Nuno Melo, eurodeputado
Um português no coração da Europa
Cara de
Notícia
O sucessor de
Portas?
Nuno Melo nasceu a 18 de
Março de 1966 (46 anos), em Joane, Vila Nova de Famalicão. É
advogado e consultor jurídico de profissão, licenciado em Direito,
mas é na carreira política que se distingue pessoal e publicamente
em toda a sua plenitude. Foi deputado na Assembleia da República
durante 10 anos, vice-presidente do Parlamento, líder parlamentar
do CDS-PP e foi eleito em Junho de 2009 como eurodeputado ao
Parlamento Europeu. Esteve na linha da frente na famosa comissão de
inquérito ao BPN e presidiu à VIII Comissão de Inquérito a
Camarate. Actualmente vice-presidente do CDS é apontado por muitos
como o «delfim» político de Paulo Portas, quando o actual ministro
dos Negócios Estrangeiros deixar a liderança dos democratas
cristãos.
Divide o seu tempo entre Bruxelas,
Estrasburgo, Lisboa e o Porto. A poucos dias de tomar outro avião
rumo a Timor Leste, onde chefiará uma delegação de observadores do
Parlamento Europeu, o eurodeputado do CDS revelou ao "Ensino
Magazine" a forma como tem defendido o interesse nacional nos
órgãos de soberania europeus, falou da falta de pensamento
estratégico no «velho continente» e das suas mediáticas presenças
nas comissões do BPN e de Camarate. Sobre a educação diz que, à
semelhança de outros sectores, está dominado pela
«corporativização».
Foi eleito
eurodeputado em 2009. Como é a semana de trabalho de um deputado ao
Parlamento Europeu?
Estabelecendo um paralelismo com o
que se passa na Assembleia da República, em Lisboa, os
eurodeputados integram comissões parlamentares especializadas ou
sectoriais. Três semanas por mês estão sediados em Bruxelas, onde
funcionam estas comissões que desenvolvem um trabalho de natureza
técnica e produzem relatórios. Na restante semana do mês os
eurodeputados transferem-se para Estrasburgo onde decorrem as
sessões plenárias. Para além disso integro delegações e
sub-comissões em áreas da minha especialidade, nomeadamente
assuntos jurídicos, emigração, o Eurojust, direitos do homem. Sou
vice-presidente do Parlamento Europeu para a região do Mercosur e
participo em viagens oficiais de delegações de eurodeputados em
diversas regiões do mundo.
À primeira
vista parece um dia a dia muito agitado…
De segunda a quinta-feira estamos
em Bruxelas ou Estrasburgo, conforme a situação, e na quinta ao fim
do dia regressamos a Portugal. Normalmente regresso a Lisboa caso
tenha reuniões relacionadas com o meu partido ou intervenções em
programas de comentário político em televisões, e só no dia
seguinte é que regresso ao Porto onde exerço a minha actividade
profissional como advogado.
Os
portugueses têm demonstrado um grande alheamento quando se realizam
eleições europeias. Isso significa um défice de conhecimento das
instituições?
Estou em crer que os portugueses
vão conhecendo melhor as instituições europeias. E para quem não
saiba o Parlamento Europeu permite que cada eurodeputado possa
convidar 100 pessoas por ano para visitar as suas instalações,
dando assim a conhecer um pouco do trabalho que ali se faz.
Recentemente viajaram até Bruxelas duas escolas que venceram o
programa interescolar chamado «Parlamento Europeu Jovem».
Como é que
em representação de um pequeno país se consegue defender os
interesses nacionais numa Europa a 27?
Basicamente com intervenções e
iniciativas com visibilidade. Recentemente organizei uma mostra de
vinhos portugueses, nomeadamente Vinho do Porto e de mesa, no
Parlamento Europeu que teve uma grande aceitação por parte dos meus
colegas dos restantes 26 países representados. Muitos deles
confessaram-me que nunca tinham provado vinhos portugueses. Esta
iniciativa revelou que promover os produtos portugueses é uma
importante vantagem económica que importa não desperdiçar.
Há poucas
semanas uma iniciativa sua travou a entrada de têxteis do Paquistão
na União Europeia, o que favorece a economia e as exportações
nacionais. Sente que defendeu o seu país no concerto das
nações?
Eu, enquanto português na Europa
que sou, procuro defender, através do mandato que os eleitores me
conferiram, o melhor que posso e sei, o interesse nacional.
