Constantino Rei, presidente do instituto politécnico da guarda em entrevista
Centro de excelência do setor automóvel nasce na Guarda
O Instituto Politécnico da Guarda assinalou mais um
aniversário com os olhos postos no futuro. Constantino Rei, o seu
presidente, aproveitou a ocasião para anunciar o embrião de um
centro de excelência ligado ao setor automóvel.
Em entrevista ao Ensino Magazine, aquele responsável fala desse e
de outros objetivos da instituição e destaca ainda a apresentação,
à UNESCO, da criação do geoparque da Serra da Estrela, a qual
resultou de um desafio feito pelo IPG às autarquias da
região.
Durante o aniversário do IPG foi anunciada a intenção de
se criar na Guarda um centro de investigação para a indústria
automóvel. Que passos já foram dados e de que forma é que esse
centro pode ser diferenciado para o IPG e para a
região?
Esta aposta surgiu de muitos contactos e de termos auscultado o
cluster mais importante da região, o qual tem muitas empresas
ligadas a esse setor. Um dos problemas que fomos ouvindo está
relacionado com o recrutamento de quadros especializados. Desses
contactos, em que também esteve envolvido o presidente da Câmara da
Guarda, verificámos a dificuldade que as empresas têm para
contratar, por exemplo, engenheiros mecânicos. Ou seja há uma
grande carência de quadros. Aquilo que definimos como prioridade,
nesta primeira fase, e que poderá avançar de uma forma mais rápida,
foi o Instituto Politécnico da Guarda montar um curso de técnico
superior profissional (TESP) organizado com as empresas. Isto é,
uma formação que procura dar resposta às necessidades das empresas.
Numa fase posterior, poderemos vir a dar resposta a outras
necessidades, recuperando, por exemplo, a licenciatura em
engenharia mecânica que o Politécnico da Guarda já teve.
Esse TESP pode avançar no próximo ano
letivo?
Sim, esse é o objetivo. Até ao final de janeiro iremos apresentar
a proposta à Direção Geral de Ensino Superior para abrir esse curso
em 2018.
Para além dos TESP's e da licenciatura, esse centro poderá
desenvolver também formações específicas de curta
duração?
Hoje em dia nestas indústrias os desafios são muitos. Por exemplo,
na área da soldadura a laser. Não há qualquer formação nessa área
em Portugal. As empresas queixam-se que têm que enviar os seus
colaboradores e técnicos para o estrangeiro para se qualificarem.
Este exemplo é extensível a outras áreas. Por isso, temos que
investir também em tecnologias, em processos e em estratégias de
formação mais avançadas do que o tradicional.
Esta ideia é partilhada pela autarquia da Guarda, e desta forma
surgiu a aposta de, a partir do Politécnico, se poder desenvolver
um centro de excelência para a indústria automóvel, que é também um
laboratório prático de suporte para apoio a todas estas empresas.
Isto permitirá também alavancar outros projetos na área da
investigação, desenvolvendo novos métodos e processos. O desejável
é que, em conjunto com a Câmara, pudéssemos ter aqui um centro de
excelência e de investigação nesta área e para todo o país.
A localização do Centro será no Politécnico ou
noutra estrutura?
Neste momento isso não está definido. O Politécnico tem recursos
técnicos, o que não significa que não se tenha que fazer algumas
atualizações no que respeita a equipamentos, pois possuímos
laboratórios de engenharia mecânica, eletrotecnia, robótica e CAD.
Espaços e laboratórios existem. Se se chegar à conclusão que o
melhor local para acolher esse centro é o Politécnico, nós
aceitamos isso como uma boa solução. Mas se não for esse o
entendimento, não faremos dessa uma questão de finca pé. Uma coisa
é certa, será sempre um elemento de suporte à estratégia formativa
do IPG e às necessidades das empresas.
Até ao final de janeiro, as instituições de ensino
superior poderão apresentar propostas para a criação de centros de
investigação junto da Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT). O
IPG vai avançar com algum centro ou irá associar-se a outras
instituições?
Não iremos avançar sozinhos. Politécnicos como o da Guarda podem
ter muitos investigadores, mas serão sempre de áreas diferentes,
pelo que teremos dificuldade em criar um núcleo extenso e forte com
professores doutorados e que façam investigação. Por isso,
definimos uma estratégia que passa por integrar outros centros de
investigação sediados noutras instituições, garantindo um papel
ativo nesses centros e, ao mesmo tempo, criar, sempre que possível,
unidades de gestão no IPG de diferentes centros. Por exemplo, na
área do turismo, será criado um centro de investigação que
envolverá várias instituições, e nós teremos no Politécnico um
polo, ou seja uma unidade de gestão desse centro, a qual acolherá
docentes de investigadores dos politécnicos da Guarda, Castelo
Branco e Viseu. A ideia é que possamos criar unidades de gestão de
diferentes centros de investigação. Na área das engenharias temos
aqui instalada uma unidade de gestão de um centro de investigação
da UBI.
