Pedagogia (a)Crítica no Superior (XXXII)
Equiparações para todos os efeitos legais
«E não há nada maissagrado no mundo
do que um pergaminho selado a garantir a nossa maioridade
intelectual»
(Miguel Torga, Diário VII, 1956:
18)
O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior surpreendeu
tudo e todos ofertando um 'ovo de Páscoa' cheio de «equiparações».
Ninguém as havia reivindicado. Não houve abaixo-assinados, greves,
manifestações ou outras formas de protesto cívico nesse sentido.
Manuel Heitor, pressentindo um certo descontentamento nas áreas de
Engenharia, vai de se antecipar, legislando para todos os
diplomados do ensino superior português. Tornouse assim uma espécie
de populista avant la letrre. Generalizar as equiparações
de graus académicos? Nem no PREC alguém o ousou propor. Por essa
altura, vulgarizaram-se, isso sim, as passagens administrativas em
algumas escolas universitárias (Durão Barroso, o 'grande líder'
estudantil da Faculdade de Direito, bateu-se por elas, com denodo e
proveito). Mas o actual ministro vai muito mais além: também de
forma administrativa, pretende transformar bacharelatos em
licenciaturas e estas em mestrados. Nem mais!
O Conselho de Ministro, de 15 de
Fevereiro último, aprovou um conjunto de alterações legislativas
sobre o ensino superior, que colocou à consulta pública, na
sequência do relatório da OCDE encomendado pelo próprio Governo
(Review of the Tertiary Education, Research and Innovation
System in Portugal, datado de 5/2/18 e que Dominique Guellec
coordenou). Entre esses diplomas destaca-se o novo regime jurídico
de graus e diplomas. E é neste quadro que o ministro, com
ligeireza, se propõe promover os graus pré-Bolonha; ou seja, os
bacharelatos e as licenciaturas obtidos antes da implementação do
Processo de Bolonha, que ocorreu há cerca de dez anos, são a partir
de agora equiparados a licenciaturas e a mestrados respectivamente.
No comunicado do MCTES esclarece-se que «não se atribui um grau
académico» (era o que mais faltava, pois essa é responsabilidade
exclusiva de universidades e politécnicos). A tutela, no entanto,
estabelece que estas equiparações passam a ser válidas «para todos
os efeitos legais». Esta formulação jurídica equivale a dizer, em
termos práticos, que passam a servir para tudo (num estado de
direito, não há praticamente nada que a lei não tenha
contemplado).
O Prof.S., ao tomar conhecimento
das intenções do ministério (através do Público, 20/03/18,
p. 41 e do Ensino Magazine, Março 2018, p. 31),
estarreceu. Não propriamente pelas consequências dessas medidas de
'engenharia política' que visam saltar etapas, apressando o país no
sentido da meta dos 60% com formação superior (prevista apenas para
2030). Assim se melhora (artificialmente) o nosso posicionamento no
ranking internacional, prosseguindo a senda do 'bom aluno'
(lançada por Cavaco e prosseguida por A. Costa). O Prof.S.
considerou obnóxio o argumento de que se socorreu o ministro - o
tempo de formação exigido pelos cursos!? E relembrou-se dos debates
pró e contra o Processo de Bolonha que então se esgrimiram na
academia. Refrescou a memória com a releitura dos 23 textos
incluídos em O Processo de Bolonha e a Formação dos Educadores
e Professores Portugueses, organizado pelo querido e saudoso
José Paulo Serralheiro (Profedições, 2005). Os acérrimos defensores
dessa reforma (Europa dixit), que diminui a duração da totalidade
dos cursos superiores, escudavam-se no argumento de que o 'tempo'
não era o problema (a nova forma de contabilizar a formação, em
ECTS, centrava-se não no professor mas em todas as modalidades de
trabalho desenvolvidas pelo estudante). A questão central, para
eles, estava na valorização do contacto professor-estudante, nas
'inovadoras' abordagens pedagógicas daí decorrentes, depositando
desmesuradas esperanças nas tutorias (o Prof.S. e muitos colegas
seus não precisaram de Bolonha para implementar essas práticas
pedagógicas). Os militantes seguidistas, devem estar hoje bem
frustrados pois tiraram-lhes o tapete, ao esvaziarem a argumentação
pedagógica que justificou tais projectos de mudança curricular.
Só que, afinal, tudo se resume ao
tempo de formação! E vai daí o bacharelato de 3 anos passa a
equivaler à licenciatura (por durar 3 anos) e a licenciatura de 5
anos equivale agora ao mestrado (3 de licenciatura + 2 de
mestrado). A equipa ministerial, na sua deriva, acabou por não
contemplar as licenciaturas com tese, e conteve-se ao não decretar
também a equiparação dos velhos mestrados a doutoramentos.
Vive-se um abaixamento na qualidade
das formações escolares. A fasquia não pára de descer. Mas não faz
sentido tomar medidas de facilitismo que se enquadram na narrativa
do 'antes é que era bom'. Por este andar, ainda nos arriscamos a
ver o antigo 7º ano do Curso Complementar dos Liceus a acabar
equiparado a um CTeSP.