Primeira coluna
Dispositivos móveis e a educação
A pandemia de Covid-19 veio mudar aquilo
que a resiliência das escolas e a sua comunidade nunca conseguiu
alterar: olhar para as novas tecnologias, em particular para os
dispositivos móveis, como uma ferramenta útil para ensinar. Num
ápice as aulas passaram a ser ministradas a distância. Alunos e
professores reinventaram o modo de ensinar e aprender, na maioria
das vezes sem a preparação adequada (de um lado e de outro).
Essa ausência de formação
específica (no ensino superior isso não foi muito notório) está
espelhada num recente estudo, desenvolvido por um conjunto de
investigadores do ensino politécnico e universitário, onde
implicitamente se refletem as dificuldades por que todos os
docentes passaram na difícil tarefa de ensinar a distância.
De um dia para o outro, a pedido
da mesma escola que durante décadas empurrou o desenvolvimento
tecnológico e os seus instrumentos (como os dispositivos móveis)
para dentro da gaveta, professores e alunos tiveram que os
utilizar. Numa lógica de achamento, sem regras muito bem definidas,
mas com uma dedicação e empenho enorme por parte da maioria dos
professores e dos alunos. A relação computador emissor-computador
receptor em aulas síncronas não foi única. Os tablets (ainda na
perspetiva de emissor e receptor) e os telemóveis (mais na condição
de receptores) entraram no jogo. Em muitos casos foi a solução
encontrada.
Os jovens estudantes nasceram com
a tecnologia dentro de si. Não são só os nativos digitais, como
Mark Prensky os definiu, mas também toda uma geração Z, que nasceu
entre 95 e 2010, que sendo nativa digital surge com um upgrade
natural, tratando por tu os dispositivos móveis, o acesso à
internet e todo esse mundo digital. Jovens que olham para o seu
smartphone como algo que faz parte deles próprios. Em muitos casos
dominam melhor essas ferramentas que os seus professores e os seus
pais.
Esta realidade deve fazer com que
a escola olhe para esta questão como uma oportunidade. A pandemia
impôs, de forma repentina, tarefas para as quais professores e
alunos não estavam preparados (com exceção do ensino superior, em
que genericamente o ensino a distância decorreu de forma muito
positiva). A resiliência à mudança, o medo do desconhecido e de não
se dominarem essas ferramentas, impediu, durante anos, a utilização
de dispositivos móveis na escola. Aliás, dentro da escola, em
muitos casos, o uso do telemóvel esteve (e ainda está)
proibido.
Uma das questões que se coloca ao
ensino, sobretudo ao ensino superior, é a necessidade de formar
alunos para profissões que ainda não existem. São necessárias
formações sólidas, objetivas, rigorosas, mas ao mesmo tempo de
banda larga. Neste processo, a literacia digital e a utilização dos
dispositivos que lhe estão associados são fundamentais. Esta é uma
questão que as próprias academias têm discutido e que no último
Encontro Internacional de Reitores - Universia 2018, que reuniu
mais de 700 responsáveis de universidades e politécnicos de todo o
mundo, numa iniciativa do Grupo Santander, esteve em
destaque.
Há 500 anos atrás, a utilização
dos livros também não foi vista como um bom método de aprendizagem.
A prática era a memorização em vez da utilização e da consulta.
Hoje, cinco séculos depois, a discussão parece contrariar o dia a
dia de cada um.
Todos nós utilizamos as novas
tecnologias, em casa, no café, no trabalho. Mas no que respeita à
escola, teve que surgir uma pandemia a impor procedimentos para se
tirar partido dessas mesmas tecnologias. Não quero com isto dizer
que o mundo digital e o recurso a esses dispositivos vem resolver
todos os problemas e que a sua aplicação é fácil. Nada disso. São
recursos bem mais complexos do que o livro o era há 500 anos, que
exigem formação, método, estratégia e regras. São poderosos e por
isso reclamam cuidados redobrados. O último período letivo
demonstrou que a escola pode e deve conviver, no seu dia a dia, nas
salas de aula ou num ensino a distância, com eles.