Cultura

Bocas do Galinheiro: 2019 em revista

25296987.jpgNuma altura de balanços, não resistimos a revisitar alguns dos filmes que vi, e de que gostei em 2019. A escolha não é fácil, porque o espaço é pouco. Claro que amanhã vou tropeçar num qualquer de que não me lembrei agora. Não é futebol, mas é mesmo assim. E faço-o já para não ficar influenciado pelas nomeações para o Óscar, se bem que algumas fitas poderão estar na categoria dos filmes estrangeiros. Não há crise.

Vou começar, só porque algum tem que ser o primeiro, pelo regresso de Quentin Tarantino com "Era uma Vez em…Hollywood", mais um filme de homenagem ao cinema e a Los Angeles do final dos anos sessenta, à volta das deambulações de duas figuras típicas, o actor de televisão à procura de um lugar no cinema, mesmo que seja de série B, um Leonardo DiCaprio numa interpretação soberba, acompanhado, literalmente, pelo seu duplo, motorista e guarda-costas, um fenomenal Brad Pitt. Pelo meio arrasa o politicamente correcto, dos cigarros aos automóveis, introduz mesmo um anúncio ficcional a uma marca de cigarros, e desconstrói o assassinato de Sharon Stone, aqui numa excelente interpretação de Margot Robbie, reduzindo à insignificância o mentor do bando de assassinos, Charles Mason, piscando ainda o olho a uma estrela em ascensão, Bruce Lee, não deixando de espetar umas farpas no flower power, já em decadência, mas que ainda mantinha vivas algumas comunas, sendo a mais famosa pelos piores motivos, a que Mason alimentou. Um regresso em grande, num filme, que vindo de quem vem, não esperaríamos lembrar tão sóbrio, como sentido, mais uma vez, ou não fosse um filme de Tarantino, com uma banda sonora escolhida a dedo.

Num registo completamente diferente, ou talvez nem tanto, se tivermos em conta a sobriedade narrativa, destaco "As Cinzas Brancas Mais Puras", do chinês Jia Zhangke, um dos cineastas mais importantes da chamada sexta geração. Um filme que segue a história de dois amantes, Qiao Qiao e Bin Bin, interpretados por Tao Zhao (mulher de Zhangke) e Liao Fan, ela uma mulher determinada, ele um gangster local, numa China profunda e em grande mudança (tome-se como exemplo a evolução dos comboios nas três partes retratadas no filme) de 2001 até à actualidade, numa atribulada história de amor e sacrifício, com um equilibrado sentido melodramático, mas não pegas. Mais um momento do que de melhor se faz na China, pela mão de um realizador que já nos tinha dado "Se as Montanhas se Afastam", de 2015, também com Tao Zhao e, curiosamente focando também três períodos diferentes, ou "O Mundo", de 2004, mais uma vez com Tao Zhao, como num parque temático, se podem visitar as referências globais mais emblemáticas, da Torre Eiffel à de Pisa e por aí adiante. Não admira que o realizador tenha problemas com a censura no seu país.

"Knives Out: Todos são Suspeitos", de Rian Johnson, ainda em exibição em Castelo Branco, foi uma agradável surpresa. Um policial no mais clássico estilo dos enredos de Agatha Christie, com um excêntrico detective, não à semelhança de um Poirot, mas um misto de filme noir e comédia, interpretado por um irreconhecível, no bom sentido, Daniel Craig, bem acolitado pelos parasitas filhos e netos do morto (um Christopher Plummer ao seu melhor nível, gozando que nem um perdido o final que idealizou para eles, ou não fosse um afamado escritor de policiais), porque, claro há uma morte suspeita, onde pontificam Jamie Lee Curtiz, Don Johnson, Chris Evan e Ana de Armas, a boa da fita, enfermeira do falecido, com problemas de emigração ilegal na era Trump, está bom de ver, que vai servir de arma de arremesso pelos maus. Um policial que é um belo momento de comédia. Vale a pena aproveitar.

Outro bom momento é o proporcionado por Pedro Almodovar em "Dor e Glória", um filme em que traz muito de autobiográfico para a tela pelo seu alter ego António Banderas, uma interpretação inolvidável, melhor actor em Cannes, o realizador preso a um grade êxito do passado e que através da escrita revisita o seu percurso de vida. Mais um grande momento do cineasta espanhol e dos seus actores fetiche. Para além de Banderas, temos ainda uma segura Penélope Cruz como habitual.

Lugar ainda para "Le Mans '66: O Duelo", de James Mangold, a célebre luta entre a Ford e a Ferrari pela supremacia na mítica prova de resistência, com Christian Bale, o "fazedor" do GT 40, e candidato aos chamados "blockbuster" aparece "Midway", de Roland Emmerich, um especialista no género, sendo que o verdadeiro vai ser, não tenhamos dúvidas "Star Wars: Episódio IX - A Ascensão de Skywalker", mais uma vez com realização de J.J. Abrams, mas este ainda não vimos.

Por último uma referência breve à última fita de Woody Allen, um realizador que muito prezo e que vejo sempre com curiosidade, com mais uma passagem pela sua Manhattan em "Um Dia de Chuva em Nova Iorque" (A Rainy Day In New York,2019), com Timothée Chalamet e Elle Fanning.

Do lado de cá do oceano, nas fitas portuguesas o grande êxito do ano foi sem dúvida, "Variações", de João Maia, com mais de duzentos e cinquenta mil espectadores e uma interpretação convincente de Sérgio Praia. Pegando nas cassetes de António Variações, actor e realizador redescobrem a música e a curta carreira desta figura da música portuguesa, numa altura em que os biopics sobre músicos famosos estão na ordem do dia. Basta lembrar os últimos "Bohemian Rhapsody" e "Rocketman", este também visto em 2019, respectivamente sobre Freddie Mercury e Elton John.

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa
gauchazh
 
 
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