Suscitei o debate no parlamento em Estrasburgo sobre a entrada de
têxteis com origem no Paquistão convicto que se fosse dada luz
verde isto seria trágico para o meu país e também para outros, como
a Itália e a Espanha. Seria concorrência desleal visto que se
abriria a porta a produtos fabricados sem exigências sociais,
ambientais, com limitação no uso de matérias-primas e com o recurso
ao trabalho infantil, o que, naturalmente, teria reflexos no preço
final. Isto viola as regras do mercado e reflecte a falta de defesa
do interesse estratégico que existe na União Europeia. Foi contra
isto que me insurgi, valendo-me de argumentos que foram aceites no
plenário.
Porque é
que o interesse estratégico da Europa enquanto poder económico não
é defendido em bloco?
O grande responsável é a ausência
de um pensamento estratégico europeu. Se existirem interesses
conflituantes entre alemães e portugueses, certamente vão
prevalecer os interesses da nação mais forte. No que diz respeito
às exportações, a troika faz pressão para que dinamizemos o seu
aumento, enquanto a União Europeia nada faz para evitar que ataquem
o nosso coração produtivo e destruam mais postos de trabalho. Há
muitos obstáculos para retirar do caminho na Europa, e nalguns
sectores há passos importantes que estão a ser dados. Eu estou a
trabalhar num relatório no seio de uma estrutura denominada
«European Investigation Order», que a concretizar-se vai permitir
que a investigação criminal persiga e detenha um criminoso, esteja
ele onde estiver, no espaço europeu, agilizando a burocracia e
evitando que o processo corra o risco de prescrever.
É a Europa a duas ou mais velocidades
que vai perturbando o processo de integração europeia?
Não há volta a dar-lhe: os mais
ricos e desenvolvidos fazem sempre prevalecer os seus interesses
comerciais e empresariais, mesmo que isso acarrete prejuízo para
outros, perpetuando as assimetrias. Um dos pilares em que se
construiu o projecto europeu, a solidariedade e coesão, está muito
deficitário. A Política Agrícola Comum (PAC), que absorve cerca de
40 por cento do orçamento total da União Europeia, é o exemplo de
falta dos valores que menciono. A Grécia, por causa dos subsídios à
produção de algodão, está em primeiro lugar na lista dos países
mais ajudados, enquanto Portugal ocupa o
24.º lugar. É esta falta de coesão
que mina o processo de construção europeia.
O modelo
federal, ao estilo dos Estados Unidos da Europa, seria um caminho a
seguir?
Pelo contrário. A federação
europeia seria um caminho a evitar. Sou crítico de um processo
federativo europeu de inspiração do tipo americano, até porque a
Europa, ao contrário dos EUA, tem línguas e etnias diferentes, bem
como um passado recente onde foi o epicentro de conflitos regionais
à escala mundial que originaram milhares de mortos. Os grandes
países imporiam a 500 milhões de pessoas, que constituem os países
da União Europeia, tudo o que quisessem. Aliás, na política externa
da Europa isso já acontece. Dou-lhe um exemplo: Em Timor Leste
encontra-se um representante espanhol que está longe de ser um
adepto da língua portuguesa em Timor.
Independentemente do modelo, os grandes serão sempre grandes e os
pequenos reduzidos à sua insignificância?
Acredito num aperfeiçoamento da
governação económica na Europa, com a criação de regras mais
centralizadas como as que temos vindo a assistir, mas rejeito um
federalismo institucional. Isso nunca.
bém
eurodeputado, escreveu um livro sobre o poder e a falta de
transparência das agências de rating. Vivemos uma época em que os
especuladores triunfam sobre os eleitos?
Eu penso que estamos a assistir a
uma mudança de paradigma. A crise que atravessamos vai fazer com
que um capitalismo selvagem, em que as governações assentavam em
cada vez mais dívida, dê lugar a um rumo que reconduza os estados e
os mercados às regras do bom senso. Já não se pode governar a
pensar nas próximas eleições, mas sim a pensar nas próximas
gerações. Estou em crer que este novo modelo vai prevalecer, o que
fará com que os especuladores possam ter mais dificuldade em
vingar, no futuro.
Aqui
chegámos devido à explosão do consumo e do endividamento. A bolha
rebentou e será preciso começar da estaca zero, com novos valores.
É esta a sua mensagem?
Os estados estão a afinar os meus
modelos, mas não creio que fujam de assentar em bases racionais e
de sustentabilidade da economia dos estados, em detrimento da
acumulação de uma divida crescente e impagável. Estou em crer que a
Europa e os estados que a compõem vão encontrar o melhor sistema
possível para enfrentar o futuro.
