Entrevista

Jorge Fernando em entrevista
“Chamam-lhe um Fado”

JF2 cópia.jpgJorge Fernando tem uma carreira de quase quatro décadas dedicadas à música, especialmente ao fado. Acompanhou Amália, à viola, hoje, compõe canções que Mariza e Ana Moura interpretam. A 27 de Novembro de 2012, um ano depois de o fado ter sido considerado Património Imaterial da Humanidade, a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu-lhe a medalha de mérito pelos serviços prestados ao Fado. "Chamam-lhe Fado" é o seu mais recente trabalho em disco.

Neste trabalho surge um interessante naipe de músicos, da nova geração da música portuguesa. Algum tempo atrás, seriam "convidados improváveis" de um disco seu. Como é que surgiu a oportunidade de trabalhar com estes músicos?

Ouvir determinadas bandas modernas, de uma geração fantástica que está em Portugal, cria entusiasmo. Tal como no último disco, quando me cruzei com o Sam Kid, Expensive Soul, New Soul Family, que são rapazes de um talento enorme. O fado fica beneficiado, quando trago para o seu seio gente com esta capacidade de fazer coisas bonitas. E a música tem o factor importantíssimo de, para além de nos unir musicalmente, ficarmos profundamente amigos. É assim que tem acontecido, sempre. Daí, contar com a participação deles nos Coliseus que vou fazendo.

Para um compositor tão credenciado, com quase quatro décadas de carreira, é especial trabalhar com as novas gerações?

Sim. Já ouvi entrevistas de músicos, com quem trabalhei, que dizem ter aprendido comigo. Mas, na verdade, sou eu quem aprende. As novas gerações estão sempre à frente das mais antigas. Normalmente, há um conflito geracional, porque os mais antigos acham que são melhores que os mais novos. Essa não é a minha opinião. Os mais novos estão sempre à frente, já colheram o que está feito e evoluem a partir daí. Em boa verdade, sou eu que tenho aprendido com eles.

A edição deste disco é muito recente. Em termos de feed-back, por parte da crítica musical, está satisfeito com os comentários recebidos?

Estou bastante satisfeito. Penso que há muita gente atenta ao que faço e a percebê-lo, pois é preciso perceber as coisas para se falar delas. Mas, é muito recente este trabalho e ainda estou à espera que o "bloco pesado" das críticas aí venha. Sou muito atento às críticas, principalmente por parte de quem as sabe fazer, e sabe o que está a dizer. Contudo, o que me move, acima de tudo, é a minha paixão pela música, mesmo enfrentado a crítica. A minha carreira tem sido sempre à beira-risco, a inovar e a fazer coisas que para algumas pessoas seriam impensáveis, no fado. Mas, acredito que vale a pena fazê-las.

Vários temas da música portuguesa, - vou dar o exemplo da "Chuva", conhecido na voz da Mariza, - são da sua autoria. Mas, muitas pessoas desconhecem esse aspecto…

É uma questão cultural, em Portugal, liga-se pouco a quem faz estas coisas. Por exemplo aos arranjos, à produção, que são coisas importantíssimas na exponenciação do fado. O fado, que se tornou património mundial, deve-se muito a toda esta nova corrente. Mas, em Portugal não temos a curiosidade de saber quem fez os poemas, a música. No entanto, o importante é que a música passe, se torne um aconchego para as pessoas, independentemente de quem a faz. Claro, seria muito melhor se soubessem quem a faz.

O fado ser património imaterial da Humanidade é uma merecida prenda?

Sim. O fado é uma música que tem resistido com o esforço de muitos fadistas, que têm vivido na pobreza, que o têm carregado aos ombros, até ele chegar ao que é hoje. Por outro lado, também me parece uma bofetada de "luva branca" a uma classe mediática, pseudo-intelectual, sobretudo urbana, que sempre achou que o fado era algo menor. Agora, está provado que não.

Uma das grandes referências do fado será sempre a voz de Amália. Escreveu letras para ela, tocou ao lado dela e guarda com certeza óptimas recordações da Amália…

Sim, guardo. O mais profundo que guardo dela é perceber que se não tivesse passado os anos que passei ao lado dela, a tocar, hoje, não seria a mesma pessoa. Os ensinamentos que colhi foram por demais preciosos, não só no campo musical, como social. Tornaram-me um homem diferente.

