Motor
O automóvel: um bom amigo
Estive recentemente a conversar com um empresário
ligado ao comércio automóvel. Trata-se de uma pessoa ligada a um
grupo empresarial que tem várias concessões. Não foi necessário
alongar muito a conversa para me dar conta do desânimo que por ali
paira. Dizia-me o empresário, que nos últimos quatro anos as vendas
baixaram sucessivamente 30% relativamente ao ano anterior. Fiz umas
contas e verifiquei que uma empresa que há quatro anos vendia
hipoteticamente 100 carros passou a vender 24 no último ano. Outra
das queixas tem a ver com os investimentos megalómanos que estas
empresas têm sido obrigadas a fazer por imposição das marcas. Desde
a compra de várias máquinas de diagnóstico proprietárias, a
pavilhões com 5Km2, secretarias comerciais para cada marca, e por
aí fora. Tudo isto, ao bom estilo de uma cadeia de "franchising",
em que o "master" impõe as regras, vende o "merchandising", coloca
o produto ao preço que quer, obriga a vendê-lo pelo valor que
indica, e ainda cobra comissões pelo marketing. Assim para o
concessionário apenas resta uma variável que é o volume de
vendas.
Para complicar aparece o paralelo,
ou seja, deixou de haver aquela rígida divisão territorial, que
protegia um determinado concessionário para se estabelecer uma
"guerra" em que o preço manda, mas que deixa de trazer valor para
as empresas. Conclusão, quando antes um qualquer concessionário
tinha algumas dezenas de empregados, agora vemos dois ou três
mecânicos, um recepcionista, o "rapaz" das peças e dois vendedores,
forçado que foi, a reduzir custos. A somar a isto temos o facto de
que em cidades onde havia um concessionário por marca, nos aparecem
agora agrupamentos empresariais com várias marcas, reduzindo ainda
mais os empregos com as economias de escala.
Acho que neste caso a
desregulamentação falhou. Pode-se contestar dizendo que o
consumidor ganhou com esta concorrência e com estas reduções de
estrutura…pois sim, ainda acreditam nisso?
O que verdadeiramente se passou foi
que, algum do dinheiro que deixávamos num "stand" ou oficina, ao
comprar um automóvel e que servia para dinamizar a economia local,
passou para montante ou seja para as empresas mãe, tirando valor
aos concessionários locais. Aquilo que antes era um excelente
negócio, em poucos anos, transferiu os seus ganhos para outros
momentos da cadeia de valor, fazendo com que hoje, um médio
concessionário de uma marca de automóvel seja um negócio para
largar o mais rapidamente possível. Qualquer dia, haverá em
Portugal apenas um grande hipermercado de automóveis em Lisboa e um
pequeno hipermercado de automóveis no Porto. Quem quiser comprar
carro novo terá de se deslocar a um destes locais, ou mergulhar na
Internet em "stands" virtuais.
Hoje, decidi colocar esta reflexão,
que vale o que vale, mas que pode bem ser o futuro deste negócio,
que ainda vejo com algum romantismo, o mesmo romantismo com que me
deparei ao abrir o primeiro fascículo de uma revista editada, em
Espanha, nos anos setenta, chamada "Bricolage del Automovil" e que
começa assim: "El Automovil: un buen amigo".