Ana Gomes, eurodeputada
«Governo trabalha para enriquecer a finança»
Deputada ao Parlamento Europeu há uma década, Ana
Gomes conhece como poucos os principais dossiês da política
europeia e mundial. Critica dos poderes instalados e da «captura»
da política pelo sistema financeiro, a eurodeputada, em entrevista
ao "Ensino Magazine" tira a radiografia atual do Globo, sem deixar
de fora o retângulo português.
Como
é a semana normal de um eurodeputado?
É habitualmente muito
carregada. A minha ainda é mais porque trabalho na comissão de
relações externas do Parlamento Europeu, que obriga a várias
missões internacionais, que acabam, muitas delas, por calhar ao fim
de semana. Trata-se de uma comissão muito trabalhosa (para além
disso, eu coordeno a política externa dos eurodeputados do grupo
parlamentar socialista) porque envolve temas muito complexos e
sensíveis, em que se cruzam as matérias políticas e económicas.
Isto para além do trabalho realizado, durante a semana, nas
comissões e em plenário, sem contar com reuniões que me são
solicitadas por diplomatas, organizações não governamentais,
etc.
Como
é feita a «ponte» entre Bruxelas e Estrasburgo?
Normalmente passamos três
semanas em Bruxelas, em trabalhos de comissões e apenas uma semana
em Estrasburgo. É muito menos cómodo quando estamos em Estrasburgo,
porque ficamos em hotéis e não temos o nosso dispositivo habitual,
para além de não existir voo direto para esta cidade. Eu sou um dos
eurodeputados que defende o fim desta dualidade
Bruxelas-Estrasburgo. Contudo, para isso acontecer, os países têm
de se entender, visto que é uma determinação do tratado europeu
original. Quero que fique claro que não me estou a queixar. Estou
apenas a tentar contrariar a ideia que se tem em Portugal, que um
deputado europeu, mesmo um daqueles que não se maça muito, tem uma
vida tramada. Imagine então o que não é para os que trabalham, como
é o meu caso. Sai-nos do pelo e sobra pouco tempo para a família,
mas eu gosto muito do que faço.
A
própria marcação desta entrevista foi particularmente atribulada,
muito por culpa dos meses de outubro e novembro, particularmente
intensos em termos de viagens…
É um facto. Realizei visitas
a locais chave para a segurança de certos territórios em África e
no Médio Oriente e, consequentemente, para a segurança global.
Estive na Líbia, no princípio de outubro, depois no Irão, numa
missão pioneira, porque há seis anos que não havia qualquer
delegação parlamentar naquele país, devido às sanções.
No último fim de semana
estive na Arábia Saudita porque fui encarregue de redigir um
relatório sobre aquele país no plano dos direitos humanos e
na vertente geoestratégica na região.
Nestas últimas semanas também esteve em Washington onde
abordou os casos Snowden e da espionagem dos serviços secretos
americanos. No mundo moderno, como se conciliam dois valores
aparentemente antagónicos: a segurança e a privacidade dos
indivíduos?
Eu integrei esta missão do
Parlamento Europeu à capital norte-americana para abordar essas
matérias que referiu e, especialmente, para procurar evitar que o
acordo de comércio e investimento entre a Europa e os Estados
Unidos seja contaminado por este mal estar. Relativamente aos casos
Snowden e da espionagem dos líderes políticos, estes mostram a
dimensão da perversão das funções do Estado por parte de setores da
administração americana e das próprias administrações
europeias.
Que
soluções advoga?
A solução passa por encontrar
um ponto de equilíbrio, nomeadamente definir regras e monitorizar o
cumprimento da proteção de dados. O que acontece é que nos Estados
Unidos essas regras são inexistentes. Uma empresa que trabalhe para
um serviço secreto pode coligir dados de cidadãos e vendê-los
posteriormente a uma empresa que tem um negócio de…
camisas. No fundo, rentabilizar esses dados. Lá verifica-se um
roubo massivo de dados, por exemplo, da identidade de pensionistas
ou outros.
As escutas à chanceler Merkel criaram um
clima de turbulência entre Washington e Berlim. Que garantias
recebeu dos representantes da administração Obama, dos senadores e
congressistas americanos com quem se reuniu?
