A quem atinge o Tsunami?
Nuno
Crato, ao afirmar que há professores melhor formados nas
universidades do que nos Politécnicos (ESEs), sem qualquer estudo
que suporte técnica e cientificamente tal presunção, afronta,
despudoradamente, essas instituições de ensino superior, e a
Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES),
agência autónoma e independente do Governo, que acreditou aqueles
cursos e, como tal, entendeu que tinham TODAS as condições para
formar profissionais de ensino de qualidade.
Tal significa que o ministro já só se baseia em intuições,
pressentimentos, "achamentos", pelo que perdeu, definitivamente,
toda a credibilidade no seio da comunidade académica.
Há muitos meses que se vinha adivinhando este desfecho. Os
politécnicos e as universidades reagiram tarde e a medo ao tsunami
que se abatia sobre os docentes e a escola pública, deixando a
tutela em roda livre, rumo ao disparate. O resultado aí está!
Há meses que temos vindo a escrever sobre esta problemática e,
mais recentemente, sobre a tentativa de avaliar a profissionalidade
de um docente através de um "exame" escrito, a realizar durante
duas horas.
Esse "exame" permite o quê? NADA, absolutamente nada! Quando
muito possibilita, legalmente, deixar fora do sistema mais uns
milhares de professores qualificados por instituições avaliadas
externamente, ou seja, "despedir" docentes com base num critério de
absurda tabela discriminativa.
Afinal para que serve esse "exame"? A generalidade dos
professores contratados foi formada em instituições de ensino
superior, avaliadas a acreditadas pelo próprio Estado? Tiveram
estágios profissionalizantes, tutelados por professores seniores,
que assistiram às suas aulas e avaliaram e classificaram a sua
actuação? A maioria deles serviu (e bem) o sistema durante
décadas?
Para o Ministério da Educação (ME), nada disso interessa, porque
o ministério entende que toda a profissionalidade docente se reduz
a uma meia dúzia de conhecimentos teoréticos e pode ser avaliada,
através de uma simples prova, corrigida, avaliada e classificada,
por outros docentes, os quais nem foram preparados para isso.
Se essa prova foi construída, ou não, para ter um efeito de
descriminação negativa, o que interessa ao mundo? Se a malfadada
prova foi, ou não, estatisticamente validada, que importância tem
isso para a ciência e a fidelidade dos seus resultados? Nada, mesmo
nada interessa, desde que o ministro e os seus secretários de
Estado metam uns tostões a mais na caixa de esmolas do
Orçamento.
Avaliar um profissional, neste caso um professor, é uma tarefa
periscópica. O avaliador é chamado a pronunciar-se sobre inúmeros
domínios sobre os quais se reflecte o pluridimensional acto de
ensinar. Quando avalia, olha o professor sobre variadíssimos
ângulos e prismas: aprecia o professor enquanto pessoa, como membro
de uma comunidade profissional, como técnico qualificado na arte de
ensinar e como especialista das matérias que ensina.
Por outras palavras o avaliador avalia o professor em vertentes
tão diferenciadas quanto o são o seu ser, o seu saber e o seu saber
fazer. Logo, o avaliador tem que estar atento a um grande número de
variáveis que intervêm na função docente: variáveis de produto, de
processo, de presságio, de carácter pessoal e profissional...
Por isso mesmo a avaliação de um professor NÃO PODE ser uma
actividade episódica, pontual e descontinuada. A avaliação de um
professor requer uma actividade continuada, porque importam mais as
actividades de reformulação que venham a ser consideradas do que o
simples diagnóstico da sua actual situação.
Os técnicos do ministério sabem tudo isso. Então a ratoeira
preparada aos docentes pelo suposto "exame" cheira a maldade
intolerável e deve ser rapidamente anulada!
Aos docentes humilhados e violentados na sua profissionalidade
docente, presto minha homenagem pela coragem com que têm vido a
defrontar tão angustiante desafio e recordo um texto que escrevi há
um par de anos: "O que eles não sabem nem sonham é que os
professores têm dentro de si a força regeneradora do saber, da
cultura e da utopia social. Modelando sabiamente os seus alunos,
são os construtores de futuros. Dentro e fora da escola querem
partilhar a discussão do amanhã, porque aprenderam que ter, é ceder
e partilhar".