Jaime Nogueira Pinto, Politólogo
«Trump é uma espécie de E.T.»
As controvérsias em torno do homem mais poderoso do
mundo, o processo da Catalunha e o futuro da Europa, são motes para
refletir sobre os «bárbaros» e os «iluminados» que nos
governam.
No seu mais recente livro «Bárbaros e iluminados» começa
com Emmanuel Macron, a quem chama «o filho das luzes» que derrotou
Marine Le Pen nas presidenciais francesas. Os «bárbaros» estão
lentamente a chegar ao poder e a substituir a «elite
internacionalista»?
A partir do século XIX a ciência e a técnica alteram a natureza
humana. Os «iluminados» são os defensores da utopia e que se
consideram pessoas de vanguarda e homens de progresso. A grande
utopia iluminada e iluminista com que nos confrontamos é a ideia,
que sobretudo se acentuou após o fim da Guerra Fria, da
globalização económica como grande objetivo da Humanidade, uma
confiança cega nas leis do mercado e também a exportação do modelo
democrático ocidental para todo o mundo. É nestes pressupostos que
assentaria uma Humanidade mais feliz.
Mas nem todos estão de acordo com essas
premissas?
Precisamente. São as resistências, que radicam principalmente na
Europa e nos Estados Unidos e que entendem que estão a perder com
esse fenómeno. E porquê? Economicamente, porque perdem empregos e
rendimentos. Socialmente, porque perdem estatuto e identidade. Veem
a sua soberania em risco porque as suas culturas e fronteiras foram
invadidas por outros povos e raças que não são integráveis na
cultura original.
E resistem como?
Rejeitando aqueles candidatos, modelos ou soluções políticas que
lhes parecem como encarnando os tais «iluminados» e esse futuro
radioso. O «Brexit», a eleição de Donald Trump e o fenómeno da
«Front National» são três acontecimentos que traduzem essa
rejeição. Mas, entretanto, já depois do livro ter sido editado,
surgem outros fenómenos. Repare que na Alemanha os dois maiores
partidos - a CDU e o SPD - que normalmente tinham 70/80 por cento
da votação, agora dificilmente chegam a 50 por cento e são
obrigados a coligar-se para evitar que outras forças avancem. Pelo
contrário, na Hungria, na Polónia, na República Checa e na Áustria
já temos no poder forças políticas que encarnam, por um lado, uma
linha conservadora e religiosa, e por outro, uma linha de
nacionalismo identitário, já mais radical.
Pelo que descreve, há movimentos muito distintos de
resistência ao modelo único de globalização…
Trata-se de uma revolta face ao «status quo» que assume dimensões
diversas. Os eleitores de Trump escolheram algo que lhes permitia
não ter Hillary Clinton na Casa Branca, uma personalidade que
representava o sistema internacionalista, globalizante, libertário
em costumes e politicamente correto. E que assumia as
caraterísticas da elite intelectual americana, de Hollywood e do
dinheiro. Os republicanos contrapõem com um personagem muito
curioso e que é completamente fora do baralho. Trump é um
empresário um bocado marginal ligado à área da construção, que não
é propriamente dos setores mais nobres. Ele é uma espécie de E.T.,
que vem de fora do sistema.
O ser fora do sistema foi um trunfo
decisivo?
A sua capacidade retórica, por vezes algo demagógica, foi muito
importante. E, talvez o mais importante, foi o slogan «Make America
Great Again», aquilo a que eu chamo a nostalgia. Mas este fenómeno
tem origens, por exemplo, na revolta dos movimentos populistas e na
luta contra a coligação dos grandes interesses financeiros e, mais
recentemente, a resistência aos imigrantes que veem depreciar os
preços do trabalho.
Escreve que a vitória de Trump significa «a entrada dos
"bárbaros" no coração de Atenas e Roma». Este primeiro ano de
mandato foi mais atribulado do que esperava?
Houve, de facto, muitos episódios recambolescos, mas ele tem a seu
favor o facto de a economia nunca ter corrido tão bem. O desemprego
está em 4 por cento, o que numa sociedade como a americana é zero.
Mesmo o desemprego nos afro-americanos, que costumava ser elevado,
está num recorde histórico de 6,8 por cento. Para além disso, uma
economia industrial desenvolvida prevê-se que cresça 3 por cento, o
que é extraordinário.
Foi uma vitória contra tudo e contra todos?
É preciso que se diga que ele não ganha por acaso, ganha por uma
estratégia muito bem definida. Trump não é um homem da política,
tem caraterísticas autoritárias e auto-contemplativas muito fortes.
Ele é um emocional que descarrega com fúria os seus «tweets». Mas
não podemos esquecer que conseguiu derrotar todas as forças do
sistema, não apenas o Partido Democrata, mas também os grandes
meios de comunicação social norte-americanos, com exceção da Fox
News, e também não contava com o apoio do dinheiro de Wall Street e
de Silicon Valley. O top 10 dos americanos mais ricos estava todo
contra si, excetuando os irmãos David e Charles Koch.
O voto em Trump foi mais de protesto do que por
convicção?
