Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação
Os 4 planos da nova política educativa
Maria de Lurdes Rodrigues defende uma nova geração
de políticas públicas educativas assentes em quatro planos de
intervenção. A ex-ministra da Educação fala dos eixos da confiança,
do conhecimento, da governabilidade e da afetação de recursos. Em
entrevista ao Ensino Magazine, Maria de Lurdes Rodrigues destaca a
importância da escola a tempo inteiro e sublinha os resultados do
PISA.
Sobre o ensino superior, diz que
as únicas instituições a mais no país são as más, e defende o fator
qualidade como a condição fundamental para a reorganização da rede
de ensino superior.
A
escolaridade obrigatória até ao 12º ano, com resultados positivos,
é um dos grandes desafios com que se debate o ensino em
Portugal?
É isso que eu defendo e é uma
batalha que tem muitos anos. Para que isso aconteça é necessária
uma nova geração de políticas públicas centradas em quatro planos
de intervenção: o plano das convicções e da confiança; do
conhecimento; da governabilidade; e da afetação de recursos.
O
primeiro dos planos é o da convicção e da confiança. São esses dois
fatores determinantes?
É um plano em que todos
partilhamos a convicção de que é possível todas as crianças e
jovens aprenderem as competências básicas e desenvolverem os seus
percursos a partir daí. Isto porque se uma parte de nós não
acredita que é possível que os jovens aprendam até ao 12º ano e que
há obstáculos que são inultrapassáveis, isso é meio caminho andado
para não se concretizar esse desafio. Então mas o que é que nos
pode inspirar? É uma fé cega na educação? Não, o que nos pode
inspirar é o exemplo de outros países, em que 70 ou 80 por cento
dos jovens concluem com êxito níveis de escolaridade equivalentes
ao 12º ano. E portanto, se noutros países esse desafio é encarado e
concretizado, não há razões para em Portugal não o
concretizarmos.
Essa nova
geração de políticas públicas assenta também no conhecimento, em
que perspetiva se enquadra este plano?
Para concretizarmos o desafio da
escolaridade obrigatória, sobretudo agora ao nível dos 18 anos,
precisamos de conhecer mais profundamente matérias relacionadas com
a pedagogia, com as melhores formas de ensinar, com os modelos de
diversificação das ofertas formativas, e dos próprios processos de
ensino aprendizagem. E neste aspeto necessitamos conhecer melhor as
experiências de outros países. Por isso, os investigadores e as
instituições de ensino superior têm um papel muito importante no
desenvolvimento de conhecimento útil para a concretização desse
objetivo. Eu já dei este exemplo: porque é que nós conhecemos tão
mal as razões de sete a oito por cento das nossas crianças aos sete
anos de idade não aprenderem a ler? Isto são matérias de
investigação. Era importante que as universidades colocassem na sua
agenda os problemas de ensino e aprendizagem.
Associado
àqueles dois planos surge o terceiro, o da governabilidade…
É um plano que se relaciona com o
quarto, o da afetação de recursos. Nós somos herdeiros de um
sistema educativo muito centralizado de governação, o qual por isso
é muito uniforme na atribuição de recursos. E aquilo que precisamos
é de diversificar e diferenciar essa afetação. Ou seja, é
necessário atribuir mais recursos às escolas e às regiões que mais
necessitam para atingir patamares mínimos de qualidade. De igual
modo, importa termos um sistema de governação de maior proximidade,
com mais autonomia nas escolas, mas também com mais
responsabilização e mais envolvimento das autarquias e dos agentes
de proximidade.
Enquanto
ministra da Educação defendeu as parcerias com o poder local, em
particular com as câmaras municipais. Essa aposta teve resultados
positivos?
Teve resultados imediatos em
várias áreas. Uma delas foi a renovação do parque escolar. Sem as
autarquias não teria sido possível acabar com o problema das
escolas isoladas e em mau estado, renovar o parque escolar com a
construção de centros escolares e promover-se a racionalização da
rede ao nível local. Desde 1991 que o país arrastava esse problema.
Outra das provas positivas da proximidade com as autarquias foi a
escola a tempo inteiro. Não tinha sido possível arrancar com a
generalização do inglês no 1º ciclo, como o fizemos, em apenas
quatro meses.
A escola
a tempo inteiro foi uma das suas apostas e bandeiras. Essa escola
pública a tempo inteiro está hoje em risco?
