Helena Sacadura Cabral
Partidarite é uma doença complicada
Sempre rejeitou incursões na política,
mas durante toda a sua vida viveu rodeada por familiares que nela
se aventuraram. Em discurso direto, Helena Sacadura Cabral admite
não ter pachorra para a política e afirma que a partidarite é uma
doença complicada. De permeio fala do seu último livro e da
irreparável perda do seu filho, Miguel.
No seu
último livro, «Os nove magníficos» (Edição Esfera dos Livros) conta
o lado masculino do poder exercido, após já ter escrito «As nove
magníficas», em que se debruçou sobre como o lado feminino
influencia o exercício do poder. Qual foi o critério usado para
escolher estas nove personalidades?
Foi uma escolha muito pessoal e
subjetiva. O meu critério de magnificência não será o mesmo de
outras pessoas, mas fiquei satisfeita quando o Dr. Bagão Félix, que
apresentou o meu livro, me confidenciou que se fosse ele a
escolher, os nomes não seriam muito diferentes. Uns foram
escolhidos pela forma esplendida como exerceram o seu cargo,
enquanto outros foram forçados a aceitar um cargo para o qual não
contavam. Creio que uma das boas maneiras de se ensinar história é
falar das «estórias» da história e, no meu caso, que sou
economista, fiz uma história divulgativa. Trata-se de uma
ferramenta extraordinária de enquadramento para os movimentos
económicos que nascem dos comportamentos da sociedade e das formas
de pensar.
Há algum
traço em comum aos nove reis que analisou?
Imensos. Sabe, depois de me ter
debruçado, primeiro sobre as mulheres e depois sobre os homens,
fiquei a perceber o que é que se diz do ADN português. Nestes
séculos de história temos características surpreendentemente
comuns: somos donos de uma grandeza e simultaneamente de um grande
orgulho, mas com uma auto-estima mínima. Parece que há ciclos na
história de Portugal em que passamos do grande ao pequeno, sem se
saber bem como. Não é por acaso que o português é profundamente
marcado por uma canção como o fado. Isto de ser português não é
fácil. Mas eu tenho uma teoria: Talvez por nos querermos sentir
mais europeus do que portugueses é que às vezes nos esquecemos dos
nossos heróis.
Todas os
que retratou foram, à sua maneira, bons governantes?
Nem todos. Isso varia de época para
época. Uns foram mais combativos, outros menos. Uns pensaram
Portugal virado para o mundo, como o foi o caso da saga dos
"Descobrimentos", enquanto outros pensaram o país territorialmente,
outros definiram Portugal como pensamento e como história, etc.
Veja o caso particular de D. José, que se escudava na personagem
marcante do Marquês de Pombal, que executava a vontade do rei. No
meu caso particular confesso que me apaixonei por um monarca: D.
Dinis. Nós pensamos sempre neste monarca pelo prisma de «povoador»
e das lendas da D. Isabel, do pão e das rosas, mas acabei por
«descobrir» nele um rei que impôs o português como língua (fosse em
tratados, contratos, etc, onde se usava o latim), que mandou
compilar legislação que estava dispersa e definiu
administrativamente o país. Pensar com esta amplitude naquela época
era de todo improvável e surpreendente. Fundou, através de diploma
régio a Universidade de Coimbra e desenvolveu o ramo do Direito,
para que pudéssemos contar com os nossos próprios
especialistas.
Os
portugueses conhecem de modo suficiente a sua história e os seus
heróis?
Conhecem mal, facto que é comprovado
pela crise que vivemos. O momento que atravessamos não é nada de
novo na história de Portugal. Já passámos por diversas crises de
dívida pública. Para além disso, perdeu-se o orgulho pelos nossos
heróis, e foram bastantes. Estou muito à vontade, porque sou
sobrinha de um herói nacional, o aviador Sacadura Cabral, do qual
já quase não se fala. Se perguntar na televisão a qualquer criatura
saída da universidade quem é este homem, são capaz de lhe dizer que
foi um Presidente da República ou um ministro.
Sente
alguma mágoa pessoal por esse facto?
Claro. Veja que até o feriado do
1.º de dezembro foi nesta onda de crescente esquecimento. Constato
que a nossa vizinha Espanha tem um orgulho nos seus e uma raça que
eu gostava que nos contagiasse - Eu que até acho que a Ibéria podia
ser um projeto a equacionar. O que acontece na Europa é que são os
maiores a comerem os mais pequenos. Há muita memória curta no velho
continente. A Alemanha não seria o que é hoje se não tivesse sido
ajudada por alguns países.
