Editorial
O pequeno polegar vai à escola
Houve um tempo em que o dedo polegar foi
abusivamente utilizado para pedir "boleia" na estrada por esse
mundo fora. Foi um gesto que se transformaria num dos símbolos dos
sixties do passado século e das grandes aventuras adolescentes do
flower power, e que à época ajudou a transportar toda uma geração
para destinos de sonho e de utopia.
Hoje, para a nova geração dos
nascidos-digitais, o dedo polegar é referência de perícia metódica
no manuseamento dos teclados dos dispositivos móveis, para o envio
de mensagens, fotos, filmes….
Só um inqualificável distraído
poderia não se ter apercebido das novas tarefas atribuídas pelos
nossos jovens aos seus pequenos polegares. Polegares que invejamos,
porque deslizam com velocidade estonteante sobre as letras dos
teclados, sem precisarem sequer da ajuda de um olhar, até mesmo
quando os jovens mantêm, em simultâneo, uma qualquer conversação,
ou desenvolvem uma outra tarefa. Polegares que permitem estar
"fora", mesmo quando se está "dentro": dentro da sala de aula, ou
de qualquer outra situação, seja ela mais ou menos familiar, ou
mais ou menos formal. Polegares que obrigam ao desenvolvimento de
áreas outrora menos solicitadas do córtex cerebral, com implicações
que a ciência ainda desconhece. Polegares que induzem novos modos
dos jovens estarem consigo e com os outros. Que permitem a
alternância entre a euforia e o desespero, entre a partilha e o
total autismo social.
As novas competências atribuídas ao
pequeno polegar mantêm um efeito gerador de intencionalidade
comunicacional. Mas alteraram significativamente o sentido da
mensagem e o uso do canal de comunicação.
A comunicação prêt-à-porter
possibilitada pelos dispositivos móveis e pelas redes sociais,
aliada à massiva utilização dos smartphones, tablets e congéneres,
configuram uma das maiores contradições dos nossos tempos: por um
lado, são janelas de liberdade e de comunicação que tornam o mundo
pequeno e a solidão quase impossível; por outro, são olhos que nos
atrofiam, já que espiam e registam cada momento da nossa vida.
Nestes contextos, o controlo do
grupo de amigos é total e concentracionário. É viciante e
estigmatiza. Onde se está, o que se faz, até quando e porquê - são
perguntas que os grupos de pares dirigem aos jovens, dezenas de
vezes por dia, e cujas respostas ajudam a manter a coesão do grupo.
Hoje, é quase impossível supor que um amigo não saiba o que outro
está a fazer… nesse preciso momento. Ou que não sinta uma
imperativa necessidade de comunicar aos outros sempre e quando mude
de "programa" ou de lugar. Nunca perguntam "como estás?". Antes
interrogam: "onde estás?". E, nesse aspecto, a sociedade do
conhecimento releva, sobretudo, uma enorme superficialidade: a de
gerar uma informação permanente sobre o que "os outros" fazem.
O Homem Unidimensional de Marcuse
metamorfoseou-se no Homem do Pequeno Polegar: o Homem que faz uso
simultâneo dos novos meios de comunicação e das novas tecnologias
ao serviço de muito hedonismo e de alguma realização pessoal.
Resta muito para saber e para
discutir sobre a diferença entre o controlo e o conhecimento de si;
entre o controlo e o conhecimento dos outros. Resta muita
observação e muito estudo para que os educadores, finalmente,
percebam que o perigo da televisão era um tigre de papel se
comparado com os efeitos da massiva utilização que os alunos fazem
das redes sociais. Ou para que compreendam que qualquer vida,
aparentemente simples e padronizada da sua aluna mais "regular",
pode ocultar uma inimaginável e fantasiosa dupla personalidade,
diariamente jogada em qualquer aplicação disponível na
Internet.
Estes são os tempos que correm. A
escola, os pais e os educadores que se cuidem! Quem prefira ficar
fora deste novo mundo proporcionado pelas TIC partilhará,
certamente, o mesmo espaço da geração dos pequenos polegares. Mas
certamente que já não partilha com ela os mesmos tempos. Como
cantava Dylan: The Times They Are A-Changin'.