Rui Veras, Associação Internacional da água
Portugal lidera eficiência nas redes
Rui Veras é
assessor de imprensa na Associação Internacional da Água (IWA), em
Amesterdão, na Holanda. Foi também técnico da associação
ambientalista Greenpeace, onde diz ter percebido e influenciado o
"funcionamento interno da organização e o impacto das suas
campanhas na agenda global". Em entrevista ao Ensino Magazine fala
da importância do setor da água no mundo e abre um pouco o véu
sobre o Congresso Mundial da Água que se realiza em Lisboa este
ano.
A água é o
bem mais precioso e constitui já hoje um negócio apetecível. Que
papel desempenha a Associação e que contributos dá aos seus
membros?
A Associação Internacional da Água
(IWA) é uma organização internacional que inspira mudança no setor
da água. Os seus membros são a comunidade mundial de profissionais
preocupados com a forma como gerimos a água no nosso planeta. Desde
a captação, passando pela distribuição e até às soluções de
saneamento e reutilização da água. A IWA estabelece a ligação entre
os diversos profissionais que procuram soluções para satisfazer as
necessidades hídricas humanas e promove soluções e práticas
sustentáveis e equitáveis. Este trabalho é feito através do
estabelecimento de convenções para o sector da água e ainda através
da partilha de inovações científicas em todo o mundo.
Quais os
grandes desafios que se colocam ao setor da água e do saneamento
atualmente?
Neste momento um dos maiores
desafios é reduzir as emissões de carbono para a atmosfera. O setor
da água é responsável por entre 5 a 8% do total global de emissões
de gases com efeito de estufa, o que é equivalente ao setor da
aviação. Como tal a IWA está á desenvolver acordos no sentido de
melhorar a eficiência energética de todo o ciclo humano da
água.
Por exemplo o abastecimento de água e os sistemas de saneamento
são grandes consumidores de energia. Neste momento já existem
soluções através das quais o ciclo de consumo e disposição da água
podem gerar energia suficiente para satisfazer as necessidades de
consumo do próprio sistema - nomeadamente a produção de biogás e
fertilizantes.
O risco da
gestão da água de abastecimento ao domicílio (em alta e em baixa)
passar a ser feita, por exemplo em Portugal, por entidades privadas
não poderá condicionar o acesso ao seu consumo no futuro?
O abastecimento de água é um
serviço com custos, a água tem que ser captada, tratada e
distribuída. Todo este processo envolve especialistas e sistemas
que trabalham 24 horas por dia. O abastecimento tem que ser
eficiente, seguro e equitativo. Todos devem ter acesso a água, que
deve ser adequada ao tipo de consumo: a água potável requer um
tratamento diferente da água usada na agricultura por exemplo. O
importante é que estes processo sejam assegurados para que haja um
uso eficiente e diferenciado na utilização do mais precioso recurso
que temos. Quanto à exploração deste serviço por entidades privadas
ou publicas é uma questão de perspetiva. Por exemplo nos Países
Baixos onde moro todos temos que pagar um seguro de saúde privado,
desta forma todos somos tratados da mesma forma nos hospitais e o
sistema de saúde é eficiente e rápido. Os que não têm rendimentos
para suportar os custos são financiados pelo estado, que desta
forma existe para as pessoas e não para as empresas. Os serviços e
a sua eficiência ficam assegurados por um sistema competitivo que
apresenta resultados e fica assim menos exposto à corrupção.
O Congresso
Mundial da Água realiza-se este ano em Lisboa. Qual a importância
do evento e quais os temas âncora da iniciativa?
Portugal é considerado um piloto
nas diferentes variantes da implementação de sistemas hídricos, nos
últimos 20 anos houve uma evolução significativa no sector da água
em Portugal e no abastecimento e saneamento da rede de águas em
Portugal. Neste sentido há muitas experiencias a partilhar com
outros países.
Mas o tema principal do congresso será o papel do sector da água
na criação de uma economia verde. Como será gerida a água nas
cidades do futuro, num planeta onde os centros urbanos e a
população não param de crescer? Um dos objectivos do congresso é a
criação da Declaração de Lisboa sobre a eficiência, reutilização e
recuperação de recursos da água para a criação de oportunidades de
crescimento das economias de forma sustentável e eficiente.
A melhoria
dos serviços públicos é outro aspeto a ter em atenção?
Será outro dos temas centrais, bem
como a melhoria dos serviços públicos, o mapeamento dos recursos
hídricos, e financiamento sustentável, bem como o uso de novas
tecnologias - em que a Portuguesa EPAL é líder em termos de
eficiência das redes (deteção de fugas de água), e foi já premiada
pelos IWA Project Innovation Awards regionais, cuja edição mundial
ocorrerá em Lisboa durante o congresso.
Agricultura, segurança e saúde humana, bem como o tratamento de
águas residuais com tecnologias de membrana para filtração de água
e a viabilidade da dessalinização biológica, serão outras áreas e
temáticas do congresso. Estarão presentes líderes mundiais
destes temas, como Hans Rosling, médico e co-fundador da MSF Suécia
(Médecins Sans Frontières), Willy Verstraete, biólogo que se dedica
à recuperação de resíduos com aplicação prática da água, e ainda
Dennis Bushnell da NASA e Jorge Moreira da Silva, atual Ministro
Português do Ambiente, entre outros. Visite http://www.iwa2014lisbon.org
para saber mais.
Mudando de
assunto, mas permanecendo no Congresso. A erosão das costas, em
particular da costa portuguesa, como poderá ser contrariada ou que
mecanismos podem ser implementados na vossa perspetiva?
Um dos maiores riscos da subida do
nível das águas dos mares será o impactos nas reservas de água doce
e claro nas populações costeiras. Portugal terá que se preparar e
pode usar a experiencia neerlandesa no que diz respeito a gestão de
águas. Há muito a fazer na nossa costa, mas todos sabemos que o
Pinhal de Leiria foi plantado pelo D. Diniz com esse mesmo intuito.
É imperativo implementar um plano nacional de defesa da costa. No
entanto a IWA não tem como foco os oceanos, mas sim os recursos
hídricos potáveis. Por isso mesmo as técnicas de dessalinização
serão um dos tópicos discutidos no congresso.
A Green
Peace tem sido uma das associações que mais tem alertado o mundo
para as questões ambientais. A defesa dos oceanos tem tido uma
forte intervenção da Green Peace. Os resultados têm sido os
desejados, ou a opinião pública e as entidades responsáveis ainda
não entenderam bem a importância dessa defesa?
Os oceanos são uma das grandes
campanhas da Greenpeace por serem vitais para a manutenção do
habitat humano. A ciência tem provado recentemente que os Oceanos
têm um papel essencial na regulação da temperatura do planeta e no
fornecimento de oxigénio. Na verdade nem o público nem os governos
entenderam ainda a urgência e o perigo da exploração que fazemos
dos oceanos. A pesca artesanal é uma das soluções apresentadas, mas
na realidade a questão é muito complexa e os metais pesados que nos
chegam através da cadeia alimentar representam riscos silenciosos
mas letais.