Propostas

Bocas do galinheiro
Ennio Morricone, o homem da música
bocas.jpgCresci a ver westerns e a "viver" westerns. Eram dias e dias de coboiadas, coldre à cintura e bang, bang até secar a garganta. Os clássicos americanos passavam de vez em quando na RTP, era a que havia, "O Mascarilha" (Lone Ranger), era ritual de Domingo à tarde, como era o "Bonanza", a célebre família Cartwright, que passava em horário nobre, como se diz agora, se bem me lembro, Sábado à noite. Tudo a preto e branco. E não nos queixávamos. Nem sabíamos que havia televisão a cores. Depois veio o Western Spaghetti, desde logo, entre outros, pela mão de Sergio Leone, o mestre do género.. E de repente tudo mudou, para nós para melhor.
A conhecida Trilogia dos Dólares, de que fazem parte "Por um Punhado de Dólares" (1964), "Por Mais Alguns Dólares" (1965) e "O Bom, o Mau e o Vilão" (1966), de Leone, com Clint Eastwood no protagonista, foi determinante para o crescimento do género, sendo hoje unanimemente considerados clássicos. Mas se os filmes nos ficavam na retina, e "o homem sem nome", passou a uma lenda no cinema, as bandas sonoras ficavam no ouvido. Ora o "culpado" disso é o compositor italiano Ennio Morricone, antigo colega de escola do realizador, falecido em Roma no passado dia 6 aos 91 anos, cidade onde nasceu e onde se iniciou na música pela mão do pai, trompetista. Com mais de 60 anos de carreira, experimentou vários ambientes, do jazz à música ligeira, em que colaborou, entre outros, com Gianni Morandi, Rita Pavone, Paul Anka e , Françoise Hardy, mas foi o cinema que lhe trouxe a fama.
Autor de centenas de bandas sonoras, a bem dizer foram mais de 500!, "Il Maestro" percorreu variados géneros cinematográficos sempre com a genialidade que caracterizou a sua obra e a marca que deixou em grandes filmes.
A sua estreia no cinema acontece em 1961, com "Il Federale", de Luciano Salce, mas já em 1960 tinha composto para "Morte di una mico", de Franco Rossi, apesar de não aparecer nos créditos. Dos afamados Western Spaghetti, de que "Aconteceu no Oeste" (1968), é outro marco, também de Leone, que manteve uma produtiva parceria com o compositor, a obras tão marcantes e realizadores tão variados, como notáveis. Sem pretendermos ser exaustivos, porque seria impossível neste espaço, não resistimos a lembrar "Dias do Paraíso" (1978), de Terence Malick, que lhe valeu a nomeação para o Oscar de Melhor Banda Sonora Original "A Missão" (1986), de Roland Joffé, com mais uma nomeação e que viria a reincidir em 1987 com "Os Intocáveis", de Brian De Palma, em 1991 com "Bugsy", de Barry Levinson e em 2000 com "Malèna", de Giuseppe Tornatore, para quem também compões para "Cinema Paraíso" (1988), uma sentida e justa homenagem ao "cinema de aldeia" e como nos fez apaixonar pelas fitas e, acima de tudo, pelas estrelas. O Oscar veio finalmente em 2016 com a banda sonora de "Os Oito Odiados", de Quentin Tarantino, um confesso admirador do compositor que o inspirou nos seus filmes anteriores. À laia de curiosidade, Morricone, uns anos antes afirmou que se recusava a trabalhar com Tarantino. Mudou de ideias e ainda bem. Lembrar que em 2007, o maestro recebera um Óscar Honorário, aquele que é dado a quem não foi devidamente reconhecido, uma espécie de mea culpa da Academia, na altura entregue nada mais nada menos que por Clint Eastwood. Quem mais poderia ser?
Queremos ainda lembrar filmes como "Teorema" (1968) e "AS Mil e Uma Noites" (1974) de Pier Paolo Pasolini, "Galileu" (1968), de Liliana Cavani, "Inquérito a um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita" (1970), de Elio Pertri, "1900" (1976) e "La Luna" (1979), de Bernardo Bertolucci e muitos, muitos outros. Ainda no género Spaghetti western, uma menção para um actor que rivalizava em popularidade com Clint Eastwood, Giuliano Gemma, que usava também, Montgomery Wood, protagonista de "Uma Pistola Para Ringo" (1965), "O Regresso de Ringo" (1966), de Duccio Tessari, ou "Quem Dispara Primeiro" (1968), de Giulio Petroni, todos com música de Morricone, como outras largas dezenas de "coboiadas". Não chegou à popularidade nem ao nível do americano, principalmente quando Eastwood se lançou na realização.
Mas a música do Morricone foi mais além dos filmes que a integravam. Temas como "The Ecstasy of Gold", da banda sonora de "O Bom, o Mau e o Vilão", é tocada pelos Metallica como tema de abertura dos seus concertos, alguns dos quais a banda disponibilizou agora, como o do Super Bock Super Rock 2007, bem como os MUSE que vão buscar a introdução do tema "Knights of Cydonia", a "Man With a Harmonica" de "Aconteceu no Oeste", só para citar estes.
A ligação de Morricone a Portugal é conhecida, tendo gravado, em 2003, o álbum 'Focus' com Dulce Pontes. A cantora actuou com ele no concerto de Lisboa, em 2019, inserido na sua digressão de despedida, com a Roma Sinfonietta, altura em que se pôde assistir à revisitação, pelo autor, de temas icónicos que povoaram muitos dos filmes que musicou. Como disse na cerimónia de entrega do Óscar que conquistou em 2016, revelando muita modéstia "não há uma grande banda sonora sem um grande filme que a inspire". No caso de Morricone, nem sempre foi preciso.
Por nós, podemos sempre assobiar um tema dele à escolha.
Até à próxima e bons filmes!


Luís Dinis da Rosa
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico
IMDB
 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
 
 
Unesco.jpg LogoIPCB.png

logo_ipl.jpg

IPG_B.jpg logo_ipportalegre.jpg logo_ubi_vprincipal.jpg evora-final.jpg ipseutubal IPC-PRETO