Entrevista

Nuno Garoupa, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS)
«Não temos potencial de crescimento»

6AnosFFMS.jpgDeixou uma carreira no estrangeiro para presidir a uma das mais importantes fundações de Portugal. Nuno Garoupa analisa à lupa as fragilidades nacionais e identifica o problema que teima em ser evitado.

A Fundação já editou 60 ensaios sobre diversos temas e apoia dezenas de iniciativas que vão desde estudos sobre a justiça, a saúde ou a educação, já para não falar da Pordata, uma base de dados sobre o Portugal contemporâneo. Podemos dizer que estamos perante um oásis na área da investigação científica e divulgação dentro um país a braços com um cenário de extrema contenção orçamental?

Não gostaria de colocar a questão nesses termos. É verdade que a Fundação tem um modelo diferente de outras fundações, o que é pena, porque deveria haver mais fundações como a nossa em Portugal. A FFMS tem como missão gerar conhecimento para melhorar as políticas públicas. Nesse ponto de vista, inserem-se os ensaios que referiu, mas também estudos, projetos e publicações de caráter mais científico. Mas, na verdade, diria que os ensaios são mais opinativos do que propriamente científicos.

A missão da Fundação que dirige é pouco comum em Portugal…

De facto, no nosso país, à semelhança do que acontece noutros países europeus, não há a tradição de ter fundações voltadas para as políticas públicas. Nessa perspetiva, somos realmente uma exceção em Portugal. O nosso objetivo, em grande medida, é fazer uma radiografia do país. Recentemente lançamos as Cronologias. É um projeto que explora uma vertente histórica numa perspetiva político- -social. Surge no seguimento da Pordata, que faz uma radiografia mais quantitativa e estatística. Basicamente, num caso e noutro, o que se pretende é disponibilizar o maior volume de informação possível para que os destinatários desta informação, os portugueses, tomem melhores decisões e pressionem o poder político para a adoção de políticas corretas.

No livro "O Governo da Justiça", editado em 2011 pela Fundação, quando ainda se encontrava nos Estados Unidos, arrasa o modelo que temos, escreve que o Estado de Direito é deficiente e aponta falhas estruturais. Isto só lá vai com reformas profundas em vez de mudanças de roupagem e cosmética?

O ensaio é de 2011, mas podia perfeitamente ser publicado, agora, em 2016. Tirando algumas leves questões, permaneceria genericamente atual. O que não diz bem do autor, diz é mal do objeto. Na verdade, continuo a achar que insistimos em paliativos pontuais que não resolvem o problema, porque continuamos a fugir de soluções estruturais. Como outras personalidades já disseram, incluindo o ex-ministro Laborinho Lúcio, a resolução exige uma revisão constitucional, só que os partidos políticos infelizmente não se querem entender.

É defensor de um pacto de regime para a justiça?

Exatamente. Não há qualquer possibilidade de alterar a estrutura do governo da justiça sem uma revisão constitucional e não há solução para a justiça sem alterar a estrutura do governo da justiça. Só a partir desse momento é que será possível tomar um conjunto de medidas que tenham consequências positivas a médio e longo prazo.

Depois de ter estudado nos Estados unidos e em Inglaterra, pediu uma licença sem vencimento na Universidade A&M do Texas e assumiu a presidência executiva da FFMS. Como é que um estrangeirado olha para Portugal?

O nosso ponto de discussão em Portugal continua a estar completamente deslocado daquilo que é a nossa realidade ou das nossas possibilidades realistas. Continuamos a discutir políticas sem ter em conta o que todas as instituições internacionais insistem em dizer: Portugal está estagnado há 15 anos e assim vai continuar pelo menos nos próximos 15 anos. Nós não temos potencial de crescimento. E essa discussão não só não se faz em Portugal, como quando na semana passada o FMI volta a ter um relatório negativo, visando-nos, esse facto não merece qualquer notícia de relevo nem uma reflexão necessária.

O problema é não discutir o problema?

Não se discute o problema e discutem-se paliativos para problemas sem reconhecer a questão mais estrutural que é evidentemente a falta de potencial de crescimento económico. Insiste-se, tanto este como o anterior governo, em planos nacionais de reformas, como se fosse possível ter resultados palpáveis para a maioria da população, dentro de um ou dois anos. Sem potencial de crescimento o que se fizer no imediato serão ; sempre paliativos de curtíssimo prazo, sem qualquer consistência e capacidade de gerar riqueza no médio e longo prazo.