Tivemos respostas muito
diversas, mas não fiquei tranquila. Uns disseram-nos que o
Presidente Obama não sabia e ia investigar, outros alinharam
por outra linha de rumo, que é dizer algo do género: «nós fazemos o
que todos fazem, e se calhar até vos safamos de ataques
terroristas».
Se o
presidente não sabia é, no mínimo, preocupante…
Sem dúvida. Importa perguntar
que se Obama desconhecia, então será que a NSA (National Security
Agency) espia o Presidente americano? Isso mostra que os serviços
secretos americanos e da Europa estão fora do escrutínio
democrático, com os parlamentos nacionais a não exercerem o
controlo devido e necessário, como se viu nos chamados voos da CIA.
Mas este caso demonstrou, sobremaneira, que não há confiança entre
países aliados, que teoricamente deviam relacionar-se na base da
confiança mútua. Mas quero dizer-lhe outra coisa: qualquer
eurodeputado deve partir do pressuposto que está a ser espiado. Eu
pelo menos parto. Eu estive como embaixadora em Jakarta, na
Indonésia, e sei como as coisas se passavam. A partir daí alterei a
minha postura. Por vezes, até acabava por mimosear os meus ouvintes
com alguns epítetos menos simpáticos...
Numa
altura em que se fala tanto em «protetorado» e «soberania
hipotecada», as decisões tomadas em Bruxelas podem valer mais do
que as decisões dos parlamentos nacionais?
Hoje, cerca de 70 a 80 por
cento da legislação nacional é trabalhada, negociada e aprovada no
Parlamento Europeu. A Assembleia da República só transcreve. Isto
para dizer que o Parlamento Europeu tem, atualmente, uma
importância que não tinha. Para se ter uma ideia, a legislação no
âmbito da regulação económica e financeira, para além da criação da
união bancária e da supervisão bancária, é uma matéria que está a
cargo da minha colega eurodeputada, Elisa Ferreira. Este trabalho
tem as maiores repercussões para as empresas, a banca e para o
próprio governo português. No fundo, acaba por mexer com todos os
cidadãos.
Isto sem negar que o esforço
de articulação entre o Parlamento Europeu e os parlamentos
nacionais é muito importante, até devido ao princípio da
subsidiariedade. Deixe-me só recuar até à origem da sua pergunta.
Eu discordo da expressão «o país sob protetorado», dita
originalmente por Paulo Portas e que se explica por uma marca
ideológica - que não é a minha.
Entende que Portugal não perdeu soberania?
A soberania do países é
partilhada. Nos dias de hoje, da globalização e da
interdependência, não há nenhum país, por maior dimensão que tenha,
que possa levar a água ao seu moinho, sozinho. Nem mesmo falando
dos Estados Unidos ou da Alemanha. Sobretudo, face ao tipo de
ameaças, desafios e perigos com que estamos confrontados. Dito
isto, acho que essa referência ao «protetorado» é um estratagema
que o vice-primeiro-ministro arranjou para tentar alijar
responsabilidades do governo português e dizer que a culpa é da
troika. Boa parte das maldades da crise, devem-se ao governo,
porque tinha a responsabilidade e o dever de as recusar, em vez de
as aceitar de cruz e, por vezes, ir mesmo «além da troika».
Portugal não perdeu a capacidade de discernir o que mais lhe convém
como nação. O que vejo é um governo que não se bate pela defesa dos
interesses portugueses na Europa e que cultiva uma agenda
ideológica ultra liberal que, no fundo, é a destruição da marca
europeia e que se consubstancia no modelo social europeu. Em suma,
a educação pública, a escola pública, a saúde pública, a segurança
social, etc.
Quer com isso
dizer que a receita da troika falhou, com o beneplácito do
governo?
Completamente. Estou bem
lembrada que o Primeiro Ministro disse que não podíamos ser piegas.
No final do primeiro ano de programa de ajustamento constatou-se
que a receita era um desastre. Ao fim de 2 anos foi a vez do
ministro Gaspar se demitir. Pelos vistos, ninguém tirou
consequências e persiste-se na mesma linha. Acontece que a marca
anti-europeia deste governo não é só no plano político. A Europa é
a igualdade, a justiça social, a prosperidade partilhada por todos,
a retribuição do rendimento, etc. Admito os ajustamentos e as
reformas associadas, mas não se esperava uma destruição do Estado
e, em consequência, da confiança dos portugueses.
