Entrevista

Autora e professora, Fernanda Carrilho em entrevista
Estudar Melhor é possível

Fernanda-Carrilho2.jpgFernanda Carrilho é docente  há mais de 20 anos e autora de vários livros,  o mais recente - Como Estudar Melhor - Um Guia Para o Teu Sucesso (Editorial Presença) vem ao encontro das necessidades dos alunos portugueses. Em entrevista, por email, a autora defende a importância de existir no sistema escolar «uma disciplina onde se ensinassem regras básicas de métodos e técnicas de estudo», pois os alunos portugueses, gerem mal o percurso escolar. Planificação , motivação e capacidade de lutar pelos sonhos são as propostas da autora.

Como Estudar Melhor - Um Guia para o Teu Sucesso foi escrito a pensar nos alunos de todos os graus de ensino?

Este livro tem a particularidade de ser transversal, de poder ser um auxiliar para alunos de diferentes faixas etárias e de vários níveis de ensino, desde o 1º ciclo até ao final do secundário e, eventualmente, início do universitário, pois contém indicações que podem ser úteis para todos.

No entanto, em níveis mais avançados, a necessidade deste livro não será a mesma para todos, depende muito do percurso que o aluno fez até esse momento. Se estivermos a falar de um aluno que sempre teve bons métodos, boas técnicas e bons hábitos que conduziram a bons resultados precisará menos de livros deste género, do que aquele aluno que sempre abdicou de métodos, foi passando com dificuldades e "paninhos quentes" e que a determinada altura toma consciência das suas próprias dificuldades, percebe a necessidade de um volte-face, ou até começar do início, para colmatar profundas carências que o impedem de atingir os seus objetivos.

Foi, também, pensado para aqueles alunos que, apesar de resultados satisfatórios, sentem que existem lacunas a preencher para otimizar o seu desempenho.

Os alunos portugueses gerem bem o percurso escolar?

Não, infelizmente essa é a conclusão que retiro de mais de 20 anos enquanto docente, de mais de uma década de estudo deste tema, com inúmeras entrevistas e inquéritos realizados.

E esse é um problema que não se pode imputar só aos alunos, aos professores ou aos pais e encarregados de educação; ele vem de um sistema de ensino assente (cada vez mais) no facilitismo que não contempla o aspeto da gestão, organização, métodos de estudo, entre outros aspetos fundamentais. Se tal acontecesse, poupar-se-ia muito tempo, problemas, dissabores e despesas, não só para as famílias como para o Estado, e o desenvolvimento e imagem do país seriam bem diferentes.

O sistema de ensino, desde o pré-escolar, deveria ter uma disciplina onde se ensinassem regras básicas de métodos e técnicas de estudo. De acordo com os programas de cada ciclo e cada ano, esses métodos e as técnicas tornar-se-iam, gradualmente, mais complexas e adequadas de forma a ajustarem-se, não só às necessidades programáticas, como etárias.

Reitero que, em grande parte, a má gestão do percurso escolar se deve a um sistema que habitua os alunos a isso e se não tiverem uma família que os apoie devidamente, quando se apercebem já é tarde demais, pois os maus hábitos já estão fortemente enraizados. Aos professores, com os extensos programas para cumprir, também não há grande margem para poder avançar por este caminho. É o sistema que deve prever isso, não só como modo de promover o sucesso escolar, como formar adultos responsáveis, aptos para o mundo do trabalho.

Como é que se ensina um jovem a gostar de estudar?

Não se ensina a gostar de um determinado prato, alimentos, modalidade desportiva, etc., no entanto, podem criar-se as condições necessárias para que esse gosto seja uma realidade. Em primeiro lugar, devemos motivá-lo (seja por parte dos pais, encarregados de educação ou professores) para isso, mostrando-lhe os benefícios que o seu esforço lhe poderá trazer no futuro, ou as consequências que poderão resultar da sua falta de empenho. No caso dos professores, existe ainda a forma e motivação que passam para os alunos quando ensinam os conteúdos, não bastando debitá-los. Em segundo, criar-lhe condições. Só podemos exigir de um aluno/filho/educando determinados resultados se lhe proporcionarmos as condições mínimas, sejam elas ambientais, físicas ou psicológicas. Sabemos que as condições ideais são difíceis de alcançar, mas deveremos esforçar-nos para que o essencial seja "cumprido". Se um aluno estiver num ambiente frio, com pouca iluminação, sem uma cadeira ou mesa adequadas, com problemas de saúde (físicos ou psicológicos) é evidente que o seu desempenho (por maior que seja a força de vontade) será sempre inferior ao que poderia ser.

Os pais e encarregados de educação também podem retirar ensinamentos deste Guia?

Os pais podem e devem retirar muitos ensinamentos deste livro, que funciona como um guia, um apoio, uma espécie de bússola que os ajuda a orientar, sobretudo nos ciclos iniciais e essa foi uma das preocupações que esteve sempre presente na sua conceção, por isso aconselho a sua calma e refletida leitura.

Dele também podem retirar ensinamentos pais/encarregados de educação de alunos de anos do 2º e 3º ciclo que, por qualquer motivo, estejam a ter dificuldades, seja na concentração, na leitura, na elaboração de trabalhos ou em apresentações orais.

