Entrevista

Marques Mendes em entrevista
Há que cortar a direito na educação

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Mesmo afastado da política activa, Marques Mendes é uma das vozes mais respeitadas sempre que se faz ouvir. O ex-ministro de Cavaco Silva defende uma «profundíssima descentralização» no Ministério da Educação, delegando competências da 5 de Outubro para as autarquias locais, bem como a reabilitação da fragilizada autoridade da classe docente tendo em vista melhor preparar os alunos. Sobre os que tempos que aí vêm, regulados pela receita da «troika», Marques Mendes afirma que os portugueses vão ter de fazer coisas muito simples de dizer, mas difíceis de fazer: «poupar mais, trabalhar mais, produzir  mais».

 

«O Estado em que estamos» é o seu mais recente livro. Considera-o a contribuição cívica de um político que neste momento se encontra retirado?

É, sem dúvida. É um contributo cívico e de cidadania. Julgo ter uma experiência política grande, um profundo conhecimento do Estado e da sociedade, que me permite dizer que estamos numa fase muito difícil da vida do País. Portugal está numa encruzilhada. E considero que todas as pessoas, nomeadamente as que têm um grande capital de experiência adquirido, podem e devem dar o seu contributo, não apenas para o diagnóstico da situação, mas sobretudo, para o encontrar de soluções para o futuro. Numa palavra, eu creio, que pese embora a encruzilhada em que estamos, Portugal tem solução. Tenho para mim que os portugueses merecem voltar a ter confiança e esperança. Para isso é preciso desenvolver um debate sério e aprofundado, com conhecimento de causa. Que o meu exemplo, através desta edição, seja seguido por outros, igualmente com um capital de conhecimentos muito proveitoso.

 

No seu livro traça uma análise transversal a toda a sociedade. Se lhe pedissem para sintetizar numa palavra que ideia defenderia como urgente e prioritária para Portugal e os portugueses?

Competitividade. Acho que essa é a ideia nuclear. Voltar a ser um País competitivo  é a chave do nosso sucesso. Já o fomos, no passado. Particularmente entre 1985 e 1995. Deixámos de ser nos últimos anos. Com isso estamos a baixar de divisão na Europa. A perder sistematicamente poder de compra. A ver o desemprego atingir proporções alarmantes. E até, mais recentemente, atingimos o limite dos limites de praticamente termos chegado à bancarrota.

 

Quer concretizar de que forma e que em áreas é que a dimensão competitiva nacional deve imperar?

Para começar, é preciso ser competitivo na economia, ter empresas competitivas, ter uma educação que favoreça a competitividade, e uma justiça que incentive um país competitivo. E, inclusive, precisamos de ser competitivos no plano político de forma a termos um sistema que favoreça a estabilidade e a governabilidade. Em suma, a ideia central deve mobilizar todos: políticos, não políticos, Estado e cidadãos. Até podemos divergir relativamente às políticas para atingir este objectivo, mas o que devia estar na cabeça de todos, da direita à esquerda do espectro político, era fazer de Portugal um país competitivo.

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Quando foi presidente do PSD tomou uma decisão que lhe causou dissabores junto dos seus próprios colegas de partido, ao não incluir nas listas de deputados pelos sociais-democratas candidatos com problemas com a justiça. A vida política precisa de ser como a mulher de César, «não basta ser é preciso parecer»?

Sem dúvida. É preciso credibilizar e moralizar a vida política. Os políticos são muito mediáticos, logo estão muito expostos. Tornam-se muito conhecidos e estão permanentemente nas páginas dos jornais ou nos ecrãs de televisão. Como diz o ditado popular, «o exemplo vem de cima», e se de cima, dos políticos, não vem um bom exemplo, isso contamina negativamente a sociedade. Por isso, de um político exige-se, não apenas que seja competente, dedicado, trabalhador, mas também que seja um exemplo em termos de seriedade, credibilidade e respeito por princípios éticos que são hoje absolutamente incontornáveis. Ninguém é hoje obrigado a fazer política. Mas quem a faz, terá de ter preocupações inerentes. Se não as tiver, descredibiliza-se a si próprio e descredibiliza a vida política em geral.

 

A opinião pública usa e abusa da diabolização dos políticos. Não pensa que muitas vezes se confunde a árvore com a floresta?

