Vitor Bento, economista ex-assessor da Presidência da República
Vem aí uma recessão grande
O
economista Vítor Bento prevê que Portugal vá passar por uma
"recessão grande" este ano em resultado da covid-19, restando saber
qual será a sua duração e como será a recuperação económica.
Em entrevista à agência Lusa, o professor universitário não duvida
de que Portugal vai ter "uma recessão grande", a dúvida, sublinha,
é saber "qual será a sua duração" e qual vai ser "a forma de
recuperação", se vai ser em 'U', com um período maior de contração
económica, ou em 'V', com uma recuperação rápida depois de a
economia bater no fundo.
O antigo conselheiro de Estado do Presidente da República Aníbal
Cavaco Silva considera, no entanto, que a atual crise tem
características que obrigam a ser muito cauteloso nas
previsões.
"Noutras ocasiões podíamos fazer projeções assentes em bases mais
sólidas", explica, lembrando que "desta vez tudo é móvel e o grau
de incerteza é maior".
Vítor Bento explica que nesta crise há dois choques económicos. Um
do lado da procura e outro da oferta, mas para complicar ainda mais
a análise, o choque do lado da procura tem uma natureza diferente
do habitual.
"Normalmente há uma queda de procura por falta de rendimento
porque, por exemplo, os governos intervieram para tirar rendimento
de forma a estabilizar as contas externas", explica.
Mas desta vez a realidade é outra: "as pessoas tinham dinheiro,
tinham vontade de comprar, mas não tinham condições de ir às lojas.
O que significa que houve uma interrupção do circuito
económico".
E esta interrupção levantou uma série de "problemas nas empresas",
explica Vítor Bento, lembrando que acresce a esses problemas o
choque simultâneo do lado da oferta resultante da "redução da
oferta de trabalho por força da doença e do confinamento". Perante
este entupimento do circuito económico, Vítor Bento diz que a
variável tempo vai ser determinante para avaliar a dimensão e
profundidade da recessão.
"O tempo de paragem vai ter um efeito grande na possível
destruição de capacidade produtiva" alerta, prevendo que uma
paragem da atividade económica de dois meses "seja suportável" para
grande parte das empresas.
Mas se a paragem for de seis meses, alerta, será "muito difícil,
mesmo para as empresas muito sólidas, aguentar sem tesouraria". E
mesmo o capital humano sofrerá uma depreciação se "os trabalhadores
ficarem seis meses inativos".
Em qualquer dos cenários, o economista lembra que a recuperação
não será igual em todos os setores nem ocorrerá ao mesmo tempo, o
que também não beneficia a economia portuguesa.
"É mais ou menos certo que a componente de turismo internacional
vai levar muito tempo a recuperar e em Portugal, como nos
habituámos a depender muito do turismo, vamos ser particularmente
afetados", adverte. Mas há ainda uma outra característica da atual
crise que não ajuda à recuperação: o facto de estar a acontecer em
todo o mundo ao mesmo tempo.
Nas anteriores crises, como na última, "tínhamos um problema, mas
o resto do mundo estava a crescer. E fomos capazes, primeiro
através das exportações, e depois através do turismo, de superar
mais rapidamente a contenção que tivemos na procura interna. Desta
vez, essa escapatória não existe", explica o professor
universitário.
Para que o cenário descrito não seja ainda mais grave, o
economista considera essencial que as empresas consigam manter a
totalidade, ou parte, dos salários dos seus funcionários. Caso
contrário, admite Vítor Bento, o choque do lado da procura poderá
acentuar-se.
Mesmo admitindo que haverá sempre uma redução de rendimento porque
os salários nunca serão mantidos no mesmo nível, o economista
acredita que "se as empresas tiverem recursos para continuar a
pagar esses salários, o efeito, apesar de tudo, poderá ser menor".
Mas se começar a haver muito desemprego, "então o efeito já vai ser
maior" e, nessa altura, vai também depender da atuação que o Estado
vier a ter.
No imediato, o economista, diz acreditar que as medidas tomadas,
assentes no essencial em fazer chegar crédito às empresas, "vão
funcionar".
"Não me parece mal que se tenha começado pelas linhas de crédito".
Até porque "se se começar com empréstimos a fundo perdido, as
empresas deixam de ter o estímulo para se adaptarem",
explica.
Portugal encontra-se em estado de emergência desde 19 de março
devido à pandemia de covid-19, que está associada à morte de 470
pessoas no país, entre quase 16 mil infetados.
A nível global, há a registar mais de 107 mil mortos e 1,7 milhões
de pessoas contagiadas, em 193 países e territórios. Para fazer
face às consequências económicas da pandemia em Portugal, o Governo
adotou várias medidas, entre as quais, linhas de crédito no valor
de 3.000 milhões de euros, com garantia de Estado, destinadas a
suprir dificuldades de tesouraria de empresas.
LUSA
Universidade Católica