Esteve há poucos dias na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, onde proferiu a palestra «O Fracasso das Instituições Portuguesas como Problema de Muito Longo Prazo». Já referiu que o primeiro passo para resolver o problema é reconhecer que ele existe, mas o país está em negação. Isto parece o paciente que teima em não querer ir ao psicólogo. É preciso deitar o país no divã?

O português vive permanentemente em ciclos que oscilam entre os seguintes sentimentos ou estados de alma: euforia, nostalgia, vencidos da vida e sebastianismo. E não reconhece que tem um problema que necessita de ser resolvido. Enquanto isso acontecer, não é possível ter o debate necessário a nível nacional. Nós vivemos uma época em que praticamente toda a gente está de acordo que há um descrédito generalizado das nossas instituições, mas resistimos em entrar no debate sobre o que é preciso fazer para recuperar o prestígio perdido. Parece que estamos à espera que alguém nos venha resolver o problema - é a fase do sebastianismo.

UIUCAug2007.jpgE quem é esse alguém que pode resolver o problema?

Evidentemente a sociedade civil e os atores políticos.

Mas esses protagonistas estão cada vez mais distanciados…

É verdade. Mas a sociedade civil portuguesa é tradicionalmente fraca e peca por não reconhecer que existe um problema e debatê-lo. Quanto aos atores políticos estão completamente afastados da realidade e continuam a querer evitar discutir o que é essencial.

O Estado paternalista e protetor também nos condiciona?

Também. Mas eu entendo que o Estado paternalista é consequência de todo um conjunto de problemas. Não é possível alterar esse estado de coisas, sem pensar na causa desses problemas. Não é o Estado omnipresente e paternalista que cria, de facto, uma preferência - claramente assumida em sondagens e estudos de opinião - profundamente anti-liberal que existe na sociedade portuguesa. É o contrário. É a preferência profundamente anti-liberal da sociedade portuguesa que gera este Estado. Esta é a raiz do problema e urge tentar saber porque é que perdura ao longo de décadas, séculos e de tantas gerações.

Os quatro anos de governo PSD/CDS, em que a oposição acusou o executivo de pendor neoliberal, agravou a fratura social?

Nesse período, vivemos em discussões completamente estéreis, que preencheram o espaço público, como se a política é mais ou menos neoliberal, quando é evidente que não está em causa políticas mais ou menos liberais, mas sim uma situação de emergência nacional. Por exemplo, houve o debate entre crescimento versus austeridade, como se isso fosse uma verdadeira e consistente escolha. Hoje percebemos, com as políticas do atual governo, que essa escolha simplesmente não existe. Portugal está inserido num determinado contexto europeu e estamos submetidos a determinadas políticas, gostemos ou não delas. Não há, por isso, uma escolha entre austeridade e crescimento. Há sim uma imposição externa em virtude das nossas opções passadas.

Já defendeu que as nossas elites são fracas. Qual é a sua quota parte de responsabilidade?

O problema das elites reside no comportamento da sociedade civil. Se a sociedade civil fosse interventiva e motivada teríamos elites fortes. Mas a realidade é que não temos. A fraqueza das elites tem a ver com o facto de as elites serem excessivamente homogéneas. Daí a questão de as elites não gostarem dos estrangeirados e das ideias vindas de fora. Essa é uma realidade que perdura. Portugal apesar de ser um país europeu e inserir-se no mundo globalizado continua a ter umas elites completamente paroquiais, fora do contexto global.

A sociedade portuguesa é avessa à mudança e só reage em vez de mobilizar-se. Lembro-me da gigantesca manifestação que se denominou «Que se lixe a troika», a 15 de setembro de 2012. Essa resposta massiva pode considerar-se uma situação pontual?

Foi pontual e estranhamente não teve impacto nenhum em termos políticos. Com todas as condicionantes, nós temos neste momento o sistema partidário mais estável de toda a Europa. Pelo menos na Europa do sul, seguramente.

Consegue explicar o motivo?