Em Portugal há uma grande tendência para a generalização, tomando a parte pelo todo. Concretizando: aparece um político com acusações de corrupção ou a ser investigado por qualquer crime grave, logo as pessoas tendem de imediato a pensar que se há um que prevarica, então são todos iguais. Por isso é que eu entendo que quando surge um mau exemplo na vida política ele tem que ser atacado à nascença, para evitar o vício da generalização e da contaminação. Temos de ser exigentes na nossa vida em sociedade, mas de uma forma especial quem tem responsabilidades políticas porque são os cargos mais visíveis e mais expostos e que porventura mais influenciam negativa ou positivamente. O que eu defendo é que se de cima vier um bom exemplo, isso é bom para a sociedade…

 

A política é vista por muitos como um terreno pouco recomendável. É isso que leva os mais competentes a manterem-se à margem das tarefas políticas?

A política é um bocadinho o reflexo de toda a sociedade. Se a política tem qualidades e defeitos, julgo que, em grande medida, é o espelho das qualidades e defeitos da sociedade, em todos os sectores e segmentos de vida. O que eu creio é que tem que haver um esforço de moralização, os maiores sacrifícios têm de vir de cima. E hoje existe um problema adicional: há pessoas de muita qualidade no meio empresarial, na gestão, etc, mas que de um modo geral recusam fazer política. O caso mais paradigmático e preocupante é o dos jovens. Convivo muito com eles, e devo dizer que temos jovens de grande competência, mérito e talento. Comparado com os jovens do meu tempo, arrisco dizer que os desta geração são melhores.

 

Que causas estão na base do afastamento dos jovens da política?

Criou-se a ideia negativa que a política é a arte do vale tudo, que não tem regras, que se norteia apenas pelo interesse individual e de grupo, que não cumpre requisitos éticos, etc.  Perante este cenário, formatado à partida, os jovens apesar do talento profissional mostram-se indisponíveis, de uma forma geral, para enveredar por uma carreira política. Isso é mau e considero esta atitude um erro. Um país, seja ele qual for, tem que ser governado por políticos. Se não forem estes, são outros. Agora se os melhores se afastam, ficam os piores. A tendência será ainda mais negativa.

 

Hoje em dia os políticos de topo são preparados e treinados até à exaustão para o desempenho da sua actividade. A margem de erro é mínima. Muitos deles são autênticos actores que se limitam a debitar o que está no teleponto e só dizem aquilo que querem. É este conceito de político profissional que está muito negativamente enraizado aos olhos da sociedade?

Neste momento sim. A sociedade portuguesa olha o político profissional de modo pejorativo. O que é errado, porque se o político for um bom profissional, isso é positivo. Ou seja, nesse plano a política não é diferente da advocacia, da medicina, do ensino universitário ou do meio empresarial. Em todas as actividades temos de ter bons profissionais. Com qualidade, mérito, capacidade gestão e resultados. Infelizmente na política, perspectiva-se demasiadas vezes um profissional desta área como um vigarista, um corrupto ou uma pessoa menos séria. Acho uma perversidade.

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É o lado menos avisado dos portugueses de meter tudo no mesmo saco?

As pessoas deviam ser cáusticas com os políticos que dessem provas de irresponsabilidade e menos seriedade, mas ao mesmo tempo deviam saber o que fazem políticos com competência e honestidade. Eu tenho para mim que uma parte significativa dos nossos políticos é gente boa, carácter de competente. O importante seria que a opinião pública fizesse um esforço para separar o trigo do joio. Estou certo que ninguém do meio da advocacia gostaria de ouvir que os advogados são todos corruptos, o mesmo se aplicando aos médicos, aos professores universitários, etc. Não! Há de tudo. Só na vida política é que se insiste em generalizar.

 

No seu livro tem um capítulo intitulado «Uma Educação virada do avesso», em que aponta o dedo ao centralismo do Ministério. Porquê?

O Ministério é uma das raízes do mal do sistema. De há uns anos a esta parte o ministério é uma estrutura pesadíssima, aquilo que se pode chamar um «monstro». Isso é um erro. Têm passado pela 5 de Outubro vários governos, de todas as cores políticas, sem excepção, e não tem havido coragem política para alterar esta situação. Não compreendo que um ministro da educação em Lisboa, dotado de uma estrutura gigantesca, tenha de decidir coisas em Freixo de Espada à Cinta ou em Vila do Bispo.

 

Defende uma descentralização de competências para a administração local?

Na minha opinião acabar com esta situação implica levar a cabo uma profundíssima descentralização. Sublinho, profundíssima descentralização. Em matéria de educação a maior parte das competências devia passar para as autarquias locais. Com a redução/ampliação/apetrechamento de escolas, colocação de pessoal, etc. Só deviam ficar no Ministério em Lisboa as competências eminentemente nacionais. Há muitos burocratas que estão instalados no ministério que são contra esta mudança. Como também, valha a verdade que se diga, que há muitos sindicatos que também não estão pelos ajustes. Eu creio mesmo que os sindicatos são outra força de bloqueio na Educação. Em tese tenho um grande apreço pelos sindicatos e por uma vida sindical saudável, mas depois em concreto acho que muitas das nossas forças sindicais pararam no tempo e são pré-históricas. Vivem em circuito fechado e pensam apenas nos interesses corporativos. Acontece esta coisa extraordinária que é a seguinte: com a taxa de desemprego que acumulamos, os nossos sindicatos preocupam-se mais com os direitos de quem está empregado, do que com os que estão á procura de emprego.