Portugal
está numa terrível ânsia para descolar da Grécia, mas os níveis da
execução orçamental foram uma desilusão. A terapia de choque para
curar o doente está a debilitá-lo ainda mais?
Os esforços para conter o défice
não estão a ter resultados animadores, mas os outros indicadores,
nomeadamente ao nível da despesa, são positivos. E é preciso não
esquecer a Grécia está na rua e lida com uma conflitualidade social
imensa. Isso não é resposta aos problemas. Portugal tem
estabilidade política, um governo de maioria e um acordo
parlamentar entre três forças partidárias, o PSD, o PS e o CDS, que
respaldam o memorando da troika. E a Europa tem percebido que por
estes motivos somos diferentes da Grécia. Temos sido, por isso, um
bom exemplo. Nesta senda penso que, se continuarmos a cumprir como
até aqui o plano de ajustamento, conseguiremos voltar aos mercados
financeiros, em 2013, a um juro capaz.
Integrou
duas comissões parlamentares em Portugal que foram bastante
mediáticas e que trouxeram mais alguma luz a dois casos que, à sua
maneira, marcaram a sociedade portuguesa: a de Camarate e a do BPN.
Que memórias guarda da sua intervenção em ambas?
Tive um grande orgulho em pertencer
a duas comissões que credibilizaram e prestigiaram a Assembleia da
República. Ambas comissões foram a melhor homenagem que o
Parlamento podia prestar à democracia. No que ao caso Camarate diz
respeito, o que se sabe de substancial deve-se não à justiça, mas à
política. No caso da morte de Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro
da Costa o processo já prescreveu, mas a verdade não prescreve. A
VIII comissão de inquérito, que tive o prazer de presidir,
mobilizou uma comissão multidisciplinar que incluiu peritos em
explosivos, especialistas sem engenharia que reuniram um espólio
documental anatómico e com base em destroços do avião que reforçou
os indícios para a tese de atentado que terá provocado a queda do
Cessna, na noite de 4 de Dezembro de 1980.
O caso BPN
é mais recente e é paradigmático da promiscuidade entre política e
negócios. Ficaram célebres os seus «tête-à-tête» com o governador
do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, onde foram trocadas
palavras azedas entre ambos…
Os directos da comissão parlamentar
de inquérito ao BPN foram o primeiro "big brother" político
televisivo. Constâncio foi responsável pelo que aconteceu porque
não agiu quando devia. O processo BPN revelou falhas clamorosas da
supervisão e crimes inimagináveis na actividade bancária. A
nacionalização do banco por parte do governo socialista revelou-se
um acto politicamente incompetente e ruinoso, porque foram três
anos e meio de uma marca a funcionar de forma depreciada e falida.
Só depois é que se vendeu o banco ao BIC a preço de saldo. Temo é
que várias gerações vão pagar os prejuízos acumulados neste
processo.
Como vê o
fenómeno do desemprego entre os jovens?
É uma realidade trágica. É
terrivelmente perverso para uns pais investirem a vida inteira na
educação de um filho e verificarem que o seu esforço não está a ser
recompensado. E é frustrante para os próprios jovens que se sentem
habilitados para desempenharem o seu papel laboral na sociedade e
não lhes é dada essa oportunidade. O Estado deve dar resposta e
funcionar de forma integrada.
Os
últimos anos foram férteis em conflitos e tensões incessantes entre
professores e tutela. A tensão permanente deixou cicatrizes
difíceis de mascarar?
Perdemos tempo e perderam todos.
Professores, pais, alunos e governantes. E o sector do ensino em
Portugal, especialmente. Um sector demasiado corporativo e
politizado só pode ser instrumentalizado e não obedece ao seu
escopo fundamental que é o de formar para a vida. Infelizmente um
dos pecados que continua a dominar o país é a corporativização de
sectores fundamentais da sociedade, como é o exemplo que dei na
educação, como também na justiça. Só que não é balcanizando-se
interesses e perpetuando-se conflitos que Portugal avança.
Reformar
tem sido uma palavra de ordem deste governo e também neste domínio.
A educação também carece de uma reforma profunda?
A educação tem sido um produto
experimental nas mãos do ministério da 5 de outubro. O sector
precisa de estabilidade, exigência e verdade na formação. Não estou
com isto a dizer que não se deve reformar, mas ao fazê-lo deve
existir uma aplicação razoável no tempo e não deixar essa mudança
ao sabor dos ciclos eleitorais. Acredito firmemente no trabalho
deste ministério e deste ministro, oxalá os outros sectores ajudem
e não atrapalhem.