É a constatação de que as populações estão a reagir e não apenas
nos Estados Unidos. Veja que em França foram registados muitos
casos de eleitores que transferiram o seu voto do Partido Comunista
diretamente para a «Front National». Começam a chegar à conclusão
que a grande proteção é a fronteira. Assistiu-se à redescoberta da
fronteira como proteção. As classes trabalhadoras da Europa e dos
Estados Unidos foram muito dizimadas e perderam perder negocial e
aquisitivo. Sentem-se revoltadas e descontentes. Votam coisas
diferentes. As forças do sistema estão a lidar mal com esses
fenómenos porque preferem atribuir esse voto de protesto a teses
conspiratórias ou ao renascimento dos fascismos, em vez de apurarem
as suas causas reais.
Escreve no livro sobre o «quarto poder» e dos «media» que
amaram e odiaram sucessivas administrações republicanas e
democratas. Trump vai sobreviver ao cerco mediático?
Kennedy tinha elementos da sua segurança a transportar prostitutas
para a Casa Branca e nunca ninguém falou disso. Havia uma proteção
enorme por afinidades sociais, políticas e ideológicas, mas era um
segredo polichinelo para quem lá estava. Nixon tinha contra ele o
facto de tratar mal os jornalistas e de não ser uma pessoa
simpática e ele devolvia-lhes na mesma moeda. Reagan foi alvo de
grandes guerras, mas no essencial foi poupado muito por causa do
seu charme natural muito grande. Contra Trump há uma guerra de
morte, não só da comunidade mediática, mas também da elite
intelectual, de Hollywood, etc. Eles odeiam-no até à paranóia, mas
o atual presidente americano não se importa nada.
O «impeachment» está fora de questão?
Se houvesse motivos para avançar, já estava em curso. No caso com
os russos, o que seria grave era que se provasse que Trump tinha
feito um negócio com eles, dando qualquer coisa em troca. Não há
vestígios disso em lado nenhum. Mas ele toma boas e más decisões.
Por exemplo, reconhecer Jerusalém como capital de Israel foi
incompreensível e serviu apenas para agradar aos evangélicos, uma
franja do seu eleitorado.
Voltamos à nossa Europa. O «Brexit» abanou muito o velho
continente, mas a eleição de Macron trouxe um novo otimismo. É um
político que lhe inspira confiança?
O presidente francês é um homem completamente fora do sistema,
passou pela École Nationale d'Administration, o Banco Rothschild -
uma entidade especializada em aquisições e fusões -, pelo Partido
Socialista e por um governo socialista, irradiando a imagem que é
500 por cento fora do sistema, quando nunca de lá saiu. Macron é
uma espécie de populista do centro e retoma um discurso europeu
mais fundamentalista. Mas ele sozinho, sem o «tandem» com Berlim,
não vai conseguir fazer avançar a Europa.
O processo da Catalunha está longe de ser resolvido. O
independentismo é outra forma de «bárbaros» contra «iluminados», o
mesmo é dizer, entre independentistas e unionistas?
É e não é. O independentismo catalão é um processo muito
complicado, mas tem a vantagem de não ter gerado confrontos físicos
muito violentos entre as duas tendências. Mas quem conhece bem a
região sabe que as famílias estão profundamente divididas. Madrid,
nesse aspeto, também andou mal, porque foi demasiado rígida. E
estou em crer que se tivesse deixado fazer o referendo os
unionistas tinham ganho, inclusive com o voto de muitos
independentistas. Seria a «reprise» do referendo na Escócia e no
Quebeque. Mas este processo na Catalunha tem um lado muito
interessante e saudável que é o regresso da política. Eles estão
dispostos a perder economicamente, como já os ingleses no «Brexit»
fizeram, para ganhar soberania. O custo económico destes movimentos
para as pessoas que lá residem é altíssimo.
Há um par de anos estava em debate o futuro da União
Europeia e a viabilidade do projeto europeu. O risco de colapso da
UE está ultrapassado?
O risco permanece. A Polónia, a Hungria, a República Checa e a
Áustria, por exemplo, se se sentirem muito incomodadas podem pedir
para sair. Esses estados não querem imigrantes de outros
continentes. Estes tempos novos vão continuar a ser marcados por
extrema volatilidade. Em meados dos anos 80 eram muito poucos os
que pensavam que a União Soviética colapsasse. Por isso, não
sabemos o que o futuro nos reserva.
Cara da
Notícia
O defensor de
Salazar
Jaime Nogueira Pinto nasceu no
Porto a 4 de fevereiro de 1946. Licenciou-se em Direito pela
Universidade de Lisboa e é doutorado pelo Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas, escola onde deu aulas nos cursos de
Ciência Política e Relações Internacionais. Foi diretor do jornal
«O Século» e administrador da Bertrand. «Bárbaros e Iluminados -
Populismo e utopia no século XXI» é o seu último livro, com a
chancela da D. Quixote. Em 2006 defendeu no programa «Grandes
Portugueses», transmitido na RTP, a personalidade de Oliveira
Salazar.
Nuno Dias da Silva
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