João Moleira, jornalista
«Foram “produzidos” mais jornalistas do que o país consegue albergar»
É um dos rostos da nova geração de pivôs de
informação em Portugal. Chama-se João Moleira, é jornalista da SIC
e da SIC-Notícias, e aventura-se agora no mundo da escrita.
É o rosto da
«Edição da Manhã» da SIC e da SIC-Notícias há vários anos, o que o
obriga a madrugar. Como se prepara mentalmente e profissionalmente
para um trabalho completamente excêntrico em termos de
horário?
Já faz
parte da minha rotina e a minha vida está completamente moldada
dessa forma. Acima de tudo é preciso ser muito disciplinado com os
horários de descanso. Para acordar às 3 da manhã é preciso deitar
às 20, sem exceções. Todo o resto é o de um trabalho normal, com
fases de preparação e execução como em todos.
Define-se como
uma pessoa metódica e disciplinada. São condições indispensáveis
para apresentar um programa de televisão num horário tão
madrugador?
Claro,
pelo menos do meu ponto de vista. Mais do que a ver com os
horários, tem a ver com a duração. São quatro horas em direto, em
que tudo pode acontecer e a mente tem que estar preparada para dar
resposta a qualquer situação. Por isso, existe a necessidade de
prever qualquer situação e preparar tudo o que é possível ser
preparado.
Durante anos as
manhãs da rádio dominaram o país e eram poucos os que acordavam com
a televisão. Sente que esse paradigma está a mudar e que os
portugueses estão a ganhar novos hábitos para terem as primeiras
informações do dia através do pequeno ecrã?
Está
provado que sim. A rádio fará sempre a vida de todos os que se
deslocam de carro para o trabalho. E ainda bem que assim é. Mas em
casa as coisas mudaram nas últimas duas décadas com uma maior
oferta de informação matinal. Nem que seja por cinco minutos, não
serão muitas as pessoas que hoje em dia não ligam a televisão de
manhã para saber as primeiras notícias do dia.
Mais
recentemente, apresenta e coordena a edição de fim de semana do
«Primeiro Jornal». Como reage às críticas que os principais
boletins informativos dos canais portugueses são demasiado
extensos, dando relevo a reportagens de âmbito mais lúdico e
recreativo que podiam integrar, por exemplo, os canais de
informação 24 horas?
Sim,
também coordeno e apresento o "Primeiro Jornal" ao fim de semana. À
hora de almoço e ao fim de semana estamos a falar de um produto
muito específico, em que as pessoas têm mais tempo para ver
televisão, as notícias do dia, naturalmente, mas também uma
informação mais respirada, que noutro período não é possível. Para
além disso, essas críticas fazem pouco sentido quando muita gente
se queixa constantemente da falta de "boas" notícias.
Realizou-se
recentemente o IV Congresso dos Jornalistas que debateu os vários
desafios que a profissão enfrenta, nomeadamente as edições digitais
e a concorrência das redes sociais. Na sua opinião, como devem
reagir os profissionais a estes novos paradigmas: adaptar-se,
resignar-se ou combater?
Os
tempos são de mudança em todas as áreas e também a comunicação
social está a adaptar-se a uma nova realidade. A resignação nunca
poderá fazer parte da vida jornalística, mas há que saber enfrentar
os novos desafios e adaptar-se.
Começou a dar os
primeiros passos no jornalismo com 14 anos e por lá continua. Não
se sente um privilegiado por assumidamente fazer o que gosta e
ainda por cima lhe pagarem por isso?
Sinto.
Nem me imagino a fazer outra coisa, porque desde criança que nunca
pensei noutra vida. Mas também tenho a noção que foi um privilégio
conquistado, por isso mesmo, por ter começado a trabalhar muito
cedo. Se tivesse feito apenas o percurso académico tenho sérias
dúvidas que viesse a ter as mesmas oportunidades.
Foi professor
durante dois anos na Universidade Independente. O que guarda dessa
experiência? Como vê a questão das cada vez mais exíguas saídas
profissionais para os cursos de Comunicação Social e Ciências da
Comunicação?