 

Por aquilo que descreve, na sua opinião o Ministério obeso e o anacronismo dos sindicatos impedem que o sistema de educação evolua?

Há uma coligação profundamente negativa entre sindicatos e a estrutura macrocéfala do Ministério da Educação. Enquanto não houver um governo capaz de cortar a direito, temo que a situação não possa melhorar substancialmente.

 

Professores e alunos têm sido os grandes prejudicados por anos de inércia?

São dois dos principais protagonistas do sistema, mas eu creio que a escola deve ser virada para o aluno. A razão de ser da escola é o aluno, dando-lhe uma boa formação e preparação. No fundo, ter uma ferramenta que o habilite ao exercício cabal de uma profissão. Isto tem de ser o objectivo central da escola. Infelizmente nos últimos anos, vi eu e viram os outros portugueses, andou-se a discutir com mais afinco o estatuto da carreira docente ou a avaliação dos professores do que os problemas centrais que afectam o aluno. Neste aspecto creio que as prioridades têm estado, muitas vezes, invertidas. Com isto não quero significar, bem pelo contrário, que não deve haver uma grande atenção pelos professores É que a seguir aos alunos a grande prioridade  são os docentes.

 

Concorda que esta classe perdeu prestígio e autoridade perante os alunos e a sociedade?

A ideia de maltratar, desprestigiar ou desvalorizar os professores é um crime. Um país no domínio da educação só tem sucesso se tiver bons professores, motivados, prestigiados e com um grande estatuto. Dou-lhe este exemplo: Antes do 25 de Abril, e nem tudo era mau antes desta data, o professor era uma autoridade, não apenas dentro da escola, mas no seio de toda a localidade onde leccionava. Era visto com respeito, com prestígio, era um "opinion maker" muito importante. Hoje o professor, de um modo geral, está desvalorizado. Dentro da escola não tem autoridade e então fora da escola está desvalorizadíssimo. Isto é terrivelmente perverso e negativo. Para que os alunos sejam centro das atenções é condição prioritária ter professores prestigiados e motivados.

 

É esta estratégia desfocada da realidade que tem sido seguida que tem alimentando  os casos de laxismo e indisciplina dentro das salas de aula?

Se o professor não tem prestigio, não pode ter autoridade. Se não tem autoridade, a tendência é o facilitismo, a indisciplina, a violência até. Ou seja, tudo factores que devem ser urgentemente erradicados do meio escolar. Chamo a atenção que ainda hoje os países mais desenvolvidos do mundo não são aqueles que têm mais reservas de petróleo, porque se assim fosse os países árabes eram os mais desenvolvidos do mundo e não são. Os países mais desenvolvidos do mundo são aqueles que apostam muito forte na educação, no conhecimento e na inovação. Ou seja, na economia do conhecimento. Neste campo a ferramenta das qualificações e da educação é absolutamente essencial.

 

Como é que caracterizaria a aposta que temos feito neste campo. Insuficiente ou esforçada?

Nós em Portugal temos insistido em apostar noutras coisas, que não nos nossos recursos humanos. Penso que tem que existir uma inversão de prioridades.

 

O Governo que cessa funções foi acusado de ter seguido uma lógica estatística em detrimento da evolução qualitativa dos nossos alunos. Subscreve?

Este Governo foi o mais incompetente e irresponsável que tivemos depois do 25 de Abril de 1974. Em todas as áreas. Admito que tenham existido aspectos positivos, aliás era difícil em seis anos fazer tudo errado. Mas globalmente falando o executivo foi politicamente criminoso e desde logo no domínio da educação. Criou um mau ambiente e um mau estar neste sector verdadeiramente insuportáveis, apresentou a questão da avaliação dos professores em tom persecutório e quase punitivo, procurando virar docentes contra docentes. Estes seis anos de desordem vão levar muito tempo até ser reposta a normalidade e retomar-se um caminho sadio e saudável.

 

Educação e justiça são dois dos maiores fracassos do Portugal democrático?