Muito
se especula sobre se o nosso futuro está mais próximo de um segundo
resgate ou de um programa cautelar. Na sua opinião, estamos mais
perto da Irlanda ou da Grécia?
Sempre achei que estávamos
mais perto dos gregos. Mas há uma questão fundamental. Portugal
sempre quis estar no coração da Europa com a capacidade de fazer
alianças com outros países com dificuldades semelhantes. Este
governo, nesta conjuntura, abdicou de fazer este trabalho de casa e
gritou aos sete ventos que «não somos a Grécia», quando nós
estávamos no mesmo caminho, porque a receita era igualmente
desastrosa.
Estamos mais distantes da Irlanda pelo facto de a crise deste
país ser mais bancária do que de dívida soberana?
Mas a nossa crise também é
bancária, apesar de se negar. Os testes de stress que se fizeram
aos bancos foram uma fantochada e o que se vê é que os bancos vivem
com imensas dificuldades e não injetam crédito na economia, sendo
necessário os Estados canalizarem dinheiro para os salvar. Apesar
disso, alguns setores da banca e tudo o que gira à sua volta
continuam a fazer lucros fabulosos e quem se lixa são os cidadãos.
A lógica deste programa de ajustamento visa salvar a finança que é
a responsável pelo descontrolo que levou à crise e não para salvar
a economia.
Faltou capacidade reivindicativa ao governo
português?
Portugal devia ter estreitado
o relacionamento e pontos de vista com a Grécia, a Espanha, a
Irlanda e a Itália, todos países com dificuldades mais ou menos
semelhantes, de modo a contrariar a narrativa punitiva da Alemanha
e dos outros países do norte que têm uma visão preconceituosa para
com os estados do sul. Faltou fazer um trabalho de federação entre
os países do sul, com vista a defender as vítimas do programa
punitivo. As soluções mais gravosas para as populações teriam de
ser rejeitadas liminarmente. Ultimamente, os governantes enchem a
boca com «crescimento» e «emprego jovem», mas é tudo treta. Não
fizeram nada.
Qual
o papel da comissão liderada por Durão Barroso neste
«filme»?
Lamento que a própria
Comissão Europeia, que devia ser a guardiã dos valores europeus e
dos tratados, tenha um presidente fraco, como é Durão Barroso, com
a rédea curta da senhora Merkel, sendo conivente com a imposição de
políticas desastrosas.
Admite um confronto presidencial entre Barroso e
Guterres?
Não está fora de hipótese.
Barroso pode andar a viajar pelo mundo a ganhar milhões a fazer
conferências, como faz Tony Blair, porque politicamente na Europa
não tem grandes perspetivas. Ele não tem prestígio político no
estrangeiro, como se diz por aí. A senhora Merkel não quer que ele
faça um terceiro mandato na Comissão, está fora da corrida para
secretário-geral da NATO e também está afastado da liderança da
ONU, porque se há um candidato favorito para substituir Ban Ki-Moon
é outro português, António Guterres. Internamente, não creio que os
portugueses apoiem Barroso para Belém porque responsabilizam-no
pelas medidas gravosas adotadas pela troika. Quanto a Guterres, na
minha passagem recente por Nova Iorque, confidenciaram-me que se o
lugar de secretário geral da ONU for para a Europa ele é dos que
está melhor posicionado.
Falou
em «visão preconceituosa» dos estados do norte. Sente esse
preconceito nos corredores do Parlamento Europeu?
Sente-se diariamente. As
pessoas não veem isso, mas eu e os meus colegas portugueses andamos
à "espadeirada" com os eurodeputados de outros países, inclusive
pertencentes à nossa família política que estão contaminados por
essa narrativa errada que entende que os países do sul são
perdulários, corruptos. etc. Veja que no caso dos submarinos a
corrupção não é só do lado português, também há alemães envolvidos.
A única diferença é que lá o tribunal já condenou os responsáveis.
Por cá, continua-se a marcar passo, porque isto toca a Paulo Portas
e Durão Barroso, que eram os principais responsáveis políticos à
altura dos factos. Outro caso é que ninguém conta aos alemães que
eles estão a emprestar-nos dinheiro, mas nós pagamos juros
exorbitantes. Eles pensam que é a fundo perdido.
Como
é que se contraria essa desinformação?
