Opinião

A quem atinge o Tsunami?

João RuivoNuno Crato, ao afirmar que há professores melhor formados nas universidades do que nos Politécnicos (ESEs), sem qualquer estudo que suporte técnica e cientificamente tal presunção, afronta, despudoradamente, essas instituições de ensino superior, e a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), agência autónoma e independente do Governo, que acreditou aqueles cursos e, como tal, entendeu que tinham TODAS as condições para formar profissionais de ensino de qualidade.

Tal significa que o ministro já só se baseia em intuições, pressentimentos, "achamentos", pelo que perdeu, definitivamente, toda a credibilidade no seio da comunidade académica.

Há muitos meses que se vinha adivinhando este desfecho. Os politécnicos e as universidades reagiram tarde e a medo ao tsunami que se abatia sobre os docentes e a escola pública, deixando a tutela em roda livre, rumo ao disparate. O resultado aí está!

Há meses que temos vindo a escrever sobre esta problemática e, mais recentemente, sobre a tentativa de avaliar a profissionalidade de um docente através de um "exame" escrito, a realizar durante duas horas.

Esse "exame" permite o quê? NADA, absolutamente nada! Quando muito possibilita, legalmente, deixar fora do sistema mais uns milhares de professores qualificados por instituições avaliadas externamente, ou seja, "despedir" docentes com base num critério de absurda tabela discriminativa.

Afinal para que serve esse "exame"? A generalidade dos professores contratados foi formada em instituições de ensino superior, avaliadas a acreditadas pelo próprio Estado? Tiveram estágios profissionalizantes, tutelados por professores seniores, que assistiram às suas aulas e avaliaram e classificaram a sua actuação? A maioria deles serviu (e bem) o sistema durante décadas?

Para o Ministério da Educação (ME), nada disso interessa, porque o ministério entende que toda a profissionalidade docente se reduz a uma meia dúzia de conhecimentos teoréticos e pode ser avaliada, através de uma simples prova, corrigida, avaliada e classificada, por outros docentes, os quais nem foram preparados para isso.

Se essa prova foi construída, ou não, para ter um efeito de descriminação negativa, o que interessa ao mundo? Se a malfadada prova foi, ou não, estatisticamente validada, que importância tem isso para a ciência e a fidelidade dos seus resultados? Nada, mesmo nada interessa, desde que o ministro e os seus secretários de Estado metam uns tostões a mais na caixa de esmolas do Orçamento.

Avaliar um profissional, neste caso um professor, é uma tarefa periscópica. O avaliador é chamado a pronunciar-se sobre inúmeros domínios sobre os quais se reflecte o pluridimensional acto de ensinar. Quando avalia, olha o professor sobre variadíssimos ângulos e prismas: aprecia o professor enquanto pessoa, como membro de uma comunidade profissional, como técnico qualificado na arte de ensinar e como especialista das matérias que ensina.

Por outras palavras o avaliador avalia o professor em vertentes tão diferenciadas quanto o são o seu ser, o seu saber e o seu saber fazer. Logo, o avaliador tem que estar atento a um grande número de variáveis que intervêm na função docente: variáveis de produto, de processo, de presságio, de carácter pessoal e profissional...

Por isso mesmo a avaliação de um professor NÃO PODE ser uma actividade episódica, pontual e descontinuada. A avaliação de um professor requer uma actividade continuada, porque importam mais as actividades de reformulação que venham a ser consideradas do que o simples diagnóstico da sua actual situação.

Os técnicos do ministério sabem tudo isso. Então a ratoeira preparada aos docentes pelo suposto "exame" cheira a maldade intolerável e deve ser rapidamente anulada!

Aos docentes humilhados e violentados na sua profissionalidade docente, presto minha homenagem pela coragem com que têm vido a defrontar tão angustiante desafio e recordo um texto que escrevi há um par de anos: "O que eles não sabem nem sonham é que os professores têm dentro de si a força regeneradora do saber, da cultura e da utopia social. Modelando sabiamente os seus alunos, são os construtores de futuros. Dentro e fora da escola querem partilhar a discussão do amanhã, porque aprenderam que ter, é ceder e partilhar".

 
 
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