Em que idades será mais útil/necessário? A situação ideal seria que os pais/encarregados de educação tomassem contacto com ele, antes que o seu filho/educando iniciasse o 1º ciclo, ou no momento em que isso acontecesse. Assim saberiam como ajudá-los e colocá-los no caminho do sucesso, desde o primeiro momento. No entanto, se não foi possível, vão sempre a tempo de o fazer e quanto mais cedo o fizerem melhor. Nele poderão encontrar desde indicações relativas ao material, disposição do local de estudo, necessidade e períodos de estudo até à forma de estar na sala de aula, participação, concentração, leitura, elaboração de trabalhos escritos, apresentações orais, atempada e correta preparação para testes, entre muitos outros.

A ansiedade em tempo de avaliação é o pior inimigo dos alunos?

Este é, sem dúvida, um dos grandes inimigos, não só em tempo de avaliação, mas também na participação na aula e, sobretudo, na apresentação oral de trabalhos.

Mas centremo-nos nos testes. Antes de mais, convém perceber a origem da ansiedade e, grande parte das vezes, ela decorre da falta de estudo... Se é desse "tipo" de ansiedade, não há outra solução, senão estudar e deixar de se desculpar com os "nervos" e "ansiedade"!

No caso de um aluno que esteve atento, foi estudando ao longo do tempo, colocou dúvidas quando elas existiam, tem as matérias bem preparadas em dia, terá mais é que ter confiança e esperar pelo teste como o momento em que irá mostrar ao professor, e a si próprio, tudo o que sabe e tem estudado. Nestes casos, tem de pensar que, após aqueles nervos iniciais e aquela sensação de se ter esquecido de tudo, se irá recordar de tudo e fará um bom teste/exame.

No entanto, nós não somos máquinas que nos conseguimos programar e há situações de pessoas que vivem em constante ansiedade, mesmo tendo estudado. Isto pode acontecer com receio de retaliações dos pais, com a dificuldade em lidar com o fracasso, com a importância que um teste/exame tem em determinados momentos da vida, que formam um bloqueio que os impossibilita quase de pensar e recordar. Se for esse o caso, a ansiedade pode deitar a perder todo o trabalho feito até então; o aluno (ou os pais, no caso de ainda ser pequeno, ou de não se aperceber dos sinais) deve ser o primeiro a compreender isso e a procurar ajuda no sentido de ir combatendo, através de uma terapia adequada. Caso contrário, será algo que se arrastará como uma bola de neve, durante a sua vida, e lhe trará momentos bastante desconfortáveis e angustiantes.

Quais são os princípios obrigatórios num método de estudo eficaz?

Um dos grandes segredos, se assim lhe poderemos chamar, está na planificação. Existem vários tipos, desde as mais abrangentes às mais detalhadas, e a elaboração de umas não invalida as outras, antes pelo contrário, complementam-se.

A planificação anual deve ser feita no início do ano letivo, contemplar todas as atividades (curriculares e extracurriculares) e ir sendo preenchida à medida que os testes, trabalhos, visitas de estudo e outras atividades forem surgindo. Nada deve ficar por assinalar, nem mesmo os aniversários e saídas com a família ou amigos. Assim, poderão facilmente visualizar não só os momentos de trabalho como os de lazer.

Material essencial para qualquer estudante a partir do 2º ciclo é uma agenda (escolar ou não) onde vão anotando, diariamente, todos os trabalhos pedidos pelos professores. Depois, em casa, deve passar essas indicações para a planificação a longo prazo.

É fundamental planificar as sessões de estudo diárias, para fazer os trabalhos de casa e estudar, que contemplem todas as disciplinas. Em cada sessão o aluno não se deve dedicar a mais do que três disciplinas, devendo alternar as ciências com as línguas e a matemática e fazer dois pequenos intervalos (10 a 15 minutos). Assim, terá sempre os trabalhos e as matérias em dia.

É, também, essencial ser um aluno ativo nas aulas, estando interessado e participando de uma forma positiva, o que vai facilitar todo o posterior trabalho de estudo em casa.

Num país onde é difícil sonhar qual é mensagem que gostaria de deixar aos alunos portugueses?

Salvo raras exceções, só quem sonha alcança os seus objetivos e, enquanto luta por eles, é feliz e está motivado. No dia em que deixarmos de sonhar não só nos impedimos de alcançar os nossos sonhos como nos traz a infelicidade de estagnação e falta de horizontes.

Nós vemos, diariamente, pessoas com 60/70 anos (ou até mais) a sonhar e percebemos o brilho da esperança e da alegria no seu olhar. Isso dá-lhes vida e é, também, nessas pessoas que devemos colocar os olhos e procurar o exemplo.

É certo que o nosso país está a atravessar uma grande crise económica que arrasta valores e ideais, que parece proibir os sonhos e arrastar para caminhos onde a esperança é algo onírico. Mas não nos devemos esquecer que há sempre lugar para os bons e os portugueses têm muitas capacidades. Exemplo disso são os inúmeros reconhecimentos e prémios internacionais, em várias áreas do saber, atribuídos com alguma frequência a portugueses (em Portugal ou espalhados por todo o mundo) e nos deixam felizes e orgulhosos.

Peguemos no mediático caso de Cristiano Ronaldo, que acabou de ganhar a 2ª bola de ouro; foi o sonho (acompanhado de muito trabalho) que o levou de uma pequena ilha do Atlântico à projeção planetária que hoje tem.

Termino com as palavras de António Gedeão: "O sonho comanda a Vida". Este não é um final lírico, mas bem real e de incentivo para todos os estudantes e nem só!

Eugénia Sousa
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