Entrevista

Professor Espanhol é um dos melhores do mundo
A revolução educativa segundo César Bona

01_CesarBona.JPGÉ um dos professores mais influentes do mundo. A designação para o "Nobel" da docência mudou a sua vida e o espanhol César Bona quer agora contribuir para mudar a educação. Primeiro passo: ouvir os professores, os alunos e as famílias.

 

O que distingue a nova educação, que preconiza, da velha educação?

Se eu lhe perguntar que professor recorda quando era criança, tenho a certeza que me dirá alguém que o fez sentir bem. A nova educação, no fundo, é um convite à reflexão. Nunca deve haver uma luta entre tradicional e inovação, porque qualquer movimento que surja na escola deve ser incorporado, a pensar no bem estar dos rapazes e das raparigas.

Qual a principal transformação de que o sistema carece?

A principal é a necessidade de escutar. Os agentes de educação devem sentir-se com auto-estima, importantes e fazendo parte da escola e da educação. E se todos cumprirem o seu papel, vamos deixar uma marca, isso é fundamental.

Em Portugal os professores perderam autoridade nos últimos tempos. É possível motivar e inspirar com um défice de autoridade perante os alunos?

Em Espanha acontece o mesmo. Mas é preciso recuar no tempo. Em Espanha, há alguns anos, existia a autoridade e o respeito estava próximo do medo. Atualmente, foi-se ao extremo oposto. É preciso refletir e passar a mensagem que as famílias e os docentes devem ser uma equipa. A escola é o melhor lugar para ajudar as famílias a educar os seus filhos. Por isso, é preciso dialogar muito.

Diz-se frequentemente que a escola é aborrecida. É possível ensinar com criatividade?

Basta olhar para qualquer criança que está sempre irrequieta, curiosa e sempre a imaginar algo. Cada criança é um universo e somos todos distintos. Não se pode é entrar na escola e deixar esses ingredientes ausentes da sala de aula. Muitas vezes exige-se que as crianças se comportem como adultos nas salas de aula e são vistos como autênticos recipientes que só ali estão para serem enchidos. 

É um crítico dos trabalhos de casa. Defende que se acabe definitivamente com eles?

Se há trabalhos de casa devem ser para complementar o que se aprendeu na aula ou então para aprofundar algumas  matérias. As crianças já passam muitas horas na escola. Alguns estão a fazer trabalhos até à hora de jantar e no dia seguinte têm de acordar muito cedo. Os adultos estão um dia todo sentado à secretária diante de um computador e quando chegam a casa querem «desligar» e fazer algo diferente do que fizeram durante 7 ou 8 horas consecutivas. Com as crianças acontece o mesmo. O grande desafio que se deve ter é fazer com que as crianças tenham vontade de regressar o dia seguinte à escola e que não se sintam saturados. Infelizmente, os curriculums são muito extensos, mas as crianças não têm culpa.

É um professor como os outros, mas devido à sua popularidade tem a vantagem de ser ouvido por políticos e pelos órgãos de comunicação social. Sente-se um privilegiado?

Completamente, como eu costumo dizer, tenho um microfone. Sou plenamente consciente de que há milhares de professores que desenvolvem um trabalho extraordinário, mas que não têm voz, são anónimos. Estes últimos anos têm sido muito enriquecedores, tenho falado com crianças, pais, com colegas professores e com futuros professores que estão em formação. E a estes últimos procuro passar a mensagem que a profissão de professor é a mais bonita do mundo e a mais importante porque a partir dela surgem todas as outras.

02_CesarBona.JPGEstá em ano sabático numa digressão pelas escolas de Espanha que estão incluídas no projeto de mudança da nova educação. Que têm de especial estes estabelecimentos?

Têm em comum o facto de escutarem as crianças e os adolescentes e convidarem-nos a participar, não apenas na escola, mas na sociedade. Transmitem que o conhecimento é importante, mas alertam para a necessidade de como usar esse conhecimento, veiculando valores muito importantes no âmbito da responsabilidade social.

Nessas escolas os alunos têm melhor desempenho escolar?

Sim, as estatísticas assim o demonstram. Sentes-te escutado, querido e envolvido no teu trabalho. O rendimento tem de ser melhor. Acontece assim com todos os seres humanos. E os alunos destas escolas têm melhores resultados, não apenas escolarmente, mas também socialmente.

De que forma se manifestam socialmente?

