José Cid
«A televisão não mostra a verdadeira música portuguesa»
Aos 73 anos, José Cid regressa aos
tempos de «menino prodígio» com um álbum onde recupera uma faceta
mais rock. O músico português descreve o novo disco como um
trabalho "rebelde e politicamente
incorrecto".
«Menino Prodígio» é o cartão de visita do
trabalho discográfico com o mesmo título. Como tem sido
recebido?
Acho que da melhor maneira. O videoclip do
«Menino Prodígio» está com cerca de 50 mil visualizações no
YouTube. O disco em si tem sido igualmente bem recebido. É muito
bom ver a resposta do público nos concertos. Ao vivo, as pessoas
cantam comigo em coro.
A canção «Menino Prodígio» é um trabalho
autobiográfico. Como é regressar à
infância?
Vivia na Chamusca, no Ribatejo, e os amigos do
meu pai ficavam muito admirados por eu, com quatro ou cinco
aninhos, cantar e tocar piano. Ninguém estava à espera, uma vez que
ninguém me ensinara. Então chamavam-me menino prodígio. Entretanto,
como diz a letra da canção: o "menino prodígio morreu, mas o seu
epitáfio sou eu".
Este álbum reúne vários temas censurados,
na altura em que fazia parte do Quarteto 1111. Qual é a sensação de
compor uma música e ela ser
censurada?
Nós, e um grupo restrito de cantores da altura,
tínhamos grandes dificuldades com a censura. Tínhamos a censura em
cima de nós, feroz, muitas vezes injusta, outras vezes agressiva. E
nós enfrentámos a censura. Eu tenho 28 canções proibidas no antigo
regime, dava para preencher um álbum duplo. Para este novo álbum
fui buscar três canções ao meu passado e dei-lhes uma roupagem
atual: «Blá! Blá! Blá!», «Monstros Sagrados» e «Rock
Rural».
Acredito que seja agradável recuperar
esses temas.
Sim, e são completamente atuais. O meu álbum é
autobiográfico em dois temas só: «Menino Prodígio» e «O andar de
Marylin», que foi a minha primeira grande paixão, com 12 ou 13
anitos. Quando morreu estava já apaixonado por aquela que foi
talvez a mais bonita mulher do cinema. É, de resto, um álbum de
consciência e politicamente incorrecto, daí a sua rebeldia e o seu
interesse.
No alinhamento do disco há um tema de
Aerosmith. Porquê uma cover da banda de Steven
Tyler?
A história começa para aí há 15 anos atrás,
quando o tema saiu. Fui cantar ao Casino Estoril e, nessa ocasião,
cantei também alguns temas que não eram meus. «I Don't Want to Miss
a Thing» foi um deles. Depois, já em 2005, fui escrever o meu livro
de poesia a uma ilha das Caraíbas onde à noite fazia karaoke num
hotel em que ninguém me conhecia. Cantei a canção dos Aerosmith e
fiz muito sucesso (risos). Comecei a ir todas as noites cantar este
tema no karaoke. O ano passado a RFM convidou-me para um programa
ao vivo e cantei «I Don't Want to Miss a Thing». A reação do
público foi extraordinária e eu resolvi incluir o tema no meu
álbum. É quase uma provocação, para se perceber que eu consigo
cantar outras coisas.
Tem muitos cuidados com a
voz?
Tenho. Não bebo álcool, não fumo nem bebo coisas
geladas. Tenho também cuidado com as
alergias.
Tem de estar em forma para os concertos
deste verão...
Até setembro vou ter 40 concertos em Portugal. O
público quer ouvir-me. O meu concerto é extraordinariamente
procurado no país inteiro, porque atravessa várias gerações. É um
concerto com muita música e pouca conversa. Toco as canções que
toda a gente conhece e algumas novas, acompanhado por músicos muito
bons
Com a edição deste disco promete
conquistar mais público, sobretudo nas camadas etárias mais
jovens.
Já tinha esse público. Mas este ano toquei em
quatro queimas universitárias. É muito bom ver os jovens cantar
todas as minhas canções.
José Cid é uma grande referência da
música portuguesa. Qual é a leitura que faz do panorama
atual?
Vejo muitos projetos jovens
que têm imensa dificuldade em se impor, particularmente os que
cantam em português. E, depois, vejo com muito desagrado programas
de televisão, aos sábados e domingos à tarde, que nivelam a música
pelo nível mais baixo. A televisão não mostra a verdadeira música
portuguesa. Há muitos jovens com qualidade que não aparecem ali,
porque esteticamente não são o que os programas
procuram.
Hugo Rafael
Texto: Tiago Carvalho
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