Editorial

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A tribo da escola

RUIVO2012.jpgA escola é um referente tribal, na verdadeira acepção da palavra: com o seu conselho de seniores educadores, com os seus jovens aprendentes iniciáticos, a sua hierarquia de valores, regras estipuladas, ritos de passagem, cultos e símbolos, cerimónias de integração, regras de exclusão, mecanismos de coação, deuses e demónios atentos ao menor descuido e ligações tensas com as outras tribos que com ela disputam o mesmo tempo e o mesmo espaço…

Nesse lugar, partilhado por tantas e variadas gentes, as linguagens unificam os diferentes grupos que se constituem no seio desta complexa comunidade. O vestuário é utilizado como forma de comunicação integrativa: inclui e exclui quanto à pertença a grupos distintos e práticas quotidianas. A música é outro dos elementos identitários. E ajuda a diferenciar as gerações, as correntes estéticas e as opções políticas e ideológicas. Assim se constituem e renovam os grupos de pertença e os grupos de referência.

O movimento corporal, o gesto e a palavra, a expressão do rosto são canais comunicantes de permanente uso e que requerem aprendizagem e iniciação. Os valores dos símbolos materializam-se numa enormidade de objectos, escarificações, pinturas, adornos e gadgets.

Como qualquer tribo, a escola estratifica-se em grupos profissionais, culturais, sociais, ideológicos, religiosos e económicos. Os processos de inclusão são apertados e os de exclusão podem ser tangencialmente traumáticos. Daí nasce a força do proteccionismo, mas também da crueldade e do Bullying, enquanto prática de actos violentos contra os mais indefesos.

A tribo da escola, ao longo das gerações, foi elaborando um complexo rol de normas, regras, usos e costumes que determinam o seu funcionamento. Como a maioria destes normativos não se encontra redigido, a sua aprendizagem é longa, penosa e efectuada pelos métodos da tentativa/erro e do castigo/recompensa. Bem que se diga que nem todos os membros, dos adultos aos mais jovens, se revêem nestes modelos e padrões e, por isso, as condutas desviantes ocorrem com muita frequência e são sujeitas a recriminações, ostracismos e sanções.

Há, sempre, na tribo, alguns inadaptados. Por natureza são aqueles que não se conformam com as rotinas ancestrais e querem renovar, inovar e alterar a organização tribal. São, geralmente, uma minoria muito informada e activa. Mas o peso da tradição transforma-os em marginalizados e muitos dos anciães olham para eles com medo, suspeita e malícia e, por isso, invocam a perigosidade das suas opiniões.

A escola é uma tribo matriarcal. O conselho dos anciães, dos sábios educadores, é dominado pelo feminino. E, entre os jovens a socializar, também são as moças que predominam. A organização da tribo melhorou com esta alteração demográfica. Tornou-se mais tolerante, mais atenta à diversidade, mais acolhedora dos novos membros, mais perscrutante das necessidades individuais e colectivas e, logo, melhor preparada para enfrentar o futuro.

Ao espaço reservado para as aprendizagens colectivas, a tribo chama-o de aula. Os jovens não gostam desse lugar. Na aula, o currículo é muito formal, enfadonho, repleto de actos mecânicos, repetitivos, sem qualquer utilidade para enfrentar os desafios que se lhes deparam quando ultrapassam a orla da tribo e se embrenham na floresta. Aí, vale tudo, todos os perigos espreitam e os aprendentes nem sempre se sentem preparados, recorrendo ao improviso e às aprendizagens que receberam, uns dos outros, nas folias e recreações informais que desenvolviam depois das aulas.

Os educadores, os anciães da tribo, apesar de se se sentirem bem preparados, também não se sentem satisfeitos com os currículos formais que têm que transmitir às jovens gerações. Também eles se esforçam por mudar os saberes e os aprenderes, mas nem sempre com sucesso, porque sabem que os seus educandos terão que transpor os exames dos rituais de passagem que lhes permitirão assumir o estatuto de membros da tribo, de pleno direito.

Já os jovens preferem, indiscutivelmente, os currículos informais e ocultos. É de lá que sorvem as aprendizagens mais significantes para a sobrevivência no grupo de pares, na comunidade da tribo, e no mundo global que a rodeia. Muito desses aprenderes chegam-lhes de fora, através de uma complexa rede de canais de comunicação que as novas tecnologias lhes proporcionam, mas que têm que utilizar em segredos contidos, porque a tribo da escola evita que sejam utilizados. Os anciães têm-lhes temor, porque é feitiço novo que ainda mal sabem usar.

Esses currículos informais e ocultos também oferecem aos aprendentes a participação em rituais de iniciação marginais às regras e normas da tribo. Dizem eles que são mais gratificantes que os transmitidos no espaço da aula. Por isso privilegiam os pátios, os recreios, e as clandestinas fugas para fora das fronteiras da tribo escolar.

A tribo não vive isolada. As suas fronteiras colam com as de outros clãs que a tentam controlar e influenciar. Uns são coadjuvantes, e enaltecem o seu papel e o seu contributo para o bem-estar e o desenvolvimento do domínio territorial colectivo. Mas, outros, mais conservadores, permitem-se interferir na organização da comunidade, com a intenção de controlar as aprendizagens e as prácticas daí decorrentes, mutilando qualquer inovação educativa que os anciães queiram experienciar.

A tribo escolar é, pois, uma tribo global. E é bom que se afirme que a ela se reconhece ser o fundamento, o alimento e a razão de ser de todas as gerações. Em boa verdade a tribo da escola é um centro de conflitos e contradições. Mas são esses embates permanentes, essa luta dialética de contrários, que fazem surgir o novo e o renascer dos saberes e dos fazeres que impulsionam o conhecimento, o desenvolvimento e o bem-estar de todas as outras tribos que com a escola, felizmente, intercomunicam.

João Ruivo
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
ruivo@rvj.pt
 
 
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