Nélida Piñon recebe Prémio Virgílio Ferreira
A escritora brasileira Nélida Piñon recebeu, no passado dia 1 de
março, o Prémio Literário Virgílio Ferreira, atribuído pela
Universidade de Évora, e entregue pela reitora da instituição, Ana
Costa Freitas. No momento de receber o prémio, Nélida Piñon referiu
que "aprendi desde cedo que a arte literária é exigente"; para
sobreviver aos desafios da escrita "há que trilhar sendas
inovadoras e saber que ao dar início à jornada da escrita duvida-se
onde ancorar".
Em nota de imprensa enviada ao Ensino Magazine pela Universidade
de Évora, a vencedora do Prémio, nascida no Rio de Janeiro no
ano de 1937, revela que continua a escrever "furiosamente". Estreou
na literatura com o romance "Guia-mapa de Gabriel
Arcanjo", publicado em 1961, e considera que a "arte de
narrar é tirana, ela cobra o espesso sangue da memória para
existir"; "cobre-se de pecado", e "induz-me a crer que a arte, não
tendo piedade, é feita de destroços culturais, propensa a
semear a discórdia".
A autora de "A república dos sonhos" diz-se "aprendiz" na
prática do seu ofício; "agradeço aos Deuses o dom da escrita
assoberbada por falhas e temores", defendendo que "a angústia
estética é recomendável", esta exige que "ascendamos a um patamar
acima", mas "não nos iludamos com a falsa noção de perfeição".
Brasileira, com origem galega, enalteceu a língua portuguesa,
"instrumento" da sua criação literária, que pese
embora "doa na alma com seus dilemas e fraquezas" está disposta a
"morrer nessa escalada" por acreditar "no arrobo amoroso" que tem
pela língua de camões.
A admiração da escritora por Vergílio Ferreira "vem de longe",
surpreendendo-a a "criação pejada de grandeza revestida de saberes
e de reflecções filosóficas a indicarem uma rara
fala civilizatória que deitava raízes nas geografias,
onde a tribo humana estivera no afã de marcar a sua presença". Dono
de uma "linguagem inventiva", Vergílio Ferreira denota desde
as primeiras obras "uma narrativa de refinada linguagem",
situando-se o autor de Aparição, no lote dos escritores que
"contam a história da humanidade".
Em nota enviada à UÉ pela Ministra da Cultura, Graça Fonseca,
deixou uma palavra "especial e de enorme reconhecimento à grande
mulher e artífice maior da língua portuguesa," agradecendo a sua
"irredutível defesa da língua portuguesa enquanto património de
construção comum dos povos que nela se expressam". Para a Ministra
da Cultura, "através da língua portuguesa criamos uma ponte que
atravessa os séculos que, ao invés de separar, unem D. Dinis a
Vergílio Ferreira e, claro, a Nélida Piñon, uma ponte que une
povos, culturas, géneros e geografias".
"Delicada e luminosa" foram os adjetivos empregues por Antonio
Saez Delado, Presidente do júri do Prémio, à
escritora homenageada. "Neste tempo de verdades obscuras e de
mentiras claras, torna-se necessário regressar à cultura e à «épica
do coração». Aí é imprescindível uma voz como a de Nélida
Piñon. O professor do Departamento de Linguística e
Literaturas sublinhou ainda o facto de ser esta a
primeira vez que é distinguido um autor da cultura
brasileira, passando a escritora Nélida Piñon, "a ser voz dessa
cultura, num diálogo transatlântico, também com raízes na Península
Ibérica".
Nélida Piñon, escritora celebrada internacionalmente, integra a
Academia Brasileira de Letras desde 1989, tendo sido eleita
Presidente em 1996. Torna-se, então, a única mulher, em cem anos, a
receber esse título. Pelo conjunto da obra foi agraciada em
1990 com o Prêmio Golfinho de Ouro oferecido pelo Governo do Estado
do Rio de Janeiro e pelo Conselho Estadual de Cultura; em 1991,
recebeu o Prêmio Bienal Nestlé, a que segue, em 1995, o Prêmio
Internacional Juan Rulfo de Literatura Latino-Americana e do
Caribe; em 2001, o Prémio Jorge Isaacs, de Cali, Colômbia; em 2002,
o Prêmio Rosalía de Castro da Galícia; em 2003, o Prêmio
Internacional Menéndez Pelayo; em 2005, o Prêmio Príncipe de
Astúrias. Em dezembro de 2013, Nélida Piñon foi a primeira mulher e
primeiro autor de língua portuguesa a auferir o Prémio Cátedra
Enrique Iglesias outorgado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento, em Washington, e em 2015, lhe é outorgado pela
Rádio Nacional de Espanha, o Prêmio El Ojo Crítico
Iberoamericano.
Recorde-se que o prémio Vergílio Ferreira foi atribuído pela
primeira vez a Maria Velho da Costa, a que se seguiram, entre
outros, Mia Couto, Almeida Faria, Eduardo Lourenço, Agustina Bessa
Luís, Vasco Graça Moura, Mário Cláudio, Luísa Dacosta, José Gil,
Hélia Correia, Lídia Jorge e João de Melo, tendo sido o galardoado
da edição de 2018 o escritor Gonçalo M. Tavares.