Bocas do galinheiro
Presos no tempo
Um
dia destes, um artigo de Ricardo Costa no Expresso trouxe-me à
memória um filme que já não vejo há muito tempo, a propósito da
descrição que faz do nosso Ministro das Finanças. Reza assim: "No
fundo, Mário Centeno deita-se à noite com a esperança de acordar
num dia diferente mas acorda sempre no mesmo dia, com os mesmos
problemas e a mesma pressão". Convém lembrar que esta afirmação vem
a propósito da novela da Caixa, mas podia ser referida a propósito
de um sem número de situações actuais: o défice baixa, mas os juros
sobem e a dívida pública aumenta; o ordenado mínimo sobe mas nas
administrações públicas, trabalhadores que ganhavam acima desse
valor, passam agora a ser remunerados pelo mesmo, ou seja, estão há
largos anos a patinar no mesmo ordenado e, de repente, passaram a
ganhar o mesmo que um recém admitido naquilo a que agora já não se
chama função pública, há ainda alguém que se lembre da TSU? Claro
que não! Estamos no dia anterior, uma espécie de anestesia geral.
E, para não nos alongarmos muito e não termos espaço para o que nos
traz aqui, o filme, ficamos por aqui, porque amanhã pode ser
ontem.
Vem então isto a propósito do filme
em que o protagonista, tal como o nosso risonho ministro, acorda
todos os dias no mesmo dia: "Groundhog Day" (O Feitiço do Tempo,
1993), dirigido por Harold Ramis, que como actor tinha estado ao
lado de Bill Murray em "Os Caça Fantasmas", de 1984, e como
realizador nos deu alguns anos depois "Uma Questão de Nervos", com
Robert de Niro e Billy Crystal, receita que viria a repetir em
2002.
A história é simples, apesar de, já
vamos ver, ser complicada. Contraditório? Quiçá. Mas adiante. Phil
Connors (Bill Murray), apresentador como se dizia por cá, do
boletim meteorológico numa televisão de Pittsburgh, é enviado a uma
pequena povoação na Pensilvânia, Punxstawnwey, para fazer a
reportagem do festival anual do Dia da Marmota, 2 de Fevereiro, dia
em que é suposto uma marmota sair da toca e, se o bicho vir a
própria sombra, ou seja, se estiver um dia de sol, haverá mais seis
semanas de inverno. Se a marmota não vir a sombra, então a
primavera chegará mais cedo. Ora, a última coisa que Phil quer é
fazer esta reportagem. Como tal são a sua produtora, Rita (Andie
Macdowell) e o camaraman, a gramar com o seu mau feitio e
insolência. A marmota lá apareceu, Phil fez o frete para que tinha
sido escalado. Mas, na viagem de regresso, são surpreendidos por
uma tempestade que os obriga a voltar à pequena cidade. Na manhã
seguinte, quando toca o despertador, Phil ouve na rádio a mesma
música, "I've Got You Babe", de Sonny and Cher, às seis da manhã,
mas do dia anterior. É novamente o Dia da Marmota!
E, daqui para a frente esta cena
repete-se, e Phil percebe que tudo lhe é permitido fazer naquele
dia, porque amanhã é de novo 2 de Fevereiro. Assim, aprende a tocar
piano, assombra mesmo ao interpretar " Rapsódia Sobre um Tema de
Paganini" de Sergei Rachmaninoff, salva um miúdo que cai de uma
árvore, um homem de morrer engasgado num restaurante, alimenta um
sem-abrigo, faz esculturas de gelo e, mais importante que tudo,
passa a ser simpático para com a equipa, e inicia um processo de
sedução a Rita, o que vai conseguir. A pouco e pouco, vai sabendo
os gostos dela e, todos os dias, que são sempre 2 de Fevereiro, o
que para ele é o reinício, para ela tudo é novo e surpreendente,
porque Phil lhe lê os seus poemas preferidos, descobre a sua bebida
favorita and so on! Um filme sedutor, uma comédia romântica, mas
com contornos quase de ficção científica, um 'trapped in a time
loop', muito ao gosto do género, partindo de uma história que
parece não ter fim. Uma odisseia dum homem para quem hoje é amanhã
e de novo hoje e que deu a Bill Murray uma interpretação de
primeira linha, agarrando aquele Phil cínico e rezingão e
transformando-o no homem pelo qual Rita pagou trezentos e trinta e
nove dólares e oitenta e oito cêntimos! E, nessa noite, quebrou o
feitiço. Acordaram no dia seguinte. Muitos anos depois!
Até à próxima e bons filmes!
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Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
João Rosa