Entrevista

É o português com mais vitórias na Volta a Portugal em Bicicleta
As «Voltas» de Marco Chagas

marco1.jpgMarco Chagas é sinónimo de ciclismo. O agora comentador da RTP, que venceu a Volta a Portugal em bicicleta por quatro vezes, perspetiva a 80ª edição da mais importante prova velocipédica do calendário nacional.

A Volta a Portugal/Santander em bicicleta decorre entre 1 e 12 de agosto, com início em Setúbal e final em Fafe, com a novidade da prova passar pelo Alentejo e Algarve. Quais são as suas expetativas para a competição?
Penso que será, como sempre, uma boa competição velocipédica, com a particularidade de, embora fugazmente, regressar ao Algarve, com a chegada a Albufeira. No dia seguinte estaremos já a partir de Beja, mas são conhecidas as limitações da organização de em pleno mês de agosto conseguir alojar toda a caravana da prova no Algarve. Estou em crer que a corrida será interessante, com um percurso duro e seletivo. Está ainda por ver como estará o tempo, pois caso o calor venha em força, será mais difícil para os ciclistas.

Os estrangeiros, que têm dominado nos últimos anos, são os principais favoritos?
Eu creio que sim. O vencedor da Volta pode perfeitamente ser estrangeiro, mas a correr numa equipa portuguesa. Os galegos David Blanco e Gustavo Veloso já venceram a prova por cinco e duas vezes, respetivamente. O ano passado não foi um galego que ganhou, mas sim o Raúl Alarcón. O Blanco já não corre, mas o Veloso e o Alarcón têm hipóteses de repetir o feito.

Este ano Castelo Branco fica fora do itinerário da Volta. Que critérios estão base para a escolha de um percurso de uma grande prova como esta?
As limitações para desenhar um percurso como o da Volta são muitas. São apenas 10 dias de prova,  com um dia de descanso pelo meio, o que deixa poucas opções. Até creio que Castelo Branco estaria, um ano mais, interessada em acolher uma partida ou uma chegada da prova, mas não pode ser todos os anos, até porque a organização já é criticada por repetir o percurso da Volta.  Obrigatório é passar na Serra da Estrela e no alto da Senhora da Graça, o que limita sempre as opções e este ano com a ida ao Algarve ainda mais difícil fica diversificar as localidades por onde passa a prova.

Os critérios financeiros acabam por suplantar os desportivos na escolha de um percurso?
Veja, por exemplo, na Volta a França é obrigatória a passagem pelos Alpes e pelos Pirinéus, mas ainda assim as cidades ou localidades que acolhem a partida ou chegada das etapas têm que dar uma contrapartida financeira à organização. Em Portugal não é muito diferente. Há sempre um conjunto de autarquias que disputa a Volta, então em ano de eleições a cobiça ainda é maior…

No dia 4 de agosto corre-se a que se denominou como «Etapa Vida» e que passará por boa parte dos locais fustigados pelos incêndios do verão de 2017. Como é que o Marco, enquanto padrinho desta etapa, vai viver este dia que contará com a presença do Presidente da República?
Trata-se de uma iniciativa muito bonita e especial. A minha escolha para padrinho da etapa partiu do diretor da Volta, o Joaquim Gomes, que em Pedrógão Grande me lançou esse desafio e que, muito sensibilizado, aceitei de pronto. Tenho pena de não poder estar mais por dentro da etapa, mais próximo das pessoas e inclusive do próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas as minhas obrigações profissionais com a RTP levam-me a que tenha que estar a comentar as incidências da prova a partir da cabine instalada na linha de meta, em Oliveira do Hospital. Espero, pelo menos, conseguir estar na partida, na Sertã.

Venceu a Volta por quatro vezes e só recentemente o David Blanco o ultrapassou nesse registo. Consegue vislumbrar algum corredor português em atividade que o possa superar nessa marca?
Não será provável. Nos últimos anos as vitórias portuguesas foram poucas. Tivemos o Ricardo Mestre e o Rui Vinhas, que venceram, mas são situações pontuais, até porque estes dois ciclistas estão integrados na equipa W52-FC Porto e que tem outros candidatos ao triunfo muito fortes. Penso que temos de esperar por uma nova geração ou até já existente, mas que esteja na Volta. Quero lembrar que temos corredores magníficos, mas que nunca correram a prova. Estou a lembrar-me do Rui Costa e do Nélson Oliveira. Apostam numa carreira internacional, até vão muito novos para o estrangeiro, e depois dificilmente vêm correr a Portugal.

marco2.jpgDepois de ter sido campeão do mundo, de ter ganho várias etapas no Tour e de ter conquistado três voltas à Suiça, o Rui Costa passa por uma fase menos boa. Pensa que a sua carreira está em declínio?
É preciso dizer que o Rui Costa já não vai para novo. Mas creio que está longe de estar em quebra nas suas faculdades. Ele é um corredor fantástico e o que acontece é que os seus adversários já vão conhecendo as suas características. O Rui já ganhou muito, mas tenho esperança que ainda o vejamos a ganhar mais.

