Entrevista

Jaime Nogueira Pinto, Politólogo
«Trump é uma espécie de E.T.»

_MG_5234JNogueiraPinto(fotoRuiOchoa).jpgAs controvérsias em torno do homem mais poderoso do mundo, o processo da Catalunha e o futuro da Europa, são motes para refletir sobre os «bárbaros» e os «iluminados» que nos governam.

No seu mais recente livro «Bárbaros e iluminados» começa com Emmanuel Macron, a quem chama «o filho das luzes» que derrotou Marine Le Pen nas presidenciais francesas. Os «bárbaros» estão lentamente a chegar ao poder e a substituir a «elite internacionalista»?
A partir do século XIX a ciência e a técnica alteram a natureza humana. Os «iluminados» são os defensores da utopia e que se consideram pessoas de vanguarda e homens de progresso. A grande utopia iluminada e iluminista com que nos confrontamos é a ideia, que sobretudo se acentuou após o fim da Guerra Fria, da globalização económica como grande objetivo da Humanidade, uma confiança cega nas leis do mercado e também a exportação do modelo democrático ocidental para todo o mundo. É nestes pressupostos que assentaria uma Humanidade mais feliz.

Mas nem todos estão de acordo com essas premissas?
Precisamente. São as resistências, que radicam principalmente na Europa e nos Estados Unidos e que entendem que estão a perder com esse fenómeno. E porquê? Economicamente, porque perdem empregos e rendimentos. Socialmente, porque perdem estatuto e identidade. Veem a sua soberania em risco porque as suas culturas e fronteiras foram invadidas por outros povos e raças que não são integráveis na cultura original.

E resistem como?
Rejeitando aqueles candidatos, modelos ou soluções políticas que lhes parecem como encarnando os tais «iluminados» e esse futuro radioso. O «Brexit», a eleição de Donald Trump e o fenómeno da «Front National» são três acontecimentos que traduzem essa rejeição. Mas, entretanto, já depois do livro ter sido editado, surgem outros fenómenos. Repare que na Alemanha os dois maiores partidos - a CDU e o SPD - que normalmente tinham 70/80 por cento da votação, agora dificilmente chegam a 50 por cento e são obrigados a coligar-se para evitar que outras forças avancem. Pelo contrário, na Hungria, na Polónia, na República Checa e na Áustria já temos no poder forças políticas que encarnam, por um lado, uma linha conservadora e religiosa, e por outro, uma linha de nacionalismo identitário, já mais radical.

Pelo que descreve, há movimentos muito distintos de resistência ao modelo único de globalização…
Trata-se de uma revolta face ao «status quo» que assume dimensões diversas. Os eleitores de Trump escolheram algo que lhes permitia não ter Hillary Clinton na Casa Branca, uma personalidade que representava o sistema internacionalista, globalizante, libertário em costumes e politicamente correto. E que assumia as caraterísticas da elite intelectual americana, de Hollywood e do dinheiro. Os republicanos contrapõem com um personagem muito curioso e que é completamente fora do baralho. Trump é um empresário um bocado marginal ligado à área da construção, que não é propriamente dos setores mais nobres. Ele é uma espécie de E.T., que vem de fora do sistema.

O ser fora do sistema foi um trunfo decisivo?
A sua capacidade retórica, por vezes algo demagógica, foi muito importante. E, talvez o mais importante, foi o slogan «Make America Great Again», aquilo a que eu chamo a nostalgia. Mas este fenómeno tem origens, por exemplo, na revolta dos movimentos populistas e na luta contra a coligação dos grandes interesses financeiros e, mais recentemente, a resistência aos imigrantes que veem depreciar os preços do trabalho.

Escreve que a vitória de Trump significa «a entrada dos "bárbaros" no coração de Atenas e Roma». Este primeiro ano de mandato foi mais atribulado do que esperava?
Houve, de facto, muitos episódios recambolescos, mas ele tem a seu favor o facto de a economia nunca ter corrido tão bem. O desemprego está em 4 por cento, o que numa sociedade como a americana é zero. Mesmo o desemprego nos afro-americanos, que costumava ser elevado, está num recorde histórico de 6,8 por cento. Para além disso, uma economia industrial desenvolvida prevê-se que cresça 3 por cento, o que é extraordinário.

Foi uma vitória contra tudo e contra todos?
É preciso que se diga que ele não ganha por acaso, ganha por uma estratégia muito bem definida. Trump não é um homem da política, tem caraterísticas autoritárias e auto-contemplativas muito fortes. Ele é um emocional que descarrega com fúria os seus «tweets». Mas não podemos esquecer que conseguiu derrotar todas as forças do sistema, não apenas o Partido Democrata, mas também os grandes meios de comunicação social norte-americanos, com exceção da Fox News, e também não contava com o apoio do dinheiro de Wall Street e de Silicon Valley. O top 10 dos americanos mais ricos estava todo contra si, excetuando os irmãos David e Charles Koch.

