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Pigmalião ou o valor da palavra

kinopoisk.ru-Pygmalion-1492934-001.jpgA lenda de Pigmalião, um escultor de Chipre que se apaixonou por uma estátua de marfim em que esculpiu uma bela figura feminina, à qual Afrodite deu vida, foi recriada pelo dramaturgo e escritor George Bernard Shaw que escreveu um "romance em 5 actos" transportando a acção para Covent-Garden, bairro pobre de Londres, no ano de 1912. Tão fascinante história, do criador que se apaixona perdidamente pela sua criação, não passou despercebida ao cinema, a começar por Méliès que em 1895 realiza "Pigmalion et Galattée".

Em 1930 Bernard Shaw deixou claro que não era grande adepto da adaptação das suas obras ao cinema mudo. Quando o sonoro chegou a situação modificou-se, pois, como disse "tornou-se possível não apenas mostrar no ecrã as minhas peças mas falá-las". Não admira assim que, depois de uma primeira versão da sua peça "Pigmalião", produzida na Holanda em 1921, na década de 30 a mesma tenha conhecido três versões. Em 1935 do cineasta alemão Erich Engel, com o célebre Gustav Gruendgens como professor Higgins e no ano seguinte na Holanda, outro germânico, Ludwig Berger, filma a sua versão, assinalada como importante por Sadoul na sua discutida "História do Cinema".

Porém a mais célebre adaptação da década foi a produzida pelo húngaro Gabriel Pascal no ano de 1938. Com a intervenção de Bernard Shaw no "script", com cenas e diálogos adicionais, o filme teve uma dupla realização de Anthony Asquith e Leslie Howard que acumulou com a interpretação, exemplar, do professor Higgins. Com esta obra Asquith sai do anonimato e atinge a glória. Mas além dos citados convém não esquecer que na fotografia estava Harry Stradling, que 21 anos depois repete com "My Fair Lady", a música é de Arthur Honneger e a montagem de David Lean. Uma ficha técnica de peso, a que se deve acrescentar Dame Wendy Hiller, no papel de Elisa Doolittle, uma actriz que preferiu o teatro ao cinema.

Este "Pigmalião" é visto como "um perfeito modelo de adaptação cinematográfica, quer pela fidelidade ao texto original, quer pelo aproveitamento na montagem apriorística dos melhores efeitos literários e dramáticos da obra de Shaw. É verdade que não passava de teatro filmado, mas revelava tanta garra na condução de actores que se teve a impressão que o cinema inglês chegava à maturidade" (Breve História do Cinema). O filme, cujo êxito no Festival de Veneza foi enorme, é a obra mestra de Asquit e, no dizer de Sadoul, abriu caminho às futuras adaptações de obras de Shakespeare por Laurence Olivier.

As comemorações do centenário do Nascimento de Bernard Shaw foram motivo para que Jay Larner e Frederick Loewe realizarem uma das mais memoráveis comédias musicais: "My Fair Lady", adaptação de "Pigmalião", em palco no Mark Hellinger Thether, oito vezes por semana entre 1956 e 1962.

Em 1964 a Warner Brothers levaria a efeito o filme baseado nesta opereta graciosa sobre um professor de fonética que transforma uma florista comum, que se expressa no calão londrino (cockney), numa delicada e bem falante dama da alta sociedade. Mantendo Rex Harrison (o admirável Higgins no palco), mas preterindo a então descoberta Julie Andrews por Audrey Hepburn, no auge da sua carreira, para uma frágil Elisa Doolittle. Warner fez uma escolha acertada. Hepburn foi brilhante, mas dobrada nas canções por Mari Nixo, uma vez que não sabia cantar. Os figurinos de Cecil Benton, de supremo efeito em palco foram recriados e acrescidos, o que, aliado a uma sensível coreografia e à música de Loewe, agradável ao ouvido e dirigida no filme por André Previn, transformaram este sucesso de Shaw num êxito permanente, graças à hábil batuta do veterano cineasta George Cukor, para quem o teatro e o cinema não tinham segredos e que orientou com notável bom gosto este grande espectáculo.

A peça de Shaw conheceu entretanto outras adaptações para cinema e televisão, de que destacamos a produção brasileira realizada em 1970 por Régis Cardoso, haverá quem se lembre da sua telenovela "O Bem Amado", "Pigmalião 70", transportando-a então para o ambiente do Brasil.

Em Portugal o teatro não ficou indiferente a Bernard Shaw nem ao seu "Pigmalião". Nos idos anos 40 a peça foi representada no Teatro da Trindade pelos Comediantes de Lisboa, contando no elenco com a "nossa" Maria Lalande, Assis Pacheco, António Silva e João Villaret, entre outros.

Em cena no Politeama esteve a produção de Filipe La Féria "Minha Linda Senhora", uma versão portuguesa de "My Fair Lady", de Lerner/Loewe. Um assinalável êxito, que conta com as interpretações de Anabela, Carlos Quintas, Lurdes Norberto e Miguel Dias, para referir apenas estes. Uma produção que, tal como a original, vale pelos belíssimos e inesquecíveis temas musicais.

De "Pigmaliões" sabe o cinema. De muitos. A começar por Cukor e Katherine Hepburn. Não casou com ela, sabe-se. Mas fez dela uma soberba actriz. Basta lembrar que debaixo da sua direção a actriz participou em oito filmes. E, para acabar, que seria de Marlene Dietrich sem o seu "Pigmalião", Joseph Von Stenberg?

Luís Dinis Rosa e Joaquim Cabeças
 
 
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