Tudo está sempre
em risco. A escola a tempo inteiro está em risco sobretudo desde o
momento que se desvirtuou o princípio de organização. A escola a
tempo inteiro é simultaneamente um espaço de apoio à família em que
o serviço público de educação é alargado no tempo - ou seja,
durante mais tempo a escola presta um serviço de acolhimento e de
integração das crianças, tendo em conta a realidade das famílias em
que a maior parte das mães trabalha - e de enriquecimento
curricular do ensino básico. Desde 2001 que se previa a
possibilidade de se introduzir as línguas estrangeiras, mas nada
tinha sido possível fazer. Portanto, a escola a tempo inteiro foi
implementada com o objetivo de adequar a escola às necessidades das
famílias e ao mesmo tempo enriquecer os currículos do 1º ciclo,
proporcionando às crianças todas - e não apenas a algumas - o
acesso às línguas e às artes mais performativas.
O
Ministério da Educação exigiu que os professores até cinco anos de
experiência tivessem que realizar uma prova para a entrada na
profissão docente. Faz sentido este tipo de provas?
Uma prova de acesso à profissão
faz sentido, mas é no início, isto é, quando se acede à profissão e
não quando se já está a meio da carreira. Por isso, este tipo de
provas como a que foi feita não faz sentido, sobretudo
discriminando aplicando-a apenas aos contratados, àqueles que têm
um vínculo mais frágil. Isso não tem nenhum sentido! Assim está
usar-se o mecanismo de prova de acesso não para melhorar a
qualidade do recrutamento, mas sim para excluir e despedir, fazendo
uma espécie de limpeza nas escolas. E isso não é razoável. Não faz
nenhum sentido realizar-se uma prova dessas a professores com anos
de experiência e ainda por cima apenas aos contratados.
Na sua
perspetiva essa prova seria válida no início da carreira, ou no
final dos seus cursos. É isso que defende?
No início de carreira, no final
dos seus cursos como um exame de acesso à profissão, mas antes de
iniciarem funções. E o objetivo dessa prova seria a de colocar
todos os professores em igualdade de circunstâncias no concurso. E
isso hoje não acontece. Existem uma diversidade de instituições a
formar professores e como aquilo que conta para os hierarquizar no
acesso à carreira é a nota de curso, há instituições que usam isso
como uma estratégia de proteção e de defesa do seu próprio
trabalho. Assim, não temos os candidatos a professores colocados em
igualdade de circunstância, devido aos critérios de atribuição de
notas de cada uma das instituições. Portanto, aquilo que defendi
foi que existisse uma prova, antes do início da profissão, que
pudesse contribuir para uma maior igualdade. Este é um processo que
tem que ser desenvolvido gradualmente, em conjunto com as
instituições de ensino superior. E não vejo que esta seja uma
situação da máxima urgência. Urgente é combatermos o abandono
escolar!
Recentemente o atual Ministro da Educação, Nuno Crato, disse
publicamente ter dúvidas sobre as formações ministradas nas escolas
superiores de educação portuguesas. Quando tutelou o Ministério da
Educação também teve essas dúvidas?
Nós temos que trabalhar na base
de confiança com as instituições que criamos e não estar
constantemente a lançar a suspeição sobre o trabalho que se faz.
Foi criada uma agência de avaliação e acreditação dos cursos e das
instituições do ensino superior, e já na década de 90 tinha sido
criado um instituto com essa finalidade. Temos que confiar nessa
agência, a qual vai regular e distinguir o que são as boas e as más
práticas. O ministro não se pode substituir a essas instituições
que são criadas, nem tão pouco ir fazer o trabalho delas. Quem faz
a avaliação das instituições de ensino superior é a agência que foi
criada pelo Estado Português. E temos que confiar que ela está a
fazer o seu trabalho, caso isso não se verifique temos que agir
sobre ela, verificar o que podemos melhorar e fazer um esforço para
melhorar as instituições de ensino superior portuguesas em
vez de as estarmos a destruir. Em matéria de formação de
professores temos muito para melhorar, mas o esforço da política
deve ser o de ajudar a melhorar, dar orientações ou recursos e não
o de destruir as instituições.
Os
últimos resultados do PISA foram positivos para Portugal. Como é
que avalia esses dados?
Os resultados melhoraram
sobretudo entre 2003, 2006 e 2009. Houve um período em que mudámos
de posição. De 2009 para 2012 mantivemos a mesma. Isso significa
que não houve regressão face à melhoria obtida em 2009. Mas temos
que olhar para esses dados e refletir para ver o que temos que
fazer mais para melhorar e não estagnar. Quando no relatório da
OCDE vem um elogio aos programas que estão em curso e nós ouvimos
na comunicação social o ministro a dizer que se prepara para rever
esses mesmos programas, ficamos preocupados. Isso significa que se
tomam decisões políticas sem ter em conta aquilo que são
recomendações e informação de base. Mas há mais exemplos. No
relatório do PISA, a OCDE elogia uma série de medidas que
entretanto foram descontinuadas. Temos que ter consciência que
corremos riscos. As políticas e a confiança que transmitimos à
escola são muito importantes, pelo que não faz nenhum sentido que
depois de serem divulgados os resultados do PISA e publicadas
recomendações, o Governo venha anunciar medidas ao arrepio do que
deveria estar a ser feito, que era dar continuidade ao que vinha
sendo desenvolvido e que permitiu atingir estes bons resultados.