Conheço casos de adolescentes que ajudam idosos ou que vão ajudar crianças a aprender inglês. E há outro episódio tocante. Numa escola da Galiza encontrei-me com uma criança de 8 anos, de seu nome Lucas. Perguntei-lhe o que fazia, ao que ele respondeu: «Estou a fazer um trabalho sobre o Alzheimer.» E perguntei-lhe quem lho tinha pedido. Ele respondeu: «Fiz, por minha iniciativa». E porquê? «Porque o meu avô morreu de Alzheimer, e já que não o posso salvar, quero ajudar a sociedade». Este é o tipo de escola que vamos conseguir, rompendo com a inércia individualista que existe. Estou convicto que desde tenra idade podemos educar as nossas crianças a olharem pela janela e melhorarem a sociedade em que vivem.

Que conhece da realidade educativa portuguesa? Há semelhanças com a espanhola?

Muitas. No caso dos trabalhos de casa passa-se rigorosamente o mesmo, também temos turmas com muitas crianças, etc.

Concorda com os rankings  para as melhores escolas?

Não. Os rankings das escolas fazem-me lembrar a classificação dos campeonatos de futebol…

No último barómetro PISA, Portugal registou uma assinalável melhoria em diversos critérios. Estes dados são fiáveis do estado da arte educativa?

Não podemos ignorar muitos dos parâmetros que são abordados nestes estudos, mas infelizmente, outros fatores são esquecidos, como a empatia, o respeito pelo outro, a tolerância, o compromisso social, etc. Isto não existe nos relatórios PISA. Só existe competência linguística, científica e matemática. E chega. Os resultados em Espanha não melhoraram e há 15 anos que continuamos a insistir na mesma tecla.

No que diz respeito à responsabilidade política nos resultados escolares, admite que um pacto educativo seria positivo?

Um pacto educativo teria de ter um caráter social e deveria ser feito ouvindo as famílias, os professores, as crianças e os adolescentes. Aos políticos só caberia assinar por baixo e implementá-lo. As ideologias políticas tornam as vistas mais curtas. Os políticos deviam ser mais abertos e conscientes de que a educação é o mais importante em que se pode apostar.

Tem sido chamado para reuniões com diversas personalidades, nomeadamente com políticos. Imagina um dia ser convidado para ministro da Educação do seu país?

Não. Sei de onde venho, que é ser professor, e sei para onde vou, que é continuar a ser professor. O que mais gosto de fazer na vida é estar com crianças numa sala de aula.

Os políticos procuram soluções mágicas?

Não há soluções mágicas para a educação. O que é preciso é escutar e dialogar. E já agora, arriscar. Pegue-se, por exemplo, no muito falado caso finlandês. Eles investem, mas estão dispostos a correr riscos. O que é admirável. Seria ótimo trazer o modelo deles para Portugal e para Espanha, mas aquilo que eu pergunto é se estarão ambas as sociedades preparadas para as mudanças?

Devemos copiar os bons exemplos?

Há grandes mudanças em curso nas escolas, mas estou em crer que é preciso o papel dos meios de comunicação social para que outras escolas sigam esses exemplos através do efeito contágio. O que se quiser que seja a sociedade, deve ser promovido a partir da escola, porque a escola serve para educar seres íntegros. Por isso, é enorme a responsabilidade dos professores. Temos de ter atitude e uma grande paixão para sermos modelos e condutores dos homens e mulheres de amanhã.

As novas tecnologias têm lugar na nova educação?

A  internet é um local tão vasto onde podes encontrar latas ferrugentas ou tesouros. Também neste ponto se deve educar no pensamento crítico e a capacidade de decisão. Hoje em dia a tecnologia é indispensável, é um novo mundo do qual não devemos prescindir, mas deve ser usado para adquirir e partilhar conhecimento, mas com a devida prudência.

Defende a aproximação das mesas entre os alunos nas salas de aula. O uso de novas tecnologias não vai afastar as crianças?

A ferramenta mais importante na educação é a língua e o contacto com o colega próximo. A tecnologia não tem necessariamente de roubar tempo ao diálogo, tem é de ser complementar.

Num mundo caótico e incerto como o que vivemos, a educação pode salvar a Humanidade?

Sinto-me um privilegiado por ser professor porque privo diariamente com meninos e meninas e ajudo-os a olhar em seu redor e para o mundo em que vivem. Eu acho que a educação muda as coisas para melhor. É nisso que acredito, por isso, sou e serei professor.

Nuno Dias da Silva
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