Porque temos uma sociedade civil que não se mobiliza e não tem um papel interventivo. Veja o seguinte: somos o único país onde não há partidos novos, onde não há correntes de opinião novas e, para nossa surpresa, o atual governo em funções do Partido Socialista apresenta muitas caras que estavam antes de 2011. Por seu turno, o PSD também mantém os mesmos rostos que estiveram durante o período da austeridade. Isto significa que nem os personagens mudam. Comparado com o país vizinho, a Espanha, que passou de um sistema de dois grandes partidos para quatro, ou a Itália, a Grécia ou a França, Portugal é um caso distinto.

Os políticos podem não mudar, mas as políticas mudam sempre que muda o governo. Isto é um hábito muito português?

As grandes linhas de força acabam por não mudar, na medida em que estamos metidos no cinto do euro e com um conjunto de compromissos que não podem ser rompidos. Contudo, quanto a políticas setoriais, em que poderia haver mudanças e a projeção de reformas a uma década, não há. A própria mudança da tutela, muitas vezes com o mesmo governo, como se viu em 2013 com o executivo PSD/CDS, alteraram completamente objetivos de política. Isto é gerador de muita instabilidade ao nível das políticas setoriais.

Deu aulas nos Estados Unidos (onde estudou também) e em Espanha, e estudou em Inglaterra. Conhece por isso bem os sistemas educativos. Em traços gerais, o sistema universitário nacional parece melhor com várias universidades a situaram-se em lugares de mérito nos rankings internacionais. O problema parece residir no básico e secundário. É mais uma vez a questão estrutural e de base?

É muito claro que no ensino básico e secundário não têm existido reformas consistentes ao longo do tempo. Praticamente, todos os ministros que passam pela 5 de Outubro querem alterar o sistema de educação, o que impossibilita gerar ciclos de estabilidade de 10 ou 15 anos para produzir resultados.

A força dos sindicatos é um obstáculo importante?

A força dos sindicatos é um reflexo dos problemas de que o país padece. Com a economia estagnada e a progressão na carreira muito limitada, torna-se natural que os sindicatos tenham um papel muito mais importante do que teriam noutros contextos, menos adversos aos professores.

Reconhece, por isso, o bom desempenho das universidades?

Portugal é um país periférico universitariamente, por isso o seu grau de competitividade universitária vai ser sempre diferente de um Reino Unido, uma Bélgica ou uma Alemanha. O que se constata é que as universidades portuguesas têm um espartilho orçamental e legal sem paralelo na Europa. Desde o problema das contratações, as promoções, passando pela própria organização interna das instituições, o legislador português interfere e é extremamente omnipresente, condiciona em demasia as decisões.

O que quer dizer é que falta autonomia?

Sem dúvida. É o próprio legislador que não responsabiliza. Quando nas universidades as coisas não correm bem e não se atingem as metas, o responsável por esses fracassos não é responsabilizado. Não há verdadeira autonomia, porque também não há capacidade de responsabilizar quem toma as decisões dentro dessa autonomia. Vivemos numa bipolaridade permanente. Queremos dar mais autonomia porque todos percebemos que é melhor, mas não a damos porque não temos um sistema de responsabilização.

Numa entrevista que concedeu à Anabela Mota Ribeiro no "Jornal de Negócios" disse o seguinte: «A crítica em Portugal é sempre tomada como uma crítica pessoal. A crítica nunca é institucional. Temos muita dificuldade em distinguir a crítica substantiva e metódica da crítica pessoal». É esta estranha forma de ser que se reflete pessoal e profissionalmente no dia a dia?

Nota-se quer academicamente, quer no espaço público. Em geral, nós estamos reduzidos a questões pessoais e não a questões de ideias. Nesta altura, praticamente não existe debate ideológico. Morreu. Andamos à volta da fulanização e de questões de estilo. Sem discutir a substância das ideias, evidentemente que as críticas passam a ser de natureza pessoal. Porque o estilo é uma questão pessoal. No que diz respeito ao meio académico, em particular, a crítica é feita nas costas, ou seja, de forma pouco transparente, porque nos meios mais pequenos lida-se muito mal com a crítica. Esta é uma forma de estar e de ser muito latina e porventura por sermos um país mais pequeno e homogéneo, exageramos um pouco.

Já disse publicamente que considera Portugal o único país onde 95 por cento do comentário televisivo é assegurado por políticos. São sempre os mesmos a dominar o sistema?

