Bocas do galinheiro
75 ANOS DE CASABLANCA
E
já passaram 75 anos desde a obra-prima de Michael Curtiz,
"Casablanca". Um acontecimento que para mim, um incondicional do
filme, já perdi a conta às vezes que já o vi em casa, justifica
voltar a ele. Estreou no dia de Acção de Graças, de 1942, no
Hollywood Theater de Nova Iorque, três meses depois da tomada de
Casablanca pelas forças aliadas. Mas a cidade marroquina do filme
ainda está sob controlo da França de Vichy, local de convergência
de refugiados, aventureiros e oportunistas vários, tem no popular
café de Rick o palco onde tudo acontece.
Primeiro a chegada do major Heinrich
Strasser, para colocar alguma ordem no corrupto capitão Renault,
chefe da polícia local, pensava ele, e recuperar dois
salvo-condutos roubados a dois emissários alemães, antes que caiam
em mãos indesejadas, das muitas que os tentavam comprar para saírem
de Casablanca, via Lisboa, rumo aos Estados Unidos. Renault ainda
consegue espetacular operação no café para os recuperar de Ugarte,
um escroque que deambulava pela cidade, mas que acabam, via Rick,
no piano de Sam, mas já lá vamos. Depois a chegada de Victor Lazlo,
um líder da Resistência, acompanhado da mulher, Ilsa. E a partir
daqui, apesar de se estar em guerra, em vez de um filme bélico,
passamos a assistir a um grande, grande filme romântico, à tal
obra-prima, com diálogos brilhantes, interpretações grandiosas, em
que claramente perpassa uma componente política, evidentemente,
desde logo contra o regime de Vichy, e, por razões mais que óbvias,
contra as potências do Eixo, com a Alemanha de Hitler à cabeça.
Estamos perante um filme sobre refugiados, feito essencialmente por
refugiados, muitos deles judeus! Não seria preciso dizer mais.
Mas esta película, apesar de um
começo titubeante, desde a escolha do realizador e dos actores,
acaba por reunir o que de melhor se pode querer para se conseguir o
resultado que esta teve. E, de um filme que à partida não era
favorito, apesar das suas oito nomeações, acabou por arrebatar três
dos oito Oscares para que havia sido nomeado: melhor filme, melhor
realizador e melhor guião adaptado.
Quanto ao realizador, o produtor Hal
B. Wallis, começou por tentar William Wyler, então com contrato com
Samuel Goldwyn, o que não conseguiu, virando-se para Michael
Curtiz, depois de desistir de Vincent Sherman e William Keighley.
Nascido em Budapeste em 1886, então parte do Império
Austro-Húngaro, ainda dirigiu vários filmes no seu país, tendo
chegado aos Estados Unidos em 1926, pela mão de Jack Warner, esteve
na Warner Bros, até 1954, major onde rodou os seus maiores êxitos,
nomeadamente filmes protagonizados por Errol Flynn. Para além deste
Oscar por "Casablanca", já vira o seu "Capitain Blood" (1935),
receber a nomeação para melhor filme, e ele próprio ser nomeado
para melhor realizador por "Angels With Dirty Faces" e "Four
Daughters", ambos em 1938, e "Yankee Dodle Dandy", em 1942.
Mas ver "Casablanca", como já
dissemos, é também assistir às fantásticas interpretação de um dos
actores maiores da sua geração, Humphrey Bogart. Já era conhecido
na Sétima Arte até este filme, mas é a partir daqui que se guinda
ao topo, inclusive do ponto de vista financeiro. Apesar de o
estúdio ter anunciado que os papéis principais seriam para Ronald
Regan, Ann Sheridan e Dennis Morgan, e da preferência de Jack
Warner por George Raft, Aallis apostou em Bogart e ganhou. Melhor,
ganhámos todos. O seu Rick (Richard) Blaine é toda uma figura. A
ambiguidade de sentimentos que a personagem vive, o cínico dono do
café, mas que cede a ajudar uma refugiada de que Renault se iria
aproveitar, o homem apaixonado no flash-back de Paris com Ilsa, e o
homem desesperado, depois do reencontro no café, quando Sam, tocava
"As Time Goes By" para Ilsa, "pelos velhos tempos", ao ponto de se
verter em lágrimas (caso raro, diga-se, Bogart a chorar!). Isto
para não falar do seu derradeiro gesto, ao abdicar de Ilsa. E, a
seu lado, Ilsa, Ingrid Bergman. Linda como noutros filmes não se
viu. Há três ou quatro grandes planos que dizem tudo sobre esta
mulher dividida entre dois homens: Rick, o amante de Paris, e
Laszlo, o marido, o herói da Resistência que julgava morto e por
quem está disposta a tudo para o ver a salvo para continuar a sua
luta fora de Casablanca.
Mas de interpretações não estamos
conversados. Para além do terceiro protagonista, Paul Henreid, um
austro-húngaro, no papel de Victor Laszlo, que cumpre, há toda uma
lista de secundários invejável: Claude Rains, um britânico da Royal
Academy of Dramatic Arts, dá vida a capitão Renault, Conrad Veidt,
um alemão fugido do nazismo era o pérfido major Strasser, oficial
nazi, Peter Lorre encarnou Ugarte, Doodley Wilson foi Sam, o
pianista, fiel companheiro e cúmplice de Rick nas suas andanças e
aventuras (é ele que canta "As Time Goes By", mas é dobrado no
piano), ou Madeleine LeBeau, uma refugiada francesa, que interpreta
Ivonne a cantora que a incentivo de Laszlo canta "A Marselhesa",
calando os nazis no "Rick's American Café".
Por fim o argumento. Vagamente
baseado numa peça de Murray Burnett e Joan Alison "Everybody Comes
To Rich's", nunca levada a cena, foi comprada pela Warner e Hal B.
Willis apostou em fazer dela um filme. Passou por alguns guionistas
da casa, até que os irmãos Epstein, Julius e Philip se encarregaram
dos diálogos, tendo mais tarde colaborado no guião Howard Koch e,
não creditado, Casey Robinson. Um guião que se construiu à medida
que se filmava e que não se sabia como ia acabar. Acabou bem,
porque, para além de tudo o que já dissemos, os diálogos de
"Casablanca" são autênticas pérolas, com deixas memoráveis que
seria um prazer aqui recordar. Mas não temos espaço.
Até à próxima e bons filmes!