Pensa que
os egoísmos nacionais estão a inviabilizar a construção
europeia?
Sempre fui eurocética. Sempre
duvidei que fosse possível fazer uma Europa com os grandes e os
pequenos, com uma moeda única e mais nenhuma identidade em comum.
Acredito que só será possível conciliar interesses se avançarmos
num projeto federal. Os fenómenos separatistas em Espanha, na
Bélgica e na Escócia devem ser encarados com grande
preocupação.
A Europa
nasceu torta e dificilmente se endireita?
É preciso lembrar que o projeto
europeu nasce, não para criarmos uma Europa do futuro, mas para que
no futuro não se repetissem as guerras do passado. Torna-se, por
isso, impossível construir um futuro assim. No mundo globalizado em
que vivemos o efeito dominó pode mudar tudo, de um momento para o
outro. Podemos ser vítima de tsunamis financeiros ou económicos ou
sofrer o efeito dominó de escândalos como foi o que aconteceu com
Madoff, nos Estados Unidos. Perante este mundo de tremenda
contingência, era muito bom que tivéssemos um tecido nacional à
prova de bala. A começar pelo sentimento de gostar de ser
português. Eu intitulo-me como uma mulher do século XXI que ama
apaixonadamente o país onde nasceu. Posso discordar das decisões de
algumas pessoas que nos comandam, mas que remédio eu tenho, se lhes
deram o poder de forma legítima e democrática? Com ditaduras é que
não vamos lá…
«nem-nem»
que emerge. A geração que não estuda, nem trabalha e que regressa à
casa dos pais veio para ficar?
Infelizmente, temo que sim. As
dificuldades são muitas e transversais. Há uma geração que é a
minha, e até um pouco mais nova, para quem a reforma não chega para
o casal e para os filhos que já deviam ser independentes e ter casa
própria. E também há os que se divorciam e não têm remédio senão
regressar a casa dos pais.
A incerteza
das prestações sociais, nomeadamente com as reformas, aumenta o
cenário de um futuro negro?
Eu tenho uma reforma do Banco de
Portugal, mas estou consciente de que há uma geração que não vai
ter reforma. Quem não se acautelar estará completamente
desprotegido. E mesmo que subscrevam PPR podem não estar a salvo
devido à volatilidade do nosso sistema de segurança social e à
alteração da taxa de rentabilidade desses planos poupança. Hoje em
dia, no nosso país, não temos a certeza de nada. Repare no meu caso
particular, numas contas grosseiras que fiz, cheguei à conclusão
que quase não vale a pena trabalhar no próximo ano. Se eu produzir,
nomeadamente editar um livro ou fazer um programa de televisão,
arrisco a que 3/4 vão direitinhos para o Estado e o restante para
mim.
Que
alterações provocou a crise nos seus hábitos quotidianos?
Não me queixo, porque ainda tenho
trabalho, mas posso revelar que reduzi em muito o meu nível de
vida, para além de fazer economias sérias. Tenho uma empregada
doméstica apenas em caso de necessidade, quem cozinha, faz os
aproveitamentos e vai às compras sou eu. Sou eu que passo a roupa,
a máquina de louça acabou. Eu passei pela guerra, por isso nada
disto me causa choque.
Como
economista de formação que é, o que correu mal para chegarmos a um
estado de pré-bancarrota?
O descontrolo começou há muito tempo.
Tudo começou com os fundos comunitários. A partir daqui começámos a
fazer estradas e estádios que nem uns doidos, e convencemo-nos de
que éramos ricos. Foram tomadas decisões gravíssimas. Houve fundos
que entraram em Portugal para se abandonar a agricultura, quando
agora se fala no regresso à terra. Abateu-se a frota pesqueira e
hoje defende-se o regresso ao mar. Nós temos uma Zona Económica
Exclusiva imensa, que pode conferir ao nosso país uma outra
dimensão. É claro que se tivéssemos petróleo debaixo do Mosteiro da
Batalha, não era nada mau…
Foi
bastante crítica deste governo quando foi anunciada, em setembro a
TSU, depois retirada. Então, afirmou: «Governar é atenuar
dificuldades, abrir oportunidades e evitar injustiças». Este
governo está a cumprir algumas dessas premissas?
Quem não for capaz de cumprir, é
melhor que não esteja lá. Se for necessário criticar o governo,
critico, tenho muita pena de o meu filho o integrar, mas paciência.
Angustia-me imenso esta política dos partidos, sejam de direita ou
esquerda. Nunca sei onde é que começa o interesse partidário e
começa o interesse do país, isto para não falar do interesse
pessoal.
