tipologia de escolas enunciada por João Ruivo no editorial do Ensino Magazine de Janeiro 2015 (nº 203, p. 19):

1. Grave e sempre piano / A ESCOLA PARA ALGUNS
A universidade onde estudei, antes do 25 Abril, era um «nicho de diversidades» - geracional, social, de género, étnica e regional - «numa altura em que Portugal (o da propaganda) "multirracial e pluricontinental" era ainda visto, na Europa, como paradigma do princípio napoleónico "um país, uma nação, uma língua"» (in Fa[r]do Escolar 2014:101-2). O sistema educativo era então, assumidamente, monocultural, tipo "único" (nos programas, nos livros, no corpo docente e numa população estudantil homogénea e elitista). O primeiro abalo multicultural deu-se com a chegada dos "retornados", em pleno PREC.

2. Allegro vivace / A ESCOLA PARA TODOS
Comecei a leccionar quando as utopias pós-25 Abril, muito marcadas pelo Maio de 68, «apontava[m] para uma escola aberta, universal, inclusiva, interclassista, meritocrática, solidária, promotora da cidadania e, até, niveladora, no sentido que deveria esbater as desigualdades sociais detectadas à entrada do percurso escolar.» (Ruivo, 2015). Exemplo paradigmático foi o PEPT (Programa Educação Para Todos), de iniciativa do ME. Mas a educação multicultural não constava da agenda político-educativa da época.

3. Allegro ma non troppo / A ESCOLA PARA TUDO
Estava eu empenhado na abertura de instituições do ensino superior politécnico quando vários governantes da 5 de Outubro consideraram que «os professores e a escola poderiam também cumprir uma imensidão de funções até então cometidas ao Estado, às famílias e à sociedade.[…] passámos a ter uma escola que, por acaso, também era um local de aprendizagem formal» mas sobretudo a escola converteu-se num «espaço de aprendizagens sociais, informais, socializadoras.» (Ruivo, idem). A LBSE de 1986 enunciava, de forma explícita, esse novo caderno de encargos: «a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual,[…] a educação para a saúde, a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito». Porém, deixou de fora a educação multicultural. Esta seria uma das últimas a ser incorporada, ainda que de forma tímida, com Roberto Carneiro no ME quando se deu o arranque das políticas multiculturais para a escola pública. Aqui sumarizo as principais medidas tomadas nesta fase:

Criação do Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural, Março de 1991. Realização da Mostra de Projectos Entreculturas, em Lisboa, Março de 1992. Fundação da Associação de Professores para a Educação Intercultural (APEDI), Setembro de 1993. Lançamento do Projecto de Educação Intercultural (PREDI), no ano lectivo de 1993-94 (veio a envolver 82 escolas públicas). Formação de mediadores culturais para apoio à escolarização de crianças ciganas - Projecto Ir à Escola, curso entre 1994-97. Criação do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), em finais de 1995 (depois convertido em ACIDI e agora em ACM). Funcionamento de três cursos de mestrado: Relações Interculturais (UA, 1991), Ciências da Educação, área de especialização em Educação Multicultural (UCP, 1995), Ciências da Educação, área de Educação e Diversidade Cultural (FPCE-UP, 1996). Consagração da diversidade linguística, através do reconhecimento de duas línguas minoritárias - Língua Gestual Portuguesa consagrada na Constituição da República, após a revisão de 1997 e Mirandês, reconhecida em Setembro de 1998 - pondo-se fim ao tabu do país monolingue. Institucionalização da diversidade religiosa: a disciplina facultativa de Educação Moral e Religiosa, do 1º ao 12º anos, passou a ser ministrada, a partir de 1998, por qualquer confissão religiosa com implantação no país. Instituição de conselhos municipais das Comunidades Étnicas e de Imigrantes, como órgão de consulta, em câmaras como as de Lisboa, Amadora e Cascais. Publicação do Estatuto dos mediadores sócio-culturais, Agosto de 2001.

A Recomendação nº 1/2001 do CNE (então presidido pela saudosa Mª Teresa Ambrósio) "Minorias, educação intercultural e cidadania", no seu ponto 4, elenca 12 "Recomendações" que constituem um bom guião para quem queira avaliar as políticas públicas nesta matéria.

4. Finale (Sostenuto) / A ESCOLA DO NADA
Acompanhei estupefacto a desastrada acção dos últimos ministros da Educação (Rodrigues & Crato) porque entendiam que «a escola gastava muito e os professores, numa indolência secular, pouco faziam [e] para o que faziam, eram demais. Logo, até poderiam ser substituídos uns pelos outros[…] podiam mudar rapidamente de escola, estatuto, área, porque isso de ser professor… já nem é profissão.» (Ruivo, idem). E a educação inter/multicultural que já estava em andamento moderato ficou (quase) reduzida ao Selo Escola Intercultural.

As posições dos principais líderes europeus acentuaram esta queda. Merkel, a 'mestrina' (secundada por Cameron e Sarkozy), mudou de pauta, em 18/10/10, e resolveu dar-nos outra música ao anunciar a «morte do multiculturalismo». Os atentados ao jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris a 7 Janeiro deste ano, cunham esse ponto de viragem numa Europa que pouco tinha feito até então pela educação inter/multicultural. (continua)

 
 
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