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Bocas do Galinheiro
Por uma imprensa livre

bocas.jpgQuando o Magazine celebra 20 anos de vida e as Bocas para lá caminham, vem a propósito um tema que deve ser caro a todos os que trabalham em jornais, e não só: a liberdade de imprensa, que pressupõe disponibilidade para enfrentar o poder e os poderosos que, sabe-se, não hesitam em usar os media como meio de propaganda, não resistindo alguns a terem os seus jornais, rádios e televisões, de que Berlusconi, ao que parece está de regresso, foi (mau) exemplo maior. Já antes abordámos o tema da atracção mútua entre o cinema e os media que sempre foi intensa, como qualquer atracção que se preze. Mas, também o jornalista íntegro, sempre pronto a lutar pela liberdade, a de imprensa e a das ideias, faz parte deste mundo. E é deste, ou destes, de que gostamos e prezamos, numa altura em que a vida não corre bem para a imprensa em geral, e para os jornais em papel em particular.
Numa época de fake news à la Trump, além da efeméride que neste número se evoca, vem isto a propósito do último filme de Steven Spielberg "The Post", a história da divulgação dos "Pentagon Papers" pelo "Washingtos Post", um hino à imprensa livre numa altura em que os Estados Unidos enfrentavam uma cada vez maior contestação à guerra que combatiam (e morriam) no Vietname (curiosamente Trump conseguiu safar-se), e as justificações que eram cada vez mais difíceis de encaixarem com a realidade. É nesta altura que Daniel Ellsberg faz chegar ao "New York Times" cópias de um relatório de meados dos anos 60 encomendado pelo ex-Secretário da Defesa de John Kennedy e de Lyndon Johnson, Robert McNamara, sobre a intervenção americana no Vietname e em toda a região, onde se concluía o que já era óbvio: de que era uma guerra inútil, em que os americanos não tinham hipótese de vencer, mas, acima de tudo, era um retrato das sucessivas intervenções na região e a silêncio cúmplice de anteriores administrações face ao conflito, que passaram a público como "The Pentagon Papers". Inicialmente divulgado no "The New York Times", o governo de Nixon conseguiu que a publicação do relatório fosse proibida, tendo o mesmo chegado ao Washington Post, colocando-se aos responsáveis do jornal o dilema da sua divulgação. E é aqui que entram em campo, aparentemente opostos, os dois protagonistas do filme e da realidade: Katharine "Kay" Graham (Meryl Streep) editora e proprietária do jornal, que herdou depois da morte do marido, que o havia recebido do pai dela, outros tempos, e Ben Bradlee (Tom Hanks) o mítico director do Washington Post.
Quando o jornal passava por aperto financeiro e necessitava e conseguiu financiamento, Kay vê cair-lhe nos braços a decisão da sua vida: defender a liberdade de imprensa e o "dever" de publicar um documento que põe a nu todo o rol de mentiras que vinham sendo "vendidas" por sucessivas administrações sobre o Vietname, ou garantir os investidores, sem tocar num tema que iria afrontar o poder, a Casa Branca, fulanizados por Nixon, o que poderia significar o fim do jornal, há décadas propriedade da família. Apesar de pertencer ao "meio", era amiga de McNamara, tal como Bradlee, conviveu de perto com John Kennedy, acabou por decidir pela publicação, aguentou a perseguição do presidente e ganhou no Supremo. Arriscou, até a possibilidade de ser presa, e venceu em todos os campos. E é este dilema que é dirigido de uma forma sublime por Spielberg, com uma fotografia soberba de Janusz Kaminski, em 35 m/m, como à época, sem efeitos especiais, sem explosões, mas com muita garra e, invulgar em Spielberg, tomando posição clara a favor da liberdade de imprensa e do jornalismo. Sabemos que tudo fez para que o filme saísse ainda em 2017, por causa de Trump, desde logo, e para a corrida aos Oscar.
Falar das interpretações de Meryl Streep e Tom Hanks é já um lugar-comum. São dois monstros sagrados do cinema americano, mas aqui bem acompanhados por Bob Odenkirk, no papel de Ben Bagdikian, o contacto do Post com Ellsberg, ou Sarah Paulson, a mulher de Bradlee, que vê a sua casa transformada em redacção do jornal, entre outro.
Claro que a época está meticulosamente recriada, da tipografia à rotativa, até à mítica fotocopiadora, mas acima de tudo o ambiente dos bastidores do jornal. E, no final, um piscar de olho ao grande triunfo do "The Washigton Post": o derrube de Nixon na sequência do caso Watergate, que deu outro grande filme, All The President's Men ("Os Homens do Presidente", 1976), realizado por Alan J. Pakula. Os jornalistas responsáveis por essa investigação, como se lembram, são os formidáveis Dustin Hoffman e Robert Redford.
Era a imprensa a funcionar que, queremos, continue.

Luís Dinis da Rosa
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