Os professores e a sociedade do conhecimento
Temos vindo a afirmar que, pela
primeira vez na história da educação ocidental, ocorre um momento
único pela sua singularidade e muito preocupante pelas
transformações que irá imprimir no trabalho dos docentes e na
organização das escolas: - existem hoje poderosíssimos instrumentos
de aprendizagem e de acesso ao saber (os PCs; os smartphones;
as tablets; TVs interctivas….) que os alunos já dominam melhor
que a maioria dos professores e que manipulam com mais destreza que
a generalidade dos pais.
O computador pessoal e o
smartphone modificaram, rápida e radicalmente, os rituais
de iniciação nos grupos de pares, a comunicação intra e
intergrupal, os graus de socialização e de integração, já que
criaram novos gestos, linguagens, códigos, símbolos, valores e um
mundo infindável de engenhos periféricos.
Numa só geração desapareceram
muitos dos artefactos que constituíam a memória e a referência do
mundo dos adultos contemporâneos: - o vinil foi o primeiro; agora
agonizam os CDs, as cassetes VHS e os
DVDs de primeira geração; um aluno de
1º Ciclo não faz a mínima ideia do
que era uma cassete áudio ou um rolo de fotografia a cores; um
vídeo gravador é um aparelho obsoleto e o arquivo de dados em
disquetes, CDs e DVDs pertence a um passado quase
pré-histórico; grande parte da informação disponível já não existe
em suporte de papel, e pouco falta para que Pens
Drives e Discos Externos possam ser dispensados.
A informação vai parar a Clouds ("nuvens"), onde tudo pode
ser armazenado para ficar disponível, em qualquer momento, e em
qualquer parte do mudo onde haja acesso à internet.
Se tanto não bastasse, há nas
escolas uma geração de professores e de educadores já nascidos na
era digital, que trabalham lado a lado com outros docentes que,
envergonhadamente, se sentem info-excluídos, pois pertencem a uma
outra geração que amadureceu, pessoal e profissionalmente, antes da
era da internet, dos motores de busca, das bases de dados digitais,
do matraquilho das mensagens por SMS ou da presença
orwelliana do Messenger, do Facebook, do
Twitter….
São professores e educadores que
olham para as novas tecnologias da informação e da comunicação com
a desconfiança dos traídos, pois sabem que é ali que está a fonte
do mal que os levará à desactualização precoce e, logo, ao
mal-estar profissional que acompanha o desgaste, a indisfarçável
angústia e o stress.
É nossa profunda convicção de que
aquilo que aqui descrevemos implica um perigosíssimo 'corte
geracional' que tem que ser rapidamente atenuado e corrigido, se
queremos eliminar a iliteracia digital e ter as nossas escolas a
fazer parte da sociedade do conhecimento. Porém, a introdução,
quase sempre inconsequente, das TIC nas escolas acentuou
drasticamente esse corte geracional, já que os governos decidem
sempre 'equipar' primeiro os alunos e as escolas, esquecendo-se de
'equipar' previamente os professores com formação específica.
Infelizmente, a educação padece
sempre deste estigma: o calendário eleitoral da classe política
funciona no curto prazo dos ciclos eleitorais de quatro anos,
exigindo resultados rápidos, imediatos e mediáticos. Daí que o
investimento em educação, sobretudo na formação dos seus actores,
não lhe interesse, já que só permite medir os resultados a médio e
a longo prazo, e muitas vezes em contra ciclo eleitoral…
Por tudo isso, os professores devem
exigir imediata formação nas tecnologias da informação e da
comunicação ou correm o perigo de se tornarem info-excluídos e
profissionalmente "desajeitados". Urge diminuir esse fosso digital,
porquanto não há escola do futuro que consiga sobreviver sem
incorporar essas novas tecnologias. Até porque a generalização cega
das TIC, sem sentido e contexto pedagógico, pode provocar
uma deriva na utilização destes instrumentos do saber, com
desperdício do investimento realizado e com perigosas consequências
para os aprendentes.
Hoje, não basta que o aluno só
aprenda a ler e escrever textos na linguagem verbal. É necessário
que ele aprenda a 'ler' e a 'escrever' noutros meios, como o são a
rádio, a televisão, os programas de multimédia, os programas de
computador, as páginas da Internet… Só assim conseguiremos
erguer uma escola pública que seja exigente na valorização do
conhecimento e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública
que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização
de todos os membros da comunidade escolar. Uma escola pública que
assuma os seus alunos como primeiro compromisso e os professores
como seu principal valor. E que, em fim, se revele como um espaço
de aprendizagem promotor do debate e da reflexão crítica,
incentivando-se a participação cívica nesta aldeia global que é o
mundo de hoje.