Comparando o tempo em que era ciclista e os tempos atuais que principais diferenças encontra? Ao nível da mentalidade, por exemplo?
Em termos de mentalidade do atleta não creio que tenha mudado o que quer que fosse. Quem vai para ciclista tem de ter uma mentalidade de entrega total e ciente que vai enfrentar uma modalidade muito exigente, física e psicologicamente. A entrega tem de ser diária e total para fazer o melhor possível na estrada. Tal como há 30 ou 40 anos, continua a ser assim. Quem não trabalha a sério, por muitas qualidades inatas que tenha, dificilmente terá sucesso.

O ciclismo ainda é um desporto mal pago para a dureza da modalidade?
De uma forma geral, sim. Os atletas desta modalidade são menos bem pagos do que mereceriam. Claro que há exceções. No estrangeiro há os que ganham milhões anualmente. Mas não são mais do que os dedos de uma mão.  Em Portugal o cenário é completamente distinto. Ainda temos ciclistas que pagam para correr. Os chamados ditos profissionais que não recebem ou o pouco que recebem não é suficiente para as despesas que têm para competir, seja em material, em deslocações, em estágios, etc.

O W52-FC Porto e o Sporting Tavira têm equipas no panorama nacional. Seria bom o Benfica juntar-se a esta luta nas estradas? O interesse dos patrocinadores podia aumentar?
O ciclismo tem vivido à margem dos clubes. A modalidade nunca se sentiu prejudicada por esse afastamento. Contudo, eu veria com bons olhos se o Benfica também se quisesse juntar ao pelotão nacional. O que por vezes acontece é que os patrocinadores preferem ter as suas equipas com o nome próprio do que estar a associar-se a clubes, na medida em que a grandeza do clube acaba por ofuscar o nome do «sponsor».

Está na memória de todos o caso da Sicasal, que teve momentos de glória nas estradas portuguesas…
Sim, eu fui diretor desportivo na Sicasal. Foi a melhor equipa portuguesa nos anos 90, com muitas vitórias em Portugal e diversas participações em provas no estrangeiro, nomeadamente em Espanha.

O doping continua a ser uma sombra a pairar sobre a modalidade?
Infelizmente, sim. Ainda existe muita gente que associa a modalidade ao doping. Eu costumo dizer que o ciclismo não é diferente das outras modalidades. Todas as modalidades tentam atingir o máximo de rendimento, dentro da legalidade, e o ciclismo não foge à regra. Mas quero dizer que, ao contrário do que as pessoas possam pensar, o ciclismo é uma das modalidades mais controladas. Foi pioneiro no controlo anti-doping, desde os anos 70 que o ciclismo é controlado. Foi preciso esperar muitos anos para que outras modalidades tivessem que passar por estes testes regulares.

marco3.jpgA confissão de Lance Armstrong, sete vezes vencedor da Volta a França, foi um balde de água fria para patrocinadores e adeptos…
Costumo dizer que o caso de Armstrong não é diferente de tantos outros. Ele viveu numa determinada época e "jogou" com o que era possível "jogar" nesse tempo. Quero recordar que Armstrong venceu o Tour por sete vezes consecutivas sem nunca ter um resultado positivo no controlo anti-doping. O que aconteceu é que posteriormente acabou por confessar que se dopava com regularidade.
É comentador residente da RTP desde 1987, nas voltas a Portugal, a França, campeonatos do mundo, Jogos Olímpicos, etc. É unanimemente considerado um dos comentadores de desporto que melhor comunica e transmite o seu saber após anos a pedalar. Qual é o segredo para esta empatia com o público?
A minha ligação com a RTP começou antes dessa data, mas de forma intermitente. Eu treinava em Alvalade e cheguei muitas vezes a dar um salto até aos estúdios da RTP, ali mesmo ao lado, no Lumiar, para comentar algumas provas. Mas foi desde 1987 que me tornei um comentador residente. A boa recetividade que os meus comentários têm junto dos telespetadores tem a ver com a minha forma de ser e a minha postura. Eu chamar-lhe-ia um dom. Nunca fiz nenhuma preparação especial para ser comentador. O que fiz, desde criança, foi devorar toda a informação sobre ciclismo através dos jornais, revistas, rádio, televisão e mais recentemente da internet. Mas naturalmente que fico contente com o reconhecimento do meu trabalho.

Nuno Dias da Silva
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