O Presidente da República e o Primeiro-Ministro são dois produtos desse fenómeno que, quero realçar, não acontece em Espanha, nos Estados Unidos ou no Reino Unido. Esta questão provoca uma enorme poluição do espaço público e acaba por fechá-lo. E no seguimento do que disse anteriormente, falta debate, porque são sempre as mesmas pessoas a falar. No comentário político português temos tido sempre pessoas que fazem previsões a um ou dois anos, erram sistematicamente, e continuam a ter o seu espaço de intervenção. Não há qualquer capacidade da sociedade portuguesa em responsabilizar os comentários políticos. Enquanto noutros países o desenho e a operacionalização das políticas públicas é feito com base em grupos de trabalho, livros brancos e algum estudo, em Portugal, nos últimos 20 anos temos perdido a qualidade das políticas públicas. Livros brancos zero, estudos poucos e é quase tudo feito com base em perceções e ideias vagas. Daí que o comentário político em circuito fechado seja especialmente nocivo.

O que quer dizer é que o comentário político determina  boa parte das políticas públicas?

Completamente. O que os comentadores dizem ao domingo, à segunda-feira ou à quinta-feira tem impacto em vários domínios, seja na segurança social, na educação, etc. Isto é uma forma de viciar as nossas políticas públicas. Porquê? Porque estes comentadores são parte interessada de muitos destes temas que abordam nas suas opiniões. É um aspeto de falta de transparência que importa denunciar. Nos países anglo-saxónicos muitas dessas pessoas que aparecem a falar, quando são partes interessadas, são identificadas pelo nome e pela sigla do partido a que pertencem. Pode ser «Tory», «Labour», «Republican» ou «Democrat». Em Portugal, põe-se «professor universitário», «consultor», «empresário», «politólogo», etc. O nome do partido nunca aparece. Isto não é para desmerecer os partidos, mas é preciso clarificar se este senhor ou a outra senhora vêm defender um ponto de vista particular. Aqui falta transparência.

O atual PR esteve mais de uma década a comentar e foi eleito. Quem não passa na TV, não pode governar?

Toda a imprensa internacional viu a eleição de Marcelo como sendo um senhor da televisão. No fundo, um produto televisivo que se fez Presidente da República. Nós nem sequer conseguimos ter em Portugal a distância necessária para perceber que estamos a criar um padrão que vai ser muito complicado erradicar. Ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa não vai ser caso único. Pior: estamos a criar um padrão em que só tem condições de ser Presidente ou Primeiro-Ministro quem tiver um percurso televisivo. Quem não tem, fica automaticamente excluído. O Bloco de Esquerda já tem três dirigentes seus nos canais de informação. Já se fala que Paulo Portas, que tem ambições de chegar a Belém, também prepara um programa na TV.

17fevcronologias093.jpgMarcelo vai conseguir a reconciliação entre eleitores e eleitos?

Ele vai ter um papel importante nessa reconciliação. No final do primeiro mandato creio que faremos um balanço extremamente positivo da sua ação política, mais que não seja por comparação com o mandato anterior. Quando terminaram os 10 anos de Cavaco na presidência, a pergunta que se fazia era: para que serve o Presidente da República?
Na sequência da resposta anterior, é preciso não esquecer que Marcelo introduz um novo paradigma: a Presidência feita a partir da televisão. Já percebemos que o Presidente tem que aparecer no pequeno ecrã todos os dias, se possível mais do que uma vez. Não é uma crítica mas sim uma observação factual. Tem aspetos positivos e negativos, mas é garantido que vai alterar a forma como olhamos para o Palácio de Belém.

A exposição demasiada pode tornar-se maçadora para a opinião pública?

Pode ser cansativo. Resta saber se conseguirá distinguir questões mais importantes de outras menos importantes. Cavaco usava demasiadas vezes o Facebook para comunicar notícias importantes e os Roteiros do Presidente eram usados para as críticas e os recados mais fortes. Marcelo será, certamente, diferente. Para já, neste curto mês de Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa não foi confrontado com qualquer situação delicada.

A política dos afetos vai dar capital de popularidade suficiente ao PR quando for necessário fazer advertências mais sérias? Corre-se o risco de dessacralizar o cargo e o poder?

Um dos problemas de Cavaco foi querer sacralizar o cargo de Presidente da República. Ao ponto de haver uma total separação do eleitor médio. Marcelo só vai saber se a sua dessacralização do cargo pode ser um problema quando tiver de tomar as decisões verdadeiramente delicadas. Porque vai haver um momento em que o Presidente vai ter que tomar decisões e opções que não vão agradar a toda a gente. Isto já para não falar da eventualidade de uma qualquer tragédia económico-financeira.