Este combate tem de ser feito
no Parlamento Europeu e tentamos, dentro das nossas possibilidades,
fazê-lo. Mas há mais coisas que os alemães não sabem. Eles
desconhecem que, sob a bênção da troika, nos orçamentos do Estado
2012 e 2014 há amnistias fiscais. Não lhes passa pela cabeça que
isso seja possível. No esquema de regularização especial de 2012 o
Estado arrecadou 258 milhões, mas deixou lá fora milhares de
milhões. Só na Suiça, na investigação "Monte Branco", estavam
identificados 4 mil milhões. Como é que isto é possível? Mas há
mais. Quem tiver evadido capitais de Portugal, sem pagar ao
fisco, conseguiu manter os capitais no exterior, legalizando, sem
ter de repatriar, pagando simplesmente uma taxa ridícula de 7,5 por
cento - eu, como eurodeputada, pago 54 por cento de impostos.
O senhor Ricardo Salgado, que se "esqueceu" de declarar 8,500
milhões legalizou a sua situação, pagando 7,5 por cento. Os meus
colegas europeus que ouvem este relato ficam de cabelos em pé e
ainda mais estupefactos ficam quando eu digo que isto aconteceu sob
a égide da troika.
Um
eventual governo socialista faria, globalmente,
diferente?
A direita e a esquerda,
refiro-me em concreto à que não viabiliza soluções de governo à
esquerda para poderem contar com esta agenda, argumentam que o PS
faria o mesmo. Discordo. E explico porquê: estou certa que se o PS
fosse governo e tivesse que impor medidas de austeridade, as
aplicaria com justiça e protegendo os setores sociais, no fundo, as
bandeiras do partido. Quero recordar que foi aí que o governo
Sócrates fez coisas fantásticas, combatendo o abandono escolar,
promovendo o investimento em ciência - que foi sempre apanágio dos
diversos governos PS - , apostando na tecnologia e na saúde com
qualificação mundial, etc.
Eu recordo que no primeiro
ano de implementação do programa de ajustamento o PS deu espaço
para a sua aplicação. E só tinha de ser assim, até porque foi o PS
que negociou o programa, ainda no governo Sócrates. Só depois de
comprovar o desastre, a direção do partido, já com António José
Seguro, apresentou diversas propostas junto da família socialista
europeia, onde destaco o esquema de mutualização da dívida, os
eurobonds, o fundo de retenção com gestão comum, etc.
Já referiu que é
uma crítica da privatização de muitos setores. Não partilha da
opinião que o Estado não consegue «responder a tantas
encomendas»?
O problema central é que este
governo trabalha para enriquecer a finança, não trabalha para os
portugueses, que só têm é que empobrecer, como disse o
Primeiro--Ministro.
Esta gente é determinada por
uma linha ideológica que é realmente destruidora do Estado e não
creio que abandonem o poder sem privatizarem tudo o que possa ser
rentável. Veja o caso dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, é
a destruição de um ativo que podia ser estratégico no quadro
nacional e europeu. Mas este é apenas um exemplo. Este
governo tem desviado recursos e funções do setor público para o
privado. O que é o cheque ensino senão uma forma de desviar
recursos da escola pública para o ensino privado? E na saúde,
onde se está a promover um ; sistema de saúde assistencialista,
para os pobres, e no fundo, aposta-se tudo nos privados. Isto é o
contrário de uma agenda do PS, que se pautaria por um esforço de
equidade.
Os
apelos aos consenso, nomeadamente provenientes de Cavaco
Silva, têm caído em saco roto. Não é este extremar de
posições que mina a credibilidade dos atores políticos?
O Presidente da República tem
imensas responsabilidades na situação. Cavaco Silva, mal tinha sido
eleito para o segundo mandato, proferiu um discurso altamente
conflitual e acintoso para com o governo Sócrates, quando devia,
nesse momento, ter obrigado os dois partidos, PS e PSD, a uma
solução de compromisso, que promovesse a estabilidade. Não o fez. E
fez pior. É ele que endossa as políticas mais desastrosas
protagonizadas por este executivo. Só quando lhe começam a tocar
nas reformas é que começa a pôr-se ao alto, mas já sem legitimidade
moral. Já este ano tentou salvar este governo, sugerindo a solução
de um executivo alargado, mas voltou a falhar. Prevaleceu uma
solução de governo recauchutada porque faltou coragem a Cavaco para
convocar eleições antecipadas. Agora, só com novas eleições é que
se pode esperar uma solução política o mais abrangente possível.