O fado tem evoluído ao longo dos anos. Alguns artistas tentaram fazer a fusão do fado com outros estilos musicais, por exemplo o colectivo Amália Hoje. Na sua opinião isso é benéfico para o fado?

É muito benéfico. Gosto muito do projecto Amália Hoje. É um trabalho que, para além de estar muito bem feito, tira aquele ar redutor do fado, transforma-o numa coisa mais abrangente. Em 1996, lanço o primeiro disco de fado com bateria, percussão e piano, com os elementos da Brigada Victor Jara e dá-me um prazer enorme ver que, passados 16 anos, ainda se faz o que tenho feito neste tempo todo. Foi bom tê-lo feito, mesmo enfrentando as críticas às quais fui sujeito.

Consegue imaginar como será a o fado daqui a uma década?

Não sei. Como tudo isto é cíclico, daqui a cinquenta anos, talvez o fado volte à sua forma original. O regresso ao princípio do fado, mas numa espiral superior, com a modernidade da época.

Tendo em conta as novas gerações, os novos talentos vocais e na componente da escrita, o futuro do fado está bem assegurado?

O futuro do fado sempre esteve assegurado e a prova é que ele existe. Hoje, diz-se que as novas gerações estão no fado. Mas, se as novas gerações não estivessem estado há 20, 30 anos atrás, ele não existia. O que há é o aparecimento de grandes talentos e o lado mediático mais atento ao que se faz no fado.

Numa entrevista que deu à televisão, há já alguns anos atrás, dizia que por norma compunha as suas músicas à noite, a melhor altura para trabalhar. Isso continua?

Sim. De noite o astral está baixo, há menos ondas de pensamento no ar e aí consigo absorver melhor o que está pronto a ser-me dado, para por cá fora. Um pouco estranha a minha resposta, mas é isso que sinto.

Durante a década de oitenta, participou algumas vezes no Festival da Canção. Portugal nunca conseguiu vencer o Festival da Eurovisão. Tem sido falta de sorte na recta final?

Não. O que fala mais alto é a componente comercial. Somos um país de dez milhões de habitantes com pouco poder de compra, que se manifesta na venda dos discos. Vencer o Festival da Canção também é um negócio. Países com 50 ou 60 sessenta milhões dão um ar comercial muito mais abrangente. Países pequenos ganharam o festival, quando cantavam em inglês. No caso dos ABBA, por exemplo, são suecos mas ganharam o Festival a cantar o Waterloo, em inglês. Um tema cantado em inglês tem um mercado enorme na Europa e fora da Europa.

Apesar do momento de crise que o país vive nesta altura, a música portuguesa atravessa um bom momento, em relação a novas vozes?

A música portuguesa atravessa um grande momento, não só no fado, mas no aparecimento de músicos jovens de um talento enorme, descomplexados, sem medo de fazer as coisas. O que não atravessa um bom momento é o estado das coisas em Portugal. O povo português entre um quilo de bifes e um CD, com certeza vai comprar um quilo de bifes. Isso torna muito mais difícil o trabalho dos músicos em Portugal. Estou bastante apreensivo. Pessoas que trabalharam uma vida inteira, hoje vêem-se num estado miserável e os jovens que querem iniciar uma vida, não têm como.

Sopram maus ventos na Europa?

Continuo a achar que está tudo errado. Esta política de austeridade só traz mais austeridade. Mesmo o governo que falhou, como falhou, e nos submeteu a este estado, não entende que este não é o caminho. A austeridade faz com que o dinheiro não gire e não se recupere economicamente um país. Na Europa, chegaram aos postos de governo os tecnocratas que não vêem mais o que a ponta da caneta, ou do próprio nariz. O que fazem é pôr em prática o que está nos livros e muitas vezes as soluções económicas dos povos não passam por aquilo que está escrito. O papel aceita tudo aquilo que lá quiseres pôr. Não acredito que esses tecnocratas estejam a resolver o problema da Europa.

 

Hugo Rafael
Texto: Eugénia Sousa
eugenia@rvj.pt
João Vasco
 
 
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