Diz que Marcelo tem o bloco central na cabeça. Qual é o plano do Presidente?

Creio que o plano do Presidente não é muito diferente do plano do Primeiro-Ministro. Mais tarde ou mais cedo haverá eleições - até porque com Passos Coelho qualquer entendimento é inviável - e se o PS vencer sem maioria absoluta (como é provável) será levado a uma coligação com o PSD. Não estou a dizer com o formalismo do bloco central de 83-85, pode ser apenas de acordo parlamentar. Tanto Marcelo como Costa percebem que, mais tarde ou mais cedo, haverá um conjunto de questões que terá de ser resolvido e que só é possível com uma grande coligação e obviamente tendo em vista revisões constitucionais, promovidas pelos dois maiores partidos nacionais. Creio que este cenário reforça a posição de Marcelo, e Costa tem a noção que para efetuar certas reformas vai precisar do apoio do PSD.

O caso «Panamá Leaks» abana o mundo, mas as consequências variam consoante se está em Reiquejavique, Moscovo ou até Paris. Políticos, jogadores de futebol, cantores e até cineastas são visados num trabalho de investigação de um consórcio de jornais. A moral da história é que são sempre os pequenos a pagar impostos e os «tubarões» tudo fazem para ocultar as suas fortunas do crivo tributário. A poeira vai assentar e tudo voltará ao normal ou as sociedades civis podem revoltar-se?

Infelizmente até agora o caso «Panamá Leaks», principalmente na forma como foi apresentado em Portugal, mistura situações que podem constituir ilegalidades com situações perfeitamente legais e morais. Depois de cumprir as suas obrigações fiscais, cada um é livre de colocar as suas poupanças onde desejar, incluindo em offshore que oferecem mais segurança jurídica e financeira que a banca portuguesa, por exemplo. Junta--se a isso a demagogia de querer acabar com os offshore (que são o resultado de decisões de Estados soberanos) que é o mesmo que querer acabar com a pobreza ou a mortalidade infantil no mundo. Os problemas de iniquidade fiscal levantados pelos offshore radicam mais na nossa debilidade (ou mesmo complacência) do que na mera existência desses Estados soberanos.

O empresário Pedro Ferraz da Costa disse um dia, ao «Expresso», que «Portugal não tem dimensão para se roubar tanto». Paulo Morais, candidato à Presidência da República, fez da corrupção a sua bandeira, mas só obteve dois por cento dos votos. Significa isto que o português é um fiel seguidor da política do «bem prega, Frei Tomás»?

Quando o português do século XXI, da geração melhor preparada de sempre, cidadão europeu e do mundo globalizado, vota em autarcas condenados por corrupção com o argumento de que este ao menos faz obra, sabemos que a corrupção é um problema cultural que a sociedade não só não combate como tolera e mesmo alimenta. Só isso explica que em 2016 o combate contra a corrupção continua a ser conversa política para entreter mas não há nenhuma revolta da sociedade civil.

CARA DA NOTÍCIA

Nuno Garoupa nasceu em Lisboa em 1970. Licenciou-se em Economia na Universidade Nova de Lisboa em 1992. Obteve o mestrado em Economia no Queen Mary College em 1994 e em Direito (LLM) na Universidade de Londres em 2005. Fez o doutoramento em Economia na Universidade de York em 1998 e agregação em Microeconomia na Universidade Nova de Lisboa em 2002. É professor de Direito na Universidade de Texas A&M e titular da Chair in Research Innovation, Católica Global Law School. Foi professor na Universidade de Illinois (2007-2015), na Universidade Nova de Lisboa (2001-2007) e na Universidade Pompeu Fabra de Barcelona (1998-2001). A sua área de investigação é Direito e Economia (Law and Economics) e Direito Comparado. Autor de mais de cem artigos publicados nas melhores revistas académicas da especialidade. Prémio Júlian Marías 2010, Comunidade de Madrid. Membro do Conselho de Administração da FFMS desde junho de 2013 e Presidente desde maio de 2014. Autor do Ensaio "O Governo da Justiça" publicado em 2011.



Nuno Dias da Silva
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