A receita
da austeridade tem margem para continuar?
O que temos constatado é que por
aqui não vamos no caminho certo, também acho que não, e há um (o
ministro) que diz que é por aqui e temos todos de ir atrás. Temos
de acreditar e pagar. E estamos todos no mesmo barco. E não
dependemos de nós. É bom que tenhamos consciência, que se a França
não se aguentar, isto vai ser um «petisco».
Diz que os
«intocáveis» são o outro lado dos partidos políticos. As forças
partidárias são a causa do mal de que enferma a democracia?
A partidarite é uma doença
complicada. Os partidos políticos aguentam-se através de bases de
apoio, que, por sua vez, têm de ser alimentadas com retribuições
para compensar a chegada ao poder. E nós não saímos deste ciclo
vicioso! Deixo um caso para reflexão. Na banca, nos governos PS e
PSD, os seus apaniguados vão-se transferindo entre bancos ao sabor
dos ciclos políticos. Nos últimos 20 anos verá que não há grandes
diferenças. Por isso é que o mais importante não é ser ministro,
mas sim ter sido. Defendo a existência de uma lei que proibisse que
quem ocupou determinados lugares públicos transitasse para
entidades privadas relacionadas com o setor em que desempenhou esse
cargo público.
Acredita
que algo pode mudar verdadeiramente num futuro próximo?
Acho que esse dia vai chegar, mas vai
demorar tempo. Aliás, porque eu acho que o preço da democracia é
este. Não há democracias sem grandes interesses. Não nos podemos
iludir: A base de apoio deste sistema tem que ter contrapartidas. É
uma utopia pensar o contrário. Churchill dizia, e bem, que «a
democracia é a pior forma de governo, com a exceção de todas as
outras». Tem-se liberdade, correto, mas a liberdade não dá de
comer.
Como
estaríamos liderados por uma monarquia?
Eu não sou monárquica, mas as
monarquias constitucionais não me inquietam nada. Isto se não forem
mais dispendiosas do que a República. Haver um Presidente ou um Rei
é indiferente, porque são meras figuras decorativas, desde que haja
uma Constituição que garanta os direitos essenciais dos indivíduos
e líderes do governo escolhidos de acordo com os votos populares.
Por exemplo, não me importava nada que o Dr. Mário Soares tivesse
sido rei, como o D. Juan Carlos de Espanha, e creio que ao próprio
também não devia afligir muito…
Penso que os nossos Presidentes da
República também não exercem todos os poderes que têm. O Dr. Jorge
Sampaio, se fosse atualmente Presidente da República, estou em crer
que desfazia o Parlamento neste momento, como o fez durante o
executivo do Dr. Santana Lopes. Estranho que nenhum jornalista lhe
tenha feito essa pergunta recentemente…
O destino dos países depende de
muitos fatores. Há pessoas que estão certas no lugar errado e
outras que estão erradas no tempo certo.
Refere-se a
alguns dos ex-presidentes?
Nem todos. O general Ramalho Eanes
tem tido uma postura impecável. De recato, honestidade e que não
vem para a praça pública dar bitaites. Há cargos que uma vez
exercidos obrigam a uma enorme contenção. O problema é que temos
demasiados presidentes de bancada, ministros de bancada e ministros
sombra. Somos um povo de «achadistas», todos acham qualquer coisa.
Não tenho a mínima pachorra para a política.
A carga
fiscal progride a níveis nunca vistos por cá. A fraude e a evasão
são o caminho que muitos vão preferir?
O peso dos impostos atingiu o nível
do insuportável. O problema é que a carga fiscal gera uma cadeia de
acontecimentos: Senão veja: aumenta o IVA, as pessoas compram
menos, ao comprarem menos há menos receita de IVA. E há outro
perigo: O nível de esbulho fiscal é tão grande que as pessoas vão
refugiar-se nas profissões da economia paralela. Se eu der
explicações, ninguém sabe quanto é que eu ganho. Se eu escrever um
livro, e como declaro tudo às Finanças, a maior parte do que me
pagam vai para o Estado. Estou convencida que a economia não
declarada já anda nos 30 por cento. Por outro lado, estou convicta
que esta economia funciona como uma válvula de segurança para
atenuar os 16 por cento de desemprego, na medida em que alguns
desses oficialmente desempregados estarão nessa espécie de
subemprego. Está-se a criar um «monstrozinho» paralelo que um dia,
quando se despertar para o problema, já não será possível
controlar.
Como é que
se resolve isto?
Só o Dr. Vítor Gaspar é que
sabe…
Nuno Dias da Silva
Nuno Dias da Silva