Constantino Rei, presidente do Instituto Politécnico da Guarda
Ensino superior deveria ser gratuito
Constatino Rei foi reconduzido para mais
um mandato à frente do Instituto Politécnico da Guarda. Em
entrevista ao Ensino Magazine refere os objetivos principais que
tem para a instituição. Frontal, como é seu timbre, faz críticas ao
sistema de vagas e ao modo como muitos alunos do ensino secundário
ficam de fora do ensino superior. Refere ainda que o ensino
superior deveria ser gratuito.
Tomou
posse para mais um mandato, quais são as suas grandes prioridades
para o Instituto Politécnico de Guarda?
Face ao que tem acontecido
nos últimos anos, relativamente à redução do número de alunos, a
nossa principal preocupação é estancar esse processo e invertê-lo,
se for possível. Iremos desenvolver um conjunto de estratégias que
têm esse objetivo e que pretendem captar mais alunos. Esta é uma
prioridade fundamental. Depois há uma outra vertente, que passa por
colocar o IPG ao serviço da cidade e da região. Ou seja, queremos
colocar os nossos conhecimentos e investigação ao serviço das
empresas e das organizações.
Neste
momento há uma quantidade enorme de jovens que termina o ensino
secundário e não se candidata ao ensino superior. Como é que se
podem atrair esses jovens?
Fazendo aquilo que outros
países já fizeram, tornando a educação pública gratuita. Mas para
isso é preciso coragem política. Na Alemanha, por exemplo, o ensino
público é gratuito. Esta não será a única questão, mas constatamos
que o poder de compra de muitas famílias portuguesas reduziu
drasticamente e não têm capacidade para suportar os custos. Se se
quisessse atuar, acabando com as propinas, poderíamos ter mais
alunos.
E os
cursos superiores de curta duração, podem ser benéficos?
Eu e o próprio Conselho
Coordenador dos Politécnicos temos mostrado algumas reservas a esta
formação. Mas também nunca dissemos que não a queríamos. Aquilo que
afirmamos é que não a queremos com este formato. Fomos ouvidos uma
única vez sobre um projeto de Decreto Lei. O que aconteceu é que
foi montada uma nova formação para os politécnicos contra os
politécnicos, em vez de ser feita com os politécnicos. Isso, do
ponto de vista político, é um pecado capital. Ainda assim
conseguimos minimizar alguns dos efeitos negativos desta nova
formação. Não faz sentido co-existirem com os Cursos de
Especialização Tecnológica (deixam de ser ministrados nos
politécnicos, mas mantêm-se nas escolas profissionais e centros de
formação). Nós - politécnicos - demos um passo, na minha opinião
errado, de avançar com alguns cursos a título experimental. O que
temos que fazer é tirar partido do melhor que estes cursos possam
ter. Há vários aspetos que podemos potenciar.
É importante que os jovens
tenham a noção que se forem para um CET e pretenderem ingressar no
ensino superior, terão que fazer um exame, enquanto que se fizerem
um curso de técnicos superiores profissionais alinhado com a
instituição, o acesso é direto e terão direito a alguma creditação
(equivalência de disciplinas).
O
público a abranger é o mesmo...
É exatamente o mesmo. Esta
oferta está alinhada para acolher os alunos dos cursos
profissionais.
Recentemente o presidente do Conselho Nacional de Educação,
David Justino, referiu que a especialização das instituições de
ensino superior poderia ser um caminho para se manter a rede de
oferta existente. É dessa opinião?
Posso concordar com o
princípio. No entanto, não considero que esse seja o caminho. Isso
só faria sentido se a especialização fosse generalizada em todo o
país e a todas as instituições. Se a intenção for repensar todo o
sistema de ensino superior português, criando núcleos de
especialização nos diferentes locais, parece-me uma boa ideia. Mas
tenho dúvidas que possa ter pernas para andar, pois isso iria mexer
com as universidades e todos nós sabemos os lobis que
representam.
No
seu discurso criticou muito o atual sistema de vagas. O que é que
deve ser feito?
Não podemos enterrar a cabeça
na areia. Convivemos durante anos num regime em que
praticamente não existiam essas provas de ingresso ao ensino
superior, e de repente passámos do 8 para o 80. O que se verifica é
que há uma grande disparidade entre as notas obtidas nas provas de
exame e as classificações internas do ensino secundário, num desvio
que chega a atingir 3 e 4 valores. Isto demonstra que alguma coisa
está mal no sistema. Não podemos afirmar se o problema é dos exames
ou do ensino secundário. Mas se me perguntar se devemos confiar
mais num sistema que avalia o aluno ao fim de 12 anos de
escolaridade, ou num que avalia o estudante em duas horas de exame,
respondo-lhe que confio mais no sistema de 12 anos. Perante
este cenário, em que há esta divergência, em que as notas das
provas de ingresso são muito baixas, em que o grau de exigência das
provas não se coaduna com o que é exigido no ensino secundário, nós
temos que retirar alguma carga excessiva às provas de ingresso.
Além disso, esta carga excessiva e o vício que temos em Portugal
pelas notas e classificações, às vezes, pode levar a que as escolas
inflacionem as classificações internas.
