opinião
Para onde vamos?
Abandonaram a casa e os
haveres a conselho do anjo que lhes falou dos perigos de ali
ficarem. Aquele que era sábio por conta doutro, que tudo sabia da
verdade e da mentira e podia dispor dos homens e das coisas, porque
em verdade estava escrito e era também esse o seu desejo,
apontou-lhes uma zona de conforto, fora dali; tão longe que não
causassem moléstia e a génese pudesse enfim ser acautelada per
omnia secula seculorum e, como já se disse, estava escrito, o que
fazia toda a diferença.
Fizeram-se ao caminho. O anjo não
mais se importou com o seu itinerário. Tinha o mandato para cumprir
e isso era tudo. O importante agora era que se afastassem o mais
possível, fizessem pela vida e, se acaso fosse pródiga a labuta,
poderiam então regressar abastados, servidos de criados e arautos
que ao mundo dessem notícia do sucesso da diáspora.
Longe demais para aqui dar fé,
outros havia com o mesmo destino, escorraçados do seu lugar de
nascimento, para cumprirem os desígnios consagrados no que estava
escrito. Mais se soube que houve os que, como cães, haveriam de
regressar e lamber os pés ao dono. Mas eram cães, não mais que
isso. Não há história por esse lado da zoologia.
Na Terra, que o céu era testemunha,
os tempos eram de abundância e rapina para os poderosos e de
penúria para os povos. Por isso, onde fossem encontrar duas paredes
erguidas seria a sua casa e assim lhe chamariam para que outros
atrás não viessem reclamar a posse miserável do lugar.
Passaram anos e dias de profecias e
outras vozes efémeras. O tempo de ouro, incenso e mirra foi naquela
quadra, dizem que por efabulação e critérios de aliciamento, a que
os tempos modernos haveriam de chamar ordenado mínimo ou outro
qualquer eufemismo.
Em todas as efemérides haveriam os
povos de ter tal notícia como um massacre, como um número premiado
em sorteio que sai apenas aos outros, nunca se conhecendo o sujeito
de tal sorte ou perverso milagre.
Naquele tempo, tudo seria cumprido
conforme as leis da trindade que as impunha, sem apelo nem sombra
de dúvida, mesmo que esta existisse, porque era assim que deveria
ser, qual mandamento sagrado e, como repetidamente se vem
anunciando, estava escrito.
Foi por isso na dependência de
outros exploradores e de outras línguas da mesma exploração, que do
estábulo frio e estrangeiro foram integrar a força de trabalho que,
como a tantos outros, de conforto não foi jamais e do futuro
prometido só a memória dos jejuns, a crença em que melhores dias
estariam para chegar e a morte prematura.
Estava escrito, repito, mas mais
depressa se rasga um texto ignaro, que uma palavra sã adoce tanta
desventura.