O voto em Trump foi mais de protesto do que por convicção?
É a constatação de que as populações estão a reagir e não apenas nos Estados Unidos. Veja que em França foram registados muitos casos de eleitores que transferiram o seu voto do Partido Comunista diretamente para a «Front National». Começam a chegar à conclusão que a grande proteção é a fronteira. Assistiu-se à redescoberta da fronteira como proteção. As classes trabalhadoras da Europa e dos Estados Unidos foram muito dizimadas e perderam perder negocial e aquisitivo. Sentem-se revoltadas e descontentes. Votam coisas diferentes. As forças do sistema estão a lidar mal com esses fenómenos porque preferem atribuir esse voto de protesto a teses conspiratórias ou ao renascimento dos fascismos, em vez de apurarem as suas causas reais.

Escreve no livro sobre o «quarto poder» e dos «media» que amaram e odiaram sucessivas administrações republicanas e democratas. Trump vai sobreviver ao cerco mediático?
Kennedy tinha elementos da sua segurança a transportar prostitutas para a Casa Branca e nunca ninguém falou disso. Havia uma proteção enorme por afinidades sociais, políticas e ideológicas, mas era um segredo polichinelo para quem lá estava. Nixon tinha contra ele o facto de tratar mal os jornalistas e de não ser uma pessoa simpática e ele devolvia-lhes na mesma moeda. Reagan foi alvo de grandes guerras, mas no essencial foi poupado muito por causa do seu charme natural muito grande. Contra Trump há uma guerra de morte, não só da comunidade mediática, mas também da elite intelectual, de Hollywood, etc. Eles odeiam-no até à paranóia, mas o atual presidente americano não se importa nada.

O «impeachment» está fora de questão?
Se houvesse motivos para avançar, já estava em curso. No caso com os russos, o que seria grave era que se provasse que Trump tinha feito um negócio com eles, dando qualquer coisa em troca. Não há vestígios disso em lado nenhum. Mas ele toma boas e más decisões. Por exemplo, reconhecer Jerusalém como capital de Israel foi incompreensível e serviu apenas para agradar aos evangélicos, uma franja do seu eleitorado.

Voltamos à nossa Europa. O «Brexit» abanou muito o velho continente, mas a eleição de Macron trouxe um novo otimismo. É um político que lhe inspira confiança?
O presidente francês é um homem completamente fora do sistema, passou pela École Nationale d'Administration, o Banco Rothschild - uma entidade especializada em aquisições e fusões -, pelo Partido Socialista e por um governo socialista, irradiando a imagem que é 500 por cento fora do sistema, quando nunca de lá saiu. Macron é uma espécie de populista do centro e retoma um discurso europeu mais fundamentalista. Mas ele sozinho, sem o «tandem» com Berlim, não vai conseguir fazer avançar a Europa.

O processo da Catalunha está longe de ser resolvido. O independentismo é outra forma de «bárbaros» contra «iluminados», o mesmo é dizer, entre independentistas e unionistas?
É e não é. O independentismo catalão é um processo muito complicado, mas tem a vantagem de não ter gerado confrontos físicos muito violentos entre as duas tendências. Mas quem conhece bem a região sabe que as famílias estão profundamente divididas. Madrid, nesse aspeto, também andou mal, porque foi demasiado rígida. E estou em crer que se tivesse deixado fazer o referendo os unionistas tinham ganho, inclusive com o voto de muitos independentistas. Seria a «reprise» do referendo na Escócia e no Quebeque. Mas este processo na Catalunha tem um lado muito interessante e saudável que é o regresso da política. Eles estão dispostos a perder economicamente, como já os ingleses no «Brexit» fizeram, para ganhar soberania. O custo económico destes movimentos para as pessoas que lá residem é altíssimo.

Há um par de anos estava em debate o futuro da União Europeia e a viabilidade do projeto europeu. O risco de colapso da UE está ultrapassado?
O risco permanece. A Polónia, a Hungria, a República Checa e a Áustria, por exemplo, se se sentirem muito incomodadas podem pedir para sair. Esses estados não querem imigrantes de outros continentes. Estes tempos novos vão continuar a ser marcados por extrema volatilidade. Em meados dos anos 80 eram muito poucos os que pensavam que a União Soviética colapsasse. Por isso, não sabemos o que o futuro nos reserva.

 

Cara da Notícia

O defensor de Salazar

Jaime Nogueira Pinto nasceu no Porto a 4 de fevereiro de 1946. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa e é doutorado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, escola onde deu aulas nos cursos de Ciência Política e Relações Internacionais. Foi diretor do jornal «O Século» e administrador da Bertrand. «Bárbaros e Iluminados - Populismo e utopia no século XXI» é o seu último livro, com a chancela da D. Quixote. Em 2006 defendeu no programa «Grandes Portugueses», transmitido na RTP, a personalidade de Oliveira Salazar.

Nuno Dias da Silva
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