Bocas do Galinheiro
Velho? Não obrigado
De há una anos a esta parte
assistimos a um fenómeno curioso. Com os mesmos protagonistas, o
mesmo registo, mas com uns anitos a mais, uma geração de actores
que está tão bem, não se nega a caricaturar-se. Basta recordar
"Red:Perigosos" e "Red 2: Ainda Mais Perigosos" (2010 e 2013), em
que Bruce Willis, John Malcovich, Morgan Freeman e Helen Mirren,
antigos operacionais de serviços secretos voltam à acção e dão uma
mãozinha ao mundo, em filmes plenos de humor. Num registo
semelhante, apesar de se levarem mais a sério, temos "Os
Mercenários", já vai no terceiro, uma incursão de nomes bem
conhecidos do chamado cinema de acção que, tirando algumas
excepções, já andam todos para lá dos sessenta, com Sylvester
Satallone à cabeça, primeiro como realizador e protagonista e
depois só actor, onde vão desfilando Arnold Schewarznegger,
Jean-Claude Van Damme, Dolf Ludgreen, Harrison Ford e outros. Em
comum o gozo que se nota nas suas interpretações. Divertem-se, nem
se dão ao trabalho de esconder as mazelas da idade, apesar de que
alguns não resistem aqui e ali a uns retoques e acabamentos.
Mais recentemente estreou o que se diz ser o último filme de Robert
Redford (quem não se lembra dele há 40 ou mesmo 50 anos, em filmes
emblemáticos como "Butch Cassidy and The Sundance Kid", ao lado de
Paul Newman, "As Brancas Montanhas da Morte" ou "Os Homens do
Presidente"?), "O Cavalheiro com Arma", onde interpreta um
inveterado ladrão de bancos e perito em fugas de prisões, que
insiste em manter a actividade apesar da provecta idade. E, quando
já se pensava que iria assentar ao lado de uma "jovem" Sissy
Spacek, não, saiu e foi assaltar mais quatro bancos, como se
tivesse 20 anos. Sempre a sorrir! Foi preso, claro, mas já com
planos para a fuga seguinte.
Esta nova onda de filmes reflecte uma das conquistas das sociedades
modernas, da portuguesa em particular nos últimos 40 anos, que tem
sido o aumento da esperança média de vida. As pessoas vivem mais,
pelo que uma das consequências é o aumento da idade da reforma,
agora indexada à esperança média de vida (se se vive até mais
tarde, também se é contribuinte para o sistema da Segurança Social
até mais tarde, é uma nova "lei" da vida), mas também se torna
premente garantir qualidade de vida aos mais idosos. Daí a
preocupação e a aposta no que se convencionou chamar de
envelhecimento activo. Não estranha pois que esta nova realidade
não tenha passado despercebida ao cinema e que sejamos confrontados
com esta diversidade de filmes que se debruçam sobre a problemática
do envelhecimento nas suas diferentes facetas, mas sobretudo filmes
que põe gerações de actores mais velhos a protagonizarem filmes
cuja matriz era reservado aos mais novos.
Porém, não se pense que isto de aparecerem veteranos em papéis
principais é coisa recente, não é. Podíamos chamar aqui uma mão
cheia de actores que filmaram até muito tarde, muitos deles em
papéis que convocavam a idade, casos de John Wayne em "O Atirador",
de 1976, um velho pistoleiro que regressa às origens para acabar os
seus dias, James Stewart e Bette Davis no telefilme "O Direito de
Escolher" (1983), em que fazem um casal que se decide por um pacto
de suicídio perante a doença dela, ou Henry Fonda e Katharine
Hepburn que contracenam (pela primeira vez) em "A Casa do Lago", de
1981, em que representam um casal de reformados que se veem
envolvidos no relacionamento com a filha, Jane Fonda, na verdade
filha de Henry, e o enteado desta. E, podíamos acrescentar nomes e
nomes à lista. Mas também podemos trazer a irreverência de "Harold
and Maude" (Ensina-me a Viver, 1971), de Hal Ashby, ou a improvável
amizade de um jovem obcecado pela morte e a septuagenária que já só
o que lhe apetece, ou seja, viver. Ou então, juntando os dois lados
da câmara, Manuel de Oliveira, então com 93 anos dirige Michel
Piccoli em "Vou Para Casa", de 2001, sobre o desafio de um velho
actor que tem que cuidar do neto, depois da morte da mulher, da
filha e do genro num acidente, e se lhe coloca a decisão de ter que
por um ponto final na sua carreira. Noutro registo, mais dramático,
os problemas da falta de qualidade de vida também são focados em
filmes como "Amour", de Michael Haneka. Quando um casal de
professores de música reformadas é confrontado com o abalo
provocado pelo facto de a mulher ter sofrido um AVC e tudo o que
isso significa para ambos, todas as soluções são possíveis, mesmo
as mais dolorosas.
Não podíamos deixar de trazer aqui Clint Eastwood, realizador e
actor que com quase com 89 anos estreia agora "The Mule", sobre um
correio de droga de 90 anos, depois filmes memoráveis em que a
questão da idade está presente, de "Gran Torino", ou como um carro
se torna a chave para uma maneira diferente de ver o mundo, a
"Space Cowboys", sobre uma equipa de astronautas que depois da
reforma concretizam o grande sonho de irem para o espaço, com um
sacrifício épico ao som de "Fly Me to The Moon".
Podemos dizer, sem excepções, o que estes filmes têm em comum são
as magníficas interpretações, na maioria verdadeiros hinos à arte
de bem representar, destes e outros experientes actores.
Até à próxima e bons filmes!
Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
João Luís Rosa