Será justo um aluno que no
10º, 11º e 12º anos teve média de 13 valores e que numa prova de
valores teve 8,5 valores ser afastado sistema de ensino superior? E
obrigá-lo a estar mais um ano em casa, com a família a pagar
explicações para que no ano seguinte tente de novo a entrada? Nós
não recuperávamos antes? Perante este problema, e estamos numa
situação de emergência nacional, pois a falta de alunos já chegou
às universidades, teremos que fazer alguma coisa. Como? Baixando a
influência que os exames têm na nota de candidatura.
Essa
é uma das variáveis, a outra está relacionada com o número de vagas
no litoral e no interior do país?
Essa é uma guerra perdida,
pelo menos com este governo. Pois se não quiseram resolver o
problema em três anos, não é agora que o vão fazer. Mas aquilo que
atrás referi é uma medida que pode ser implementada no próximo
ano.
Ainda
em relação às vagas, foi também reclamado para que o despacho das
vagas fosse apresentado mais cedo às instituições...
Já há muitos anos que andamos
a reclamar isso. Nós começamos a fazer a divulgação a partir de
finais de fevereiro. Por isso, nessa altura precisamos de saber
quais os cursos e o número de vagas que vamos abrir e temos
disponíveis. Tenho esperança que isso irá acontecer este ano. No
caso das vagas para o «estudante internacional» já existe o
despacho, e penso que até março deveremos ter o despacho de vagas.
Com a entrada de João Queirós para a Direção Geral de Ensino
Superior, o qual tem conhecimento do que faz falta às instituições,
estou convicto que haverá sensibilidade para isso.
O
programa Mais Superior foi lançado este ano, mas além de ter sido
regulamentado tarde de mais, os critérios também não foram ao
encontro das instituições?
Foi um programa mal
regulamentado. Os critérios foram perversos. O mérito deve ser
valorizado, mas não o pode ser da forma generalista como aconteceu.
Pois as bolsas foram atribuídos aos alunos que têm melhores
classificações, quando nós temos que as atribuir no sentido de
atrair alunos para cursos onde temos falta de alunos. Bastava que
nos tivessem perguntado quais eram os cursos a que daríamos
preferência. Obviamente que dentro de cada curso o mérito académico
seria tido em conta. A grande maioria dos alunos que vai para
medicina e para os cursos de saúde, normalmente são oriundos
de extratos sociais mais elevados, e foram os mais
beneficiados.
E há
abertura para isso ser mudado por parte do Secretário de
Estado?
Sim, estou convencido que
isso vai ser feito. Espero que venha a tempo da primeira fase. Esse
é um instrumento importante. Quando vamos às escolas secundárias
queremos dizer aos alunos que têm este programa.
No
que respeita ao último objetivo da sua estratégia - colocar o
instituto ao serviço das empresas e da região - o IPG é já uma
referência, ao potenciar o aparecimento de uma empresa ligada às
novas tecnologias...
Esse é o exemplo que nós
gostaríamos de replicar. Não é fácil o convívio entre o
empreendedorismo e o meio académico, a investigação e a prestação
de serviços. Mas essa empresa é um exemplo de sucesso, na medida em
que a empresa está em funcionamento há três anos, tem uma saúde
financeira boa, embora o objetivo não seja ganhar lucro, mas sim
desenvolver soluções tecnológicas para públicos alvos específicos a
custos controlados. Falamos de soluções que sejam aceitáveis do
lado do cliente. E se tivermos que prescindir do lucro fazêmo-lo.
Outro aspeto importante é que o pacto social da empresa impede a
distribuição de lucro entre sócios. Os lucros obtidos são para
aplicar na investigação.
Como
é que é possível gerir uma instituição sem conhecer a verba que é
atribuída em Orçamento de Estado?
Faz-se uma gestão de
mercearia. Vive-se o dia a dia. E isso é um pouco angustiante, pois
temos o nosso plano de atividades, que gasta recursos.
Infelizmente, do ponto de vista financeiro e da gestão orçamental
das instituições e naquilo que são os grandes projetos andamos a
navegar à vista. Em função das coisas que aparecem vamos reagindo.
Planeamos, mas nunca sabemos se conseguimos implementar os nossos
projetos.
Sou defensor da mudança do
sistema de financiamento. O Governo deveria, numa base de
lesgislatura, definir qual era a percentagem do PIB afeta à
educação. As instituições teriam uma noção daquilo que poderia vir
a receber. Se houvesse crescimento no PIB nós já sabíamos que
haveria mais verbas, e se acontecesse o contrário saberíamos que
haveria uma redução. Mas também devo dizer, que a gestão financeira
é o aspeto que menos me preocupa, pois a gestão estrutural - como o
número de alunos - é importantíssima. E porque temos uma estrutura
de custos que depende pouco de nós, o Estado tem que assumir a sua
responsabilidade. Por exemplo, nós reduzimos o número de docentes
nos últimos dois anos, mas aumentámos a despesa em muito mais. E
isso deveu-se ao regime transitório da carreira docente aprovado na
Assembleia da República. Ou seja, tomei uma decisão de gestão em
reduzir o número de docentes e em fechar as escolas nos períodos
não letivos para não gastar energia e gás, e a despesa aumentou. Eu
não deixarei de fazer o que tenho de fazer. Quando faltar o
dinheiro, o Governo tem que cá colocar o dinheiro. Porque quem
assumiu as responsabilidades e aumentou os descontos para a Caixa
Geral de Aposentações e da ADSE foi a Assembleia de República e o
Governo.