Bocas do Galinheiro
Retrospectiva de Luis Buñuel
Está a decorrer uma
retrospectiva de Luis Buñuel, "25 x Buñuel", em Lisboa e no Porto,
e que posteriormente vai ser alargada a outras cidades,
desconhecemos se Castelo Branco vai ser uma delas, mas, se não for,
é pena. Seria uma oportunidade única de rever alguns títulos que já
por cá passaram há muitos anos, e outros inéditos comercialmente em
Portugal, muitos deles do chamado período mexicano do
realizador.
A filmografia de Buñuel desde sempre foi alvo de ataque cerrado das
censuras, não só em Espanha, mas também em Itália e em Portugal,
claro. O seu cariz anti religioso, a sua denúncia de realidades
sociais incómodas, basta lembrar o documentário "As Hurdes -Terra
Sem Pão", filmado aqui tão perto, em de 1932, não assentavam bem
aos apologistas de "Deus, Pátria e Autoridade".
Nascido em Calanda, Aragão, a 22 de Fevereiro de 1900, depois de
uma educação nos Jesuitas, em Saragoça, muda-se para Madrid para
estudar Agronomia. É aí, na residência de estudantes que se cruza
com Garcia Lorca, Alberti e Salvador Dali, da chamada "geração de
27" e as suas prioridades passam pelas artes, levando-o a partir
para Paris. E é aí que se cruza com o movimento surrealista e com
figuras de destaque como Aragon, Elouard, Sadoul e Dali. A sua
adesão ao movimento e a colaboração com Dali, essencialmente na
elaboração do argumento, dão aquele que é um dos marcos do cinema
surrealista "Un Chien Andalou" (1929), a que se segue "L'Âge d'Or"
(1930). E aqui começa a tenaz guerra do realizador com a censura e
seus braços armados. O carácter anarquista, no dizer do Governo e
da Igreja, bem como a acção de grupos nacionalistas, que invadiram
a sala onde era projectado o filme, levou a que o perfeito da
polícia, proibisse o filme, proibição que se manteve até aos anos
80 do século passado!
Neste ciclo passarão alguns dos seus filmes do período mexicano,
país que o acolheu depois de ter abandonado Espanha em 1936, por
causa da guerra civil, fruto da sua opção republicana que
continuaria a apoiar no exílio, de que se destacam" Ele" e "O
Bruto", de 1953, "Susana" (1951) e "Labirinto Infernal" (1956), ou
as suas adaptações de clássicos da literatura como "O Monte dos
Vendavais" e "As Aventuras de Robinson Crusoe", ambos de 1954, e
títulos como "Uma Mulher Sem Amor", "Os Esquecidos" (1950), prémio
de melhor realizador no Festival de Cannes de 1951, mais uma vez
como pano de fundo os mais desfavorecidos da sociedade, e também
mais uma vez com críticas governamentais e retirado de exibição no
México, "Nazarin"(1959),retrato de um padre que assume viver ao
nível da comunidade pobre em que professa. Com ele voltou a ganhar
em Cannes, desta vez o Grande Prémio do Júri.
"Viridiana", que marcou o regresso de Luis Buñuel a Espanha, em
1961, O filme que passou por um processo de apreciação prévia pela
censura, o que era normal na Península Ibérica, acabou por ser
proibido pelo regime franquista e pelo vaticano, uma vez que
vilipendiava a religião oficial. Em Cannes não quiseram saber disso
e deram-lhe a Palma de Ouro, continuando todavia a ser exibido como
um filme mexicano!
Claro que os grandes filmes "europeus" das décadas de 1960 e 1970,
não podem faltar com destaque para "A Bela de Dia" (1966),
ganhadora do Leão de Ouro no Festival de Veneza (passou
recentemente na RTP, é o que ainda nos vai valendo), com uma
inesquecível Catherine Deneuve e um cínico Michel Piccoli, entre
outros, fita marcante para o cineasta e para o resto da sua
carreira, praticamente feita agora em França, onde antes já havia
dirigido Jeanne Moreau em "Diário de Uma Criada de Quarto" (1964),
adaptação da obra de Octave Mirbeau.
Os seus últimos filmes, desde logo "O Charme Discreto da Burguesia"
(1972), mais uma subversão dos códigos sociais que marcaram a
carreira de Buñuel, agora liberto das garras da censura, ganhador
do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. A América que também o havia
escorraçado, dá-lhe o prémio mais mediático do cinema. E, como
seria expectável, a sua última longa-metragem, "Este Obscuro
Objecto do Desejo" (1977), provavelmente encerrará o ciclo.
Uma merecida homenagem a um cineasta maior, com uma obra ímpar,
incompreendido e importunado pelos poderes instituídos, na máxima
civis (onde se inclui alguma imprensa da(s) época(s)),
governamentais e religiosos, mas reconhecido por muitos, cuja obra
nunca foi esquecida nos circuitos não comerciais, de que os
cineclubes foram expoente máximo.
IN MEMORIAM
Morreu Rutger Hauer o actor holandês cujo papel em "Blade Runner -
Perigo Iminente" (1982), dirigido por Ridley Scott, o do revoltado
replicante Roy Batty, o imortalizou. Mas não só. "Terror na
Autoestrada" (1986) ou "A Mulher Falcão" (1985), para além de
"Batman - O Início", de 2005, são filmes que marcaram a carreira
deste actor e ambientalista que nos deixou a 19 de Julho aos 75
anos, Curiosamente, no ano em que o filme de Ridley Scott se
situava, 2019.
Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
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