Entretanto, e no caso de termos um segundo resgate ou um programa
cautelar, como eufemisticamente se chama a um eventual segundo
resgate disfarçado, não restará outra saída ao governo Passos
Coelho /Paulo Portas que não seja a demissão.
Os
olhos recaem sobre o Tribunal Constitucional. Novos chumbos no OE
2014 serão um álibi para a demissão ou o governo arranjará o tal
plano B de que se fala?
Admito que a tese do álibi
pode ser uma das soluções. Creio que ficámos a dever ao Tribunal
Constitucional, pelas medidas chumbadas dos orçamentos anteriores,
o facto de termos sido poupados a uma espiral recessiva ainda mais
intensa. Tarde ou cedo, as decisões deste órgão de soberania vão
chegar. Uma coisa é certa, este Orçamento 2014 não é exequível, tal
como o documento deste ano. Ao fim de três meses já tínhamos
orçamentos retificativos. Temo que em meados do próximo ano,
inevitavelmente, estaremos pior, seja qual for a decisão do
tribunal e apesar das grandes proezas com que este governo se
vangloria, como é o caso da subida das exportações.
Da
Europa surgem sinais inquietantes. A extrema direita ganha terreno
em vários países, os ciganos são escorraçados, neonazis que
assassinam na Grécia, refugiados que desembarcam já mortos nas
costas italianas e a corrupção que não cessa. São sintomas de uma
democracia em apuros no «velho continente»?
A democracia está doente. A
crise de 2008, que ainda estamos a viver, correspondeu à captura da
política pelo sistema financeiro. É esta a fase do capitalismo em
que nos encontramos. Raros são os políticos que são donos de si
próprios, pensam pela sua cabeça e que não se deixam tentar por um
lugar na administração de um banco. Não há democracia sem classes
médias e esta receita de austeridade que está a ser aplicada está a
castigar este estrato social. O esquema de empobrecimento em curso,
incha os extremos, à esquerda e à direita, promovendo uma agenda
contra a Europa. Isto é uma lógica absolutamente perversa. Não
admira, por isso, a sucessão de reações extremistas que acabou de
descrever. Hitler e Mussolini subiram ao poder com uma agenda
populista e contra a democracia, insuflando medos nos mais
desesperados e afetados pela crise. Estou muito
preocupada.
Marine Le Pen, a favorita nas eleições europeias francesas da
próxima primavera, pode ser a populista que se segue?
Pode ser instrumental. Apesar
disso, não acredito que ela vença as eleições em França, mas admito
que possa ter um resultado substancial, até porque soube
libertar-se dos aspetos mais odiosos do discurso do seu pai,
Jean-Marie Le Pen. Isso é mais um factor que a torna uma política
perigosa.
Como
se governa um continente com 26 milhões de
desempregados?
O desemprego é o melhor
exemplo do falhanço das políticas da direita ultra liberal e da
receita errada da austeridade.
Em
novembro, em Paris, os líderes europeus reuniram-se para tomar
medidas sobre o desemprego jovem. Está esperançada em resultados no
médio prazo ou como em tantas outras cimeiras, será mais uma mão
cheia de boas intenções?
É uma tragédia ver a geração
mais qualificada de sempre a ter de emigrar. O desemprego jovem é
precisamente a imagem mais eloquente do falhanço da receita da
austeridade e temo que possa ser responsável por uma regressão
civilizacional de consequências imprevistas. Há que arrepiar
caminho. Mas este cenário não vai mudar enquanto persistirem as
medidas estranguladoras do crescimento. Enquanto não for estimulado
o investimento público e privado, facilitar-se o acesso das
empresas ao crédito, fomentar a inovação, tudo isto em vez de
estarmos a colocar dinheiro nos bancos, nas PPP e nos swaps. Com
outras políticas públicas era possível arranjar dinheiro para criar
emprego, emprego decente e sustentável. Quando oiço o argumento:
«não há dinheiro», eu respondo: «haver há, só que está nos
offshores». Este governo não mexeu um dedo para ir buscar dinheiro
aos paraísos fiscais. Só que a solução não pode ser unicamente
nacional, tem que ser europeia, harmonizando políticas fiscais, por
exemplo.
Nuno Dias da Silva
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