Opiniao

‘Pedagogia (a)crítica no Superior’ (XXX)
Rendimento mínimo

luis-souta.jpeg«Mas desde que se proclamou que a pedagogia deve ser uma forma de evitar o esforço
chegou-se rapidamente à conclusão de que todo o esforço é chatíssimo.»
(Eduardo Prado Coelho, Público, 17/08/00)

O retomar da actividade académica, depois de uma saborosa licença sabática, teve um sabor agridoce. O regresso às aulas era o que o Prof.S. mais desejava; sentia falta das conversas lectivas sobre matérias que tanto o entusiasmavam. E, neste 2º semestre, iria ter, pela primeira vez, uma turma com 9 estudantes Erasmus de quatro diferentes países (uma lufada de ar fresco e em formato reduzido); as aulas seriam dadas, naturalmente, em inglês (a internacionalização das instituições, na senda de novas clientelas, assim o obriga). O reverso, estava no quotidiano fastidioso da 'reunite' escolar, onde a ciência e a pedagogia ficam, por regra, adiadas face à (sempre urgente) burocracia administrativa. Mas, o pior de tudo, era o processo de avaliação de desempenho que, por imposição da A3ES, iria, infelizmente, arrancar. Avizinhavam-se tempos de discórdia em torno de um dispositivo (nada friendly) que tudo pretende quantificar e que ao atomizar ad nauseam a actividade docente, acaba por desbaratar o sentido holístico do profissional do ensino superior.
Ao entrar no campus, verificou andarem por ali toupeiras mecânicas a esventrar os relvados. Problemas nas condutas da água, com certeza. Depois de longos meses de intervenção na cobertura do edifício (optar pela tela em vez da telha teve estes enormes custos), com o estaleiro das obras a dar ali um ar abarracado, aquele espaço tardava em voltar a ser aprazível. Mas ao entrar na escola, esta pareceu-lhe bem mais bonita. As paredes haviam recuperado a cor original, o branco. Os baldes, que aparavam o gotejar intermitente, desapareceram. Agora já não chovia no interior! Ao invés, o equipamento das salas de aula padecia dos males crónicos: a lâmpada não pára de piscar, o estore não abre, o ecrã não sobe, o computador slow tarda em arrancar, os placards de papéis amarelecidos (ali deixados desde o ano passado) dão um ar de desarrumação e desleixo.
E os estudantes? Cada vez mais raparigas e menos rapazes. Eles continuam a resguardar-se na fila de trás, entretidos com os seus portáteis ou smartphones, desatentos e desmotivados. Elas, em contrapartida, escolhem as filas da frente, concentradas e intervenientes. Sim, estes estudantes nada têm a ver com o perfil que a maioria dos seus professores tinha quando estudara na universidade, no período da ditadura. Os actuais jovens, filhos da democracia (que os professores ajudaram a erguer), reivindicam pouco ou nada, estão acomodados. Não os move a utopia. São «os filhos de Rousseau», cultivadores do hedonismo e do consumismo desenfreado - a geração do «excesso de ego» (Augé, 1992) e do «rendimento mínimo». Vivem no primado do prazer, já. Fazem as uc com o menor dos esforços, trabalham qb. Detestam testes e exames, refugiando-se, preferencialmente, nos trabalhos de grupo (de boleias solidárias) e nas apresentações com cábula (o powerpoint). Aprender? Isso é uma questão colateral, de somenos importância. A biblioteca continua vazia. Não têm livros nem jornais como companhia. Vivem em trânsito permanente (mas queixam-se da falta de tempo para o estudo). A televisão e as redes sociais definem-lhes os interesses, as prioridades, os temas para os trabalhos de grupo. A onde nos leva a «pedagogia centrada nos interesses dos alunos»? À abordagem do supérfluo, do senso comum, do trivial.
Chegado ao seu sobrelotado gabinete, o Prof.S., ao esquadrinhar num dos dossiês, deparou com uma folha intitulada 'conflito de gerações'. Estavam lá quatro frases que ele costumava comentar nas suas aulas. Releu a primeira: «A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus.» (Sócrates, 470-399 a.C.) Pois, temos que ter mais cuidado com as generalizações. Talvez a coisa não seja assim tão dramática… E, de repente, dirigiu-se à Biblioteca para requisitar o livro de John Updike (1959), A Feira; desfolhou-o e, na página 162, encontrou a citação que procurava: «Os velhos são sempre antiquados, embora tivessem tido uma juventude moderna. Crescemos para trás e, com a idade, retomamos as opiniões dos nossos pais, e até mesmo as dos nossos avós.»
E mais animado, o Prof.S. encaminhou-se para a ala norte, onde os seus estudantes já o aguardavam à porta da sala, apesar do seu ligeiro atraso.

Luís Souta
(Este texto não segue o AO90)
luis.souta@ese.ips.pt
 
 
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