São exemplos o plano de ação para a matemática, os planos de
recuperação etc. Tudo isto resultou de um esforço imenso, porque a
questão do insucesso e do cumprimento da escolaridade mínima
obrigatória não se resolve com uma única medida. Não basta
introduzir os exames. É preciso criar condições para que as equipas
de docentes possam preparar os seus alunos para esses exames e para
outros desafios que os alunos vão enfrentar na vida, pois o
conjunto de competências que eles necessitam é muito vasto. Não
chega colocar objetivos, é necessário disponibilizar meios e
recursos para que esses objetivos sejam alcançados. Por isso, como
referi no início da entrevista, eu identifico quatro planos de
intervenção para conseguirmos concretizar a escolaridade
obrigatória.
No último
concurso nacional de acesso ao ensino superior, mais de 40% dos
alunos que concluíram o ensino secundário não se candidataram. Que
fatores podem ter condicionado a escolha dos jovens? Falta de
perspetiva de futuro? Falta de dinheiro das famílias?
Há desmotivação, há falta de
condições para estudar, e todos os dias ouvimos um discurso
político que incentiva os jovens a não estudarem, que desvaloriza a
educação e o conhecimento. Aquilo que os jovens ouvem por parte do
Governo, é um discurso de desincentivo. Quando um jovem está em
casa a pensar que quer ir para a universidade aprender e estudar
para ser professor, e ouve um ministro a dizer que as instituições
que formam professores são do pior que o país tem, isto cria uma
grande perplexidade. A situação é muito preocupante. Estamos longe
de atingir os objetivos da estratégia 2020, e para sairmos desta
crise precisamos de jovens qualificados. Precisamos que os jovens
acreditem que vale a pena estudar, e essa é a única alternativa. É
importante que isto lhes seja dito.
Como referi atrás, o discurso
político é um dos elementos mais importantes na mobilização para a
educação. Na nossa história das políticas educativas temos exemplos
de ministros que usaram o discurso político para mobilizar toda a
sociedade para o esforço da educação, casos de Leite Pinto, Veiga
Simão ou Marçal Grilo. Todos eles usaram a palavra para afirmar a
importância da educação. E com isso conseguiram o esforço imenso de
mobilização da sociedade, dos jovens e pais.
O
Ministério da Educação quer redefinir a rede do ensino superior.
Chegou a falar em fusões e agregações. Faz sentido extinguir
instituições?
Não conheço suficientemente os
planos do Governo. Mas uma coisa posso dizer: os objetivos e os
critérios só podem ser os da qualidade. Não podemos dizer que temos
instituições de ensino superior a mais. O que temos é um défice de
qualificação de população ativa e de jovens a necessitar de entrar
nas universidades que é demasiado grande. Considero que estão a
mais as instituições que não são boas. Portanto, o critério da
qualidade que orienta as estratégias de reorganização e da
regulação da rede tem que ser único. Nem a procura pode ser
condição, em sentido estrito. Isto porque podemos ter a necessidade
de sustentar cursos e instituições muito especializadas e
importantes para o país, nos quais não é suposto se formarem muitos
diplomados. O critério não pode ser apenas a procura, nem o número
das instituições que existem, nem o número de alunos que está a
entrar no ensino superior, mas sim o da qualidade. E para isso
existe uma agência que avalia essa qualidade. Resumindo, todos os
cursos e instituições que não cumprem níveis mínimos de qualidade
estão a mais, todos os outros não estão. O que é necessário é uma
campanha de mobilização dos jovens e dos adultos para que
frequentem níveis superiores de formação.
Referiu-se à questão da mobilização dos adultos. Um dos programas
que permitiu que muitas pessoas regressassem aos estudos, foi o
Novas Oportunidades. Como é que analisa o fim desse projeto?
Foi uma decisão muito negativa
para todos. Para os adultos que não têm hoje outra alternativa e
para o país que não tem uma estratégia para a qualificação dos
adultos. Não se compreende como é possível que sendo Portugal um
dos países com maior défice de qualificação dos adultos, não tenha
uma estratégia, nem nada para dizer aos adultos. Aquilo que este
Governo fez foi colocar na rua os adultos que estavam nos centros
de formação e nas escolas, e não lhes deu nenhuma alternativa. O
país vai pagar caro tudo isto. O esforço que vamos ter que fazer
para voltar a inspirar confiança nestes adultos, que acreditaram
que tinham uma oportunidade, será enorme. Este Governo substituiu a
política de formação, por uma política de demografia. Deve esperar
que todos os adultos se reformem ou morram, para que o problema do
défice da qualificação se resolva.