Entrevista

Leopoldo Guimarães, presidente da Comissão Consultiva da Futurália, em entrevista
O país não tem diplomados a mais!

leopoldo-guimaraes cores cópia.jpgLeopoldo Guimarães é o presidente da Comissão Consultiva da Futurália. Ex-reitor, é também uma das vozes mais respeitadas quando se fala de ensino superior. Na sua perspetiva "os cortes que se verificam actualmente, derivam em larga medida da percepção errada, de que existem diplomados a mais no nosso país". A entrevista aqui fica.

A Futurália 2013 é já em Março. Este é o terceiro ano em que preside à Comissão Consultiva. Quais as expetactivas que tem para a Feira?

A Futurália, tal como os grandes acontecimentos de amplo domínio público e que, de uma forma ou de outra, interagem com um grande número de cidadãos de diferentes escalões etários, oriundos de diversos extractos sociais, transportando consigo interesses atitudes, ambições, projectos e visões de vida multifacetados, terá obrigatoriamente que evoluir na continuidade, fazendo por construir e consolidar respostas e caminhos coerentes com essa realidade. Neste sentido, a proposta de diálogo entre gerações e as relações de proximidade entre quem procura e quem pode e deve oferecer, é um objectivo subjacente à Futurália 2013.

Com o país a atravessar uma das maiores crises económicas e sociais da sua história recente, com o desemprego de jovens qualificados a subir, como se podem cativar os jovens para o ensino, em particular para o ensino superior?

Em primeiro lugar contribuir para proporcionar uma nova consciência política sobre a realidade, ajudando a Escola, a Universidade, as diversas entidades de cariz social inorgânico, a cumprir esse importante desígnio, já que pouco se pode esperar da estrutura orgânica vigente, incluindo os partidos políticos e correlacionados que parece terem esquecido as suas obrigações pedagógicas e informativas para com o eleitorado, preocupados que estão com outros compromissos, muitos deles meramente espúrios, que nada interessam ao comum dos mortais.

Em segundo lugar, tentar demonstrar aos jovens que estão exactamente no centro de uma questão fundamental que envolve a sua geração, ou seja o que afinal representa o acesso à Educação/Formação, num futuro deslizante, incerto, onde as qualificações e em particular a Educação, constituem o único valor que permanecerá seguro, imanente, imprescindível, apesar das dúvidas que hoje possam subsistir.

O encontro com os protagonistas presentes na Futurália, organizando um verdadeiro espaço público dedicado à Educação, constitui um movimento, uma oportunidade no sentido de enquadrar e discutir esta problemática.

As instituições de ensino superior viram os seus orçamentos sofrer profundos cortes. Começa a estar em causa a sobrevivência e o papel dessas instituições?

Os cortes que se verificam actualmente, derivam em larga medida da percepção errada, de que existem diplomados a mais no nosso país, que o ensino superior tem que se dobrar perante a ditadura do mercado, cuja estrutura do trabalho, no entanto, não está suficientemente preparada para integrar os nossos jovens, isto para além das questões ligadas às condições especiais que afectam o país.

As obrigações do ensino superior, em particular das universidades, para com as gerações futuras no que respeita à transmissão e progresso do conhecimento, da ciência e da cultura, são raramente tidas em consideração em tempos de míngua, quando, na realidade deveria acontecer precisamente o contrário, concedendo algum privilégio à Educação, entendida no sentido lato. O que hoje se perde por falta de visão e projecção, dificilmente se recupera, o que sempre constituiu algo quase intransponível nesta dimensão das sociedades humanas. Por outro lado, reconhece-se a necessidade imperiosa de reorganizar a rede do ensino superior, incluindo a oferta e mesmo as próprias instituições que a configuram, tomando exemplos orientadores como a recente fusão de duas universidades em Lisboa.

Mas crise afeta também os alunos e as famílias, na sua perspectiva de que forma a sociedade, o meio empresarial e o académico podem dar as mãos para que as dificuldades dos alunos (por exemplo ao nível das propinas) possam ser ultrapassadas?

A questão das propinas coloca, à partida, uma interrogação política e sociológica da maior importância: A Educação representa ou não uma estrutura da nação? E sendo assim, até que ponto se integra no plano das obrigações constitucionais do Estado? Só depois disto deve transitar para o plano auxiliar da economia e das finanças e não o contrário como algumas forças entendem.

E a estrutura empresarial, cuja modernização depende em parte de pessoas qualificadas, cada vez mais qualificadas? qual deve ser a sua obrigação na formação dos futuros empregados a montante, sabendo-se que estes são imprescindíveis para o sucesso, mas sem que exista um compromisso anterior partilhado? E os próprios, especialmente os que demonstram capacidade mas não possuem recursos? Existe algum argumento civilizacional que os deixe de fora do ensino?

Se honestamente quisermos responder a estas interrogações, certamente que chegaremos a uma resposta, ou pelo menos a uma contribuição para a resolução do problema, sem rodeios nem diluição de responsabilidades.

A internacionalização da instituições de ensino superior são uma aposta da maioria das universidades e politécnicos. O mundo da lusofonia, pode ser um espaço de intervenção importante?

Seria pura estultícia afirmar que a internacionalização assume um papel da maior importância. Sempre assumiu, no decurso da nossa História, não é descoberta de agora, mas tomou aspectos distintos em diferentes períodos temporais dependendo o êxito do talento das classes dirigentes e dos interlocutores da cultura, da ciência e do meio empresarial em funções hegemónicas em cada uma dessas ocasiões. Não queremos que a internacionalização tenha hoje como contributo relevante, a emigração dos nossos jovens, nem a pluralidade de notícias que por todo o mundo atestam o nosso estado deprimente, isto apesar de excelentes exemplos em contrário. Não queremos que a internacionalização se resuma às trocas comerciais e financeiras, sem no entanto minimizar a sua extraordinária importância. Queremos uma internacionalização baseada no conjunto de todos aqueles valores, partilhada pelos instrumentos que definem o país, mas muito mais os que definem a nação.

Por razões óbvias, o espaço da lusofonia traduz um dos mais importantes palcos da internacionalização e muitas instituições do ensino superior trabalham e bem nesse palco. Em nossa opinião, esta movimentação necessita, porém, de maior partilha entre os diferentes actores, coalescendo mais e melhor para se tornar uma onda poderosa, imparável. Por exemplo a cooperação Luso-Brasileira, apresenta hoje dados muito relevantes, devido a vários factores, designadamente a existência de programas concretos, ajudados pela recuperação económica do Brasil.

A Futurália, atenta a estes factores, iniciou um projecto de expansão para o espaço lusófono, com base, entre outras dimensões, na História, Cultura e Ciência dos países intervenientes, correlacionando as suas longas trajectórias comuns.

 
 
 
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