Nesta matéria temos que perceber que não temos dimensão para
termos centros de investigação sozinhos. Sou mais adepto de
integrar centros de investigação fortes e fazer parte de redes de
parcerias fortes do que termos centros fracos e sem dimensão, até
porque poderíamos vir a ter alguns dissabores. Atualmente, e muito
bem, exige-se que quando os docentes do Politécnico da Guarda
querem integrar um centro de outra instituição, o presidente do IPG
tenha que dar essa autorização. Se eu decidisse que não assinava
essa autorização com o argumento que esses docentes teriam que
integrar um centro de investigação que viesse aqui a ser criado,
poderia acontecer que esse centro não fosse acreditado, e que os
professores ficassem privados de poder investigar. Isso seria mau
para eles, mas também para a instituição.
Além do turismo, há outras unidades de gestão a
instalarem-se no IPG?
Estamos a trabalhar nesse sentido, nomeadamente nas áreas da
educação e da gestão.
No ano passado o Ministro do Ensino Superior falou num
desafio para o Politécnico da Guarda, que designou como "Montanha
do Conhecimento". Em que ponto é que se encontra esse
projeto?
Há dois projetos em curso: a criação de um laboratório
colaborativo, o COLAB Montanha, que está a ser desenvolvido em
parceria com o Politécnico de Bragança, e que está a ser apreciado
pela FCT; e a rede de investigação em montanha, que tem três
projetos piloto, sendo que o da "Serra da Estrela" é liderado pelo
Politécnico da Guarda. Esta rede já foi formalmente constituída e
estamos a trabalhar no seu plano de atividades.
A criação do Geoparque da Serra da Estrela foi um dos
desafios que o IPG lançou aos municípios da região. A candidatura
já foi feita à UNESCO, para quando a sua aprovação?
A nossa expectativa é que a candidatura seja aprovada no outono
deste ano, mas essa decisão até poderá ser feita mais cedo. Caso
não se concretize a sua aprovação este ano, ela será feita na
primavera de 2019.
Era uma forma ótima de terminar o seu
mandato?
Sim, seria uma boa forma de terminar o mandato. Seria muito
positivo deixar a semente lançada, para que quem vier a seguir a
possa desenvolver e colher os frutos desta semente.
Neste processo, como é que analisa o envolvimento das
autarquias e das próprias populações para a criação do
geoarque?
Tudo aquilo que é novo e arrojado tem um processo de aprendizagem
longo. Aquilo que o Politécnico e as autarquias fizeram foi
acreditar nesta ideia, garantindo os apoios necessários. Foi muito
gratificante chegar à última assembleia de parceiros e verificar o
entusiasmo de todos, pois reconheceu-se o trabalho que foi
efetuado. Este projeto tem vindo crescer e está ganhar vida. As
pessoas acreditam nele, e as autarquias têm sido fundamentais para
a sua concretização.
Mudando um pouco de assunto. No que respeita ao
financiamento das instituições de ensino superior que avanços é que
houve junto do Ministério?
Não houve evoluções desde dezembro. O Ministério comunicou
reforços às instituições em dificuldades financeiras, e às outras
indicou que as instituições que tinham saldos positivos que os
gastassem, em vez de receberem os reforços financeiros a que teriam
direito e que ficaram acordados. Depois disso e até hoje (dia 10 de
janeiro) não houve qualquer evolução. O que se exige é uma decisão
política por parte do Ministério das Finanças, pois o Ministério do
Ensino Superior já assumiu que as instituições têm direito a essas
verbas, independentemente de terem, ou não, saldos positivos. Temo
que se esteja adiar essa decisão para o Governo não assumir os
compromissos. Há vontade política, mas tem que haver decisão.
A questão do financiamento começa a ser transversal a
todos os governos. Na sua perspetiva isso decorre do
quê?
Há uma falta de estratégia para o ensino superior. O que
verificamos é uma gestão do dia a dia. O que temos são alterações
legislativas sucessivas, há novos desafios para as instituições, e
temos um Estado que tem um bolo (financeiro) que, de ano para ano,
é cada vez menor, e depois vai dividindo o mal pelas aldeias, sem
nenhum critério. Cada vez mais instituições não têm o mínimo de
financiamento para se manterem em funcionamento, pelo que chegam ao
final do ano e têm que pedir reforços no orçamento. E isto sucede,
e vai continuar a suceder com mais frequência, quanto menor for a
instituição. As maiores têm mais capacidade de gerar receitas
próprias, de recorrer a projetos de investigação de maior
envergadura. As mais pequenas, onde o número de alunos não cresce,
onde os custos fixos são mais elevados, e onde não há essa
capacidade de gerar receitas próprias, terão mais dificuldades. Não
consigo compreender como é que o Estado já não financia as despesas
que as instituições de ensino têm com o pessoal. Não entendo como é
que a ação social é paga com fundos comunitários. É um Estado, sem
recursos, que está a viver de fundos comunitários, que um dia vão
acabar, e a satisfazer necessidades que deveriam ser financiadas
por si com fundos que não lhe pertencem. Não perspetivo nenhuma
alteração significativa, no curto prazo. Se não houver
reorganização no ensino superior, quer da rede, quer da oferta
formativa, vamos passar cada vez mais dificuldades.
E depois vem a questão da desertificação…
É outro problema. Enquanto que há instituições que apenas precisam
de abrir a porta para terem alunos, no interior do país isso não
acontece. Temos que abrir a porta, construir caminhos e estabelecer
pontes para que eles venham até nós. A procura de alunos
estrangeiros é uma alternativa. No nosso caso tem permitido o
funcionamento de alguns cursos. É uma forma transitória de
atravessar este problema.