“Pedagogia (a)crítica no Superior” (IV)
A entrega do CANUDO
«This is the end, beautiful
friend
My only friend, the end»
("The End", The Doors,
1967)
O ano lectivo
finda com a cerimónia de «entrega das cartas de curso». O Prof.S.,
ao presidir a este ritual académico, escolheu a música do
carismático vocalista Jim Morisson, e que Francis Ford Coppola usou
como banda sonora do não menos célebre Apocalypse Now
(1979). Dessa canção retirou três palavras-chave como mote para o
seu discurso aos recém-licenciados: End (fim), Friend (amigo),
Doors (portas).
1.
FIM de um ciclo. Não vivi este tipo de cerimonial
quando estudante da Universidade Técnica de Lisboa. Os tempos eram
outros, mais dados há contestação, ou de acordo com a terminologia
de Derrida, ao "desconstrutivismo". Este "evento" (na designação
dos animadores) assinala o fim de um importante ciclo de vida. Um
período marcante pois, para a grande maioria, foi vivido a tempo
inteiro, de forma intensa e apaixonada. Mas, nos tempos
modernos (sempre os houve, lembremo-nos do filme de 1936 de
Charlie Chaplin), deixou de haver um só ciclo académico. A educação
permanente (agora rebaptizada de «educação ao longo da vida»)
exige-vos, a curto/médio prazo, o retorno ao ensino superior, para
aprofundamento de estudos e especialização profissional. Muitos
voltarão à "casa-mãe" para iniciarem uma pós-graduação. Alguns,
depois do mestrado prosseguirão para o doutoramento, num percurso
ininterrupto ou num sistema alternado emprego-formação; tudo
depende da entrada imediata no mercado de trabalho ou do interregno
enquanto se aguarda pela tão desejada colocação e se vai
continuando os estudos (enganando-se as estatísticas do desemprego
mas valorizando-se cada um de vós). A expressão "quando fui
estudante" é hoje um pouco anacrónica. Antes, o "estatuto" de
estudante aparecia associado a um determinado ciclo de vida - a
juventude. Agora sereis estudantes por diversos períodos, até na
chamada 3ª idade: o alargamento da esperança média de vida e o "ter
finalmente tempo" possibilitam a frequência da "universidade
sénior".
2.
AMIGOS para sempre. É na escola, e muito em
especial no ensino superior, que se fazem amigos; muitos
acompanham-nos para o resto da vida. José Régio, num dos seus
trabalhos autobiográficos (obra póstuma de 1971), relembra os
tempos em que estudou na Universidade de Coimbra, apesar de naquela
altura se ter criado a Faculdade de Letras na Universidade do Porto
(vivia ele então em Vila do Conde): «Eu queria ir para Coimbra!
Sonhava com a minha Coimbra de António Nobre, com a boémia de
Coimbra, com a paisagem de Coimbra, com o romantismo e todos os
mitos mais ou menos poéticos de Coimbra…, não podia, não podia
deixar de ir para Coimbra!» «Lá ganhei novos amigos. Lá passei pelo
menos alguns dos anos mais felizes da minha vida». Poucos são
aqueles que hoje optam por viver numa "república" de uma
Universidade longe da família. Democratizou-se, e de que maneira, o
acesso ao superior: 20,6% da população entre os 25 e 64 anos
quando, em 2001 era de 9,2%. A rede de ensino superior expandiu-se
e agora, em cada distrito, temos várias instituições disponíveis -
universidades ou politécnicos, públicas ou privadas. Por isso, os
sacrifícios das famílias são menores. Os estudantes insistem em
ir-e-vir, diariamente, de casa para a escola. Vantagens, bastantes
(financeiras sobretudo): evita-se um segundo alojamento, poupa-se
na alimentação. Desvantagens, muitas: menos tempo dedicado ao
estudo, ao convívio, à tertúlia, aos cafés, esses espaços da
aprendizagem informal.
Hoje, esta cerimónia é
para os vossos pais um dia cheio de significado: vocês são os
primeiros licenciados da família! É a geração que, em Portugal,
acedeu ao ensino superior quebrando a barreira dos constrangimentos
sócio-económicos.
3.
PORTAS para o (des)emprego.
Fecham as portas do curso que finda, da escola que abandonam
enquanto se abrem as portas as da vida activa, as do emprego. A
carta de curso (o "canudo" no jargão social) é a chave (não mestra,
infelizmente) que abre a porta do mundo do trabalho e facilita os
mecanismos de mobilidade social. Os professores, ao contrário dos
médicos, não o colocam nas paredes da sala de aula (mas já os vamos
vendo no hall dos Centro de Explicações que por aí
proliferam). Não sei qual o destino que darão ao diploma:
emoldurado, metido numa gaveta ou apenas citado nos muitos
curriculum vitae que, com certeza, irão redigir nos tempos
mais próximos.
Também neste domínio
assistimos a novas realidades: o desemprego veio para ficar; deixou
de ser conjuntural e passou a estrutural. Atinge valores muito
altos, em especial entre os jovens. Múltiplos estudos têm
demonstrado, no entanto, que o desemprego afecta mais os que não
têm qualificações académicas e/ou profissionais (13,7% na população
dita "activa" quando nos diplomados é de 9,6%, segundo os números
oficiais). Num país com tão baixa produtividade, e que não sai da
cauda do pelotão da Europa, onde os empresários teimam em ter
mão-de-obra barata (e desqualificada) em detrimento de gente com
formação superior (a que naturalmente teriam de pagar com outros
montantes), alguns de vós ouvirão repetidamente, no futuro, a
frase: «Foi para isto que andaste a estudar!» Podem crer, os
diplomas (ainda) valem. Um curso de licenciatura não foi, nem nunca
será um fim em si. Todavia, é uma habilitação importante no
percurso de todos vós. Saibam tirar daí dividendos. E não parem de
estudar pois «o saber não ocupa lugar».
A todos vós deseja o
Prof.S., do fundo do coração, as maiores felicidades. Até
sempre!