Opinião
Reorganizar os ciclos de ensino?
A reorganização dos ciclos de ensino
é um debate que está na ordem do dia. Esta intenção expressa pelo
Ministério da Educação já vem de outras vontades políticas. A este
propósito, Maria de Lurdes Rodrigues pronunciou-se em Junho deste
ano referindo-se também à escolaridade obrigatória para as crianças
de 5 anos. Disse a, então, Sra. Ministra que é um tema a resolver
num futuro próximo, mas ainda não está decidido se anteciparia a
idade de entrada para o 1º Ciclo do
Ensino Básico, ou tornaria obrigatória a frequência dos 5 anos no
Pré-escolar.
A Lei-Quadro
nº 5/97, considera a Educação Pré-escolar
a primeira etapa da educação básica e refere como objectivo da rede
nacional contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à
escola (?) e para o sucesso na aprendizagem.
Ainda hoje é do senso comum
que a Educação Pré-escolar é um complemento à família, tal como era
a educação escolar antes de se tornar obrigatória, também esta era
entendida como um complemento da acção educativa da família. Este
pensamento informal e ingénuo do ponto de vista científico, parte
de uma observação acrítica da realidade, contamina reflexões e
actuações de agentes sociais dos mais variados sectores e com
diversos níveis de responsabilidade.
Em relação à Educação Escolar já há
muito que se entendeu que a família por si não conseguia assegurar
às crianças esse complemento educativo de que elas precisavam.
Todo o desenvolvimento científico e
as práticas pedagógicas nos demonstraram que também as crianças
mais pequenas têm necessidades próprias e que só têm lugar em
contexto apropriado, isto é, acompanhadas por profissionais com
formação especializada, chamados em Portugal - Educadores de
Infância, capazes de uma intervenção directa e indirecta em espaços
e com materiais organizados de forma intencional.
Também em 1997 foram publicadas as
"Orientações curriculares para o Pré-Escolar" que permitem
sistematizar e organizar a planificação das actividades no Jardim
de Infância, mas que não podem ser consideradas currículo.
O Educador de Infância actua
directamente estimulando a criança a pesquisar e explorar,
encorajando a auto-avaliação, permitindo repetições para passar ao
domínio, alternar entre materiais estruturados e não estruturados,
apoiando e encorajando o jogo simbólico, ouvindo a criança e
deixando-a decidir.
Quando a criança está a brincar, o
Educador sabe identificar com bastante precisão as aprendizagens
que está a fazer, sendo capaz de descriminá-las e especificá-las:
vocabulário, leitura, matemática, ciências, etc.
Também actua indirectamente na forma
como organiza o espaço, o material que utiliza e como o dispõe,
tudo isso reflecte uma intencionalidade pedagógica.
Sabemos que quando o aluno entra na
sala de aula, já tem uma cultura própria e é detentor de algum
conhecimento obtido através de processos de selecção e adaptação e
assim a aprendizagem deverá ser entendida como um processo de
construção, dependente do conhecimento prévio que gera novo
conhecimento.
A aprendizagem não se faz pela
memorização mas sim pela interpretação da informação e o
conhecimento não é independente de quem o constrói.
As teorias de VigostsKy,
investigador da psicologia com importantes implicações pedagógicas,
referem que toda a aprendizagem tem uma pré-história e que é
necessária uma determinada maturidade para adquirir determinados
níveis de conceptualização e conhecimento. A Zona de
Desenvolvimento Proximal, referida nesta teoria, que é uma área
potencial de desenvolvimento cognitivo, definida como a distância
que medeia entre nível actual do desenvolvimento da criança,
determinada pela sua capacidade de resolver problemas
individualmente e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da resolução de problemas, sob orientação de adultos ou em
colaboração com pares mais capazes. É uma zona de dissonância
cognitiva que corresponde ao potencial de aprendizagem da
criança.
Da psicologia do desenvolvimento
sabemos que as crianças nesta idade estão no estádio
pré-operatório, tal como Piaget descreveu, como fase de surgimento
da função simbólica/semiótica, em que o pensamento é marcado pela
capacidade de simbolização. A criança nesta idade tem um pensamento
intuitivo e vai aos poucos descentrando-se, mas ainda não consegue
distinguir as transformações reais e as aparentes. Está a
preparar-se para o pensamento lógico, das operações concretas,
próprio das crianças dos 7 aos 11 anos (estas índice são variáveis
consoante os indivíduos).
Piaget sustenta uma escola activa:
porque em qualquer estádio é pela acção que a criança se desenvolve
cognitivamente, precisando de realizar actividades apropriadas e as
acções devem ser adequadas ao seu estádio de desenvolvimento.
A formação de Educadores de Infância
tem uma história recente no nosso país, nasceram com uma pedagogia
nova que não existia na maioria das Escolas Normais e que devemos
continuar a defender essa liberdade pedagógica. A preparação
científica de que são detentores os Educadores de Infância, com as
suas estratégias pedagógicas adequadas, não são percebidos por
todos, é o problema do senso comum, acumulado pela deformação de
base que existe na nossa cultura: o nosso sistema educativo está
organizado de cima para baixo e está definido em função dos níveis
esperados no ensino superior.
Os docentes, em qualquer nível de
ensino do sistema educativo deviam saber como o indivíduo se
construiu para potenciar esse processo e não definir os objectivos
de ciclo/disciplina ignorando esse crescimento, daí a importância
do debate da sequencialidade entre ciclos.
A posição da Fenprof é que deverá
ser obrigatória a frequência da Educação Pré-Escolar o ano anterior
antes de entrar para o 1º Ciclo e
nunca antecipar a entrada no 1º
Ciclo.
O Educador nunca prepara as
crianças para o que a Escola quer, isto é, entrarem bem na escola,
descurando o fundamental que é, ajudar a criança a ser autónoma e a
construir-se a partir das suas próprias potencialidades.
O Estado deve assumir a
responsabilidade e não só contribuir (como refere nos objectivos da
Lei Quadro) pela igualdade de oportunidades, tornando o último ano
de frequência da Educação Pré-Escolar como obrigatória.
Para isso é necessário que sejam
criadas condições humanas e físicas para a concretização deste
objectivo, em prol do salto qualitativo no desenvolvimento do nosso
País.
Ao Educador de Infância compete e
está apto para contribuir para esta missão. Como referia Piaget:
"Não creio até que haja vantagem em procurar acelerar o
desenvolvimento da criança para além de certos limites. O
equilíbrio leva tempo e o tempo é doseado por cada um à sua
maneira. Uma excessiva aceleração corre o risco de romper o
equilíbrio. O ideal da educação não é aprender o máximo ou elevar
ao máximo os resultados, mas sim, antes de tudo, aprender a
aprender."
Em 1998, no Congresso de Braga, a
Fenprof reivindicou pela 1ª vez a
escolaridade obrigatória a partir dos 5 anos. Este discurso da
tutela obriga-nos a abordar de novo a questão, agora com novos
contornos pela menção da possibilidade do alargamento do
1º Ciclo.