Foi uma
experiência muito enriquecedora da qual tenho muito boas memórias.
Gosto de ensinar e partilhar experiências e sinto que o sei fazer e
que os alunos gostaram e aprenderam. Agora as saídas profissionais
são um problema hoje em dia e é algo que eu sempre referi perante
jovens aspirantes a jornalistas. Continuo, contudo, a acreditar que
o trabalho e o talento mais tarde ou mais cedo são
reconhecidos.
Muitos
licenciados em Jornalismo e Comunicação Social, fruto de um mercado
cada vez mais curto e nas mãos de cada vez menos grupos económicos,
viram o seu percurso desviado para áreas que nada têm a ver com
este campo de atividade. Que mensagem deixaria para estas
pessoas?
Não há
lugar todos, mas isso não se passa só com o jornalismo. Por
exemplo, nem todos os licenciados em Direito estão a exercer. É
normal que assim seja. É certo que há crise no sector, com empresas
a fechar e a reduzir trabalhadores, o que é lamentável, mas os
cursos de Comunicação Social multiplicaram-se nas últimas duas
décadas de tal maneira que foram "produzidos" mais jornalistas do
que o país consegue albergar. Agora, a bem de todos espero que as
coisas melhorem e que muitas dessas pessoas possam ser integradas,
ou reintegradas, no mercado de trabalho para fazerem o que sabem e
o que gostam.
Esteve no projeto televisivo CNL, que foi a génese
da SIC-Notícias, e um viveiro para muitos jornalistas que hoje,
como é o seu caso, estão consolidados no pequeno ecrã. Pensa que
faltam projetos do género do CNL que sirvam como escola de prática
televisiva dos jovens recém-licenciados?
Honestamente, mais do que uma escola, foi uma montra. Dificilmente
eu chegaria à televisão se não tivesse sido o CNL. Desse ponto de
vista, sim, faltam oportunidades para jovens mostrarem o seu
trabalho, pelo menos da forma como o CNL o fez. Mas, a espaços, vão
surgindo outros projectos, que vão dando a conhecer novos
talentos.
Atualmente
existem quatro canais de informação 24 horas, pese embora o CMTV
reivindicar que não é um canal de notícias puro e duro. Temos
mercado para quatro players em simultâneo?
Enquanto
eles existirem é sinal que temos. Não sei se, no futuro, sempre
será assim, mas a verdade é que alguns desses canais estão entre os
mais vistos do país.
Vamos falar,
para terminar, do livro que agora lançou e que corresponde à sua
primeira experiência na edição. Foi o seu espírito de curiosidade
que fez surgir o clique para escrever «O que nasce torno também se
endireita»?
Sim,
claramente. Hoje em dia a curiosidade é defeito profissional, mas
eu sempre fui assim. Desde pequeno que gostava de explorar e saber
mais sobre estes e outros casos curiosos. Mal sabia que um dia ia
ter oportunidade de os reunir em livro graças ao desafio que me foi
lançado pela editora Manuscrito.
No livro aborda
mais de 125 histórias de invenções, objetos e alimentos do dia,
desde a sandwich, aos cornflakes, passando pelas batatas fritas.
Estamos perante uma espécie de enciclopédia lúdica para transmitir
conhecimento de forma simples sobre coisas com que nos confrontamos
diariamente?
Não
tinha pensado dessa forma, mas na ótica de que a enciclopédia é um
livro de conhecimento fico muito agradado com a comparação. O meu
objetivo foi apenas contar de uma forma simples e acessível estas
histórias de coisas e pessoas que todos conhecemos, que surgiram de
forma inusitada e às vezes até caricata.
Normalmente quem
escreve o primeiro livro, repete a experiência. Já tem em mente
sobre o próximo ou os próximos temas que quer ver nos escaparates
das livrarias?
Eu
gostei muito da experiência. Assim o tempo o permita e o público
goste de ler o que escrevo, quem sabe...
Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados