Editorial

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O pequeno polegar vai à escola

João RuivoHouve um tempo em que o dedo polegar foi abusivamente utilizado para pedir "boleia" na estrada por esse mundo fora. Foi um gesto que se transformaria num dos símbolos dos sixties do passado século e das grandes aventuras adolescentes do flower power, e que à época ajudou a transportar toda uma geração para destinos de sonho e de utopia.

Hoje, para a nova geração dos nascidos-digitais, o dedo polegar é referência de perícia metódica no manuseamento dos teclados dos dispositivos móveis, para o envio de mensagens, fotos, filmes….

Só um inqualificável distraído poderia não se ter apercebido das novas tarefas atribuídas pelos nossos jovens aos seus pequenos polegares. Polegares que invejamos, porque deslizam com velocidade estonteante sobre as letras dos teclados, sem precisarem sequer da ajuda de um olhar, até mesmo quando os jovens mantêm, em simultâneo, uma qualquer conversação, ou desenvolvem uma outra tarefa. Polegares que permitem estar "fora", mesmo quando se está "dentro": dentro da sala de aula, ou de qualquer outra situação, seja ela mais ou menos familiar, ou mais ou menos formal. Polegares que obrigam ao desenvolvimento de áreas outrora menos solicitadas do córtex cerebral, com implicações que a ciência ainda desconhece. Polegares que induzem novos modos dos jovens estarem consigo e com os outros. Que permitem a alternância entre a euforia e o desespero, entre a partilha e o total autismo social.

As novas competências atribuídas ao pequeno polegar mantêm um efeito gerador de intencionalidade comunicacional. Mas alteraram significativamente o sentido da mensagem e o uso do canal de comunicação.

A comunicação prêt-à-porter possibilitada pelos dispositivos móveis e pelas redes sociais, aliada à massiva utilização dos smartphones, tablets e congéneres, configuram uma das maiores contradições dos nossos tempos: por um lado, são janelas de liberdade e de comunicação que tornam o mundo pequeno e a solidão quase impossível; por outro, são olhos que nos atrofiam, já que espiam e registam cada momento da nossa vida.

Nestes contextos, o controlo do grupo de amigos é total e concentracionário. É viciante e estigmatiza. Onde se está, o que se faz, até quando e porquê - são perguntas que os grupos de pares dirigem aos jovens, dezenas de vezes por dia, e cujas respostas ajudam a manter a coesão do grupo. Hoje, é quase impossível supor que um amigo não saiba o que outro está a fazer… nesse preciso momento. Ou que não sinta uma imperativa necessidade de comunicar aos outros sempre e quando mude de "programa" ou de lugar. Nunca perguntam "como estás?". Antes interrogam: "onde estás?". E, nesse aspecto, a sociedade do conhecimento releva, sobretudo, uma enorme superficialidade: a de gerar uma informação permanente sobre o que "os outros" fazem.

O Homem Unidimensional de Marcuse metamorfoseou-se no Homem do Pequeno Polegar: o Homem que faz uso simultâneo dos novos meios de comunicação e das novas tecnologias ao serviço de muito hedonismo e de alguma realização pessoal.

Resta muito para saber e para discutir sobre a diferença entre o controlo e o conhecimento de si; entre o controlo e o conhecimento dos outros. Resta muita observação e muito estudo para que os educadores, finalmente, percebam que o perigo da televisão era um tigre de papel se comparado com os efeitos da massiva utilização que os alunos fazem das redes sociais. Ou para que compreendam que qualquer vida, aparentemente simples e padronizada da sua aluna mais "regular", pode ocultar uma inimaginável e fantasiosa dupla personalidade, diariamente jogada em qualquer aplicação disponível na Internet.

Estes são os tempos que correm. A escola, os pais e os educadores que se cuidem! Quem prefira ficar fora deste novo mundo proporcionado pelas TIC partilhará, certamente, o mesmo espaço da geração dos pequenos polegares. Mas certamente que já não partilha com ela os mesmos tempos. Como cantava Dylan: The Times They Are A-Changin'.

João Ruivo
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
ruivo@rvj.pt
 
 
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