Do Portugal democrático e em especial destes seis anos de governo socialista. Creio que a Justiça é capaz de ser ainda pior. Se na educação a actuação do executivo foi desastrosa, na justiça foi certamente criminosa. O sistema judicial está pelas ruas da amargura. O governo tentou perseguir magistrados, interferir no andamento dos processos e tudo isto sem conseguir introduzir qualquer medida que alterasse o actual estado de coisas. Hoje em Portugal, se as pessoas forem verdadeiras, dirão inequivocamente que não acreditam na Justiça. Inclusive muitos dos próprios agentes do sistema. E Porquê? Porque a justiça bateu no fundo.

 

A renovação do parque escolar, o encerramento de escolas com meia dúzia de alunos e a entrega de computadores «Magalhães» não são reformas que minimizam a má imagem que tem da política educativa deste governo?

Não posso dizer que são medidas negativas, mas é manifestamente insuficiente. Na educação o problema central que vai levar anos a melhorar é o estatuto dos professores. Eu recomendaria ao próximo governo que apostasse tudo em repor a dignidade, o prestígio e a motivação da classe docente. Professores com estas características têm mais autoridade e conseguem preparar alunos de forma mais eficaz. Isto não tem preço, não se faz por decreto, faz-se acarinhando os professores, estimulando-os e reforçando o seu estatuto pessoal.

 

Elencaria as finanças/economia, a educação e a justiça como prioridades nacionais para o próximo executivo?

Chegámos a uma fase em que não há volta a dar. Todos os sectores terão de apertar ainda mais o cinto. A prioridade das prioridades é a situação financeira. Portugal está à beira da bancarrota. Sem a ajuda externa provavelmente nesta altura teríamos sem dinheiro para pagar salários. Em todos os sectores vamos pagar a factura, no dobro ou no triplo, de não termos agido no devido tempo. Agora vamos passar uns anos, sublinho uns anos, em recessão, sem crescimento económico, com impostos altos, com corte de despesa e com um desemprego de 13 por cento, o que à escala portuguesa é uma brutalidade. Portanto, os tempos são muito difíceis. Numa palavra vamos ter de fazer coisas muito simples de dizer mas difíceis de fazer: poupar mais, trabalhar mais, produzir mais. Só lhe dou este dado: temos um problema de produtividade terrível. A nossa produtividade é sensivelmente 55 por cento da média europeia, praticamente metade. Isto quer dizer que um trabalhador nacional precisa do dobro do tempo de um europeu para fazer a mesma coisa. Este paradigma terá de ser alterado se quisermos um dia subir salários e repor os nossos níveis de bem-estar e prosperidade. Produzimos como um país do terceiro mundo e consumimos ao nível dos mais desenvolvidos, até um dia que isto rebentou pelas costuras.

 

O agravar da situação social pode gerar convulsões?

Pode acontecer, até porque a situação vai ser mais dramática. Mas é bom que todos reconheçamos que nenhum problema se resolve com base na violência, mesmo compreendendo o estado de desespero em que se encontram muitas famílias. Estamos claramente na cauda da Europa a 27 em termos de assimetrias sociais.

 

«Acabou o emprego único para a vida» é o tema de mais um capítulo do seu livro. Os jovens, motores de desenvolvimento e sangue novo nas organizações estão emigrar. Como vê esta situação?

Sinto um misto de satisfação e preocupação. Esse é o sinal exterior de mais um falhanço deste governo. Ver jovens aos milhares, que estudam no exterior e por lá ficam, ou que estudam cá e vão embora, é a prova de duas coisas: primeiro, o fracasso político de um executivo que aposta nas qualificações, no ensino superior e depois não lhes dá oportunidades para cá dentro desenvolverem as suas competências. Em segundo lugar, é também a prova da grande qualidade dos nossos jovens. Lá fora têm sucesso. Isto reforça a ideia que o que está errado é o País e as políticas que conduziram a esta situação. E nós, agora mais do que nunca, precisávamos de investir nos nossos talentos ou pelos menos criar condições para os que saíram possam em breve regressar.

 

Abandonou a política activa e está como gestor numa empresa do ramo das energias renováveis. Qual a margem de progresso deste sector?

Este é um sector com presente e futuro. Apostar nas energias renováveis é uma inevitabilidade, já não é uma questão de moda. A maior parte dos países, Portugal incluindo, precisam de reduzir a sua dependência energética do petróleo que importam. E o nosso País tem energias renováveis, limpas e amigas do ambiente, que são potencial endógeno nosso, com  grandes oportunidades no sol, vento, floresta, etc.  Em termos académicos, nesta área de estudo, internamente, as oportunidades profissionais já não são as mesmas que há 5 anos atrás. Todavia, numa perspectiva mais alargada, de mundo global, não tenho duvidas que há muito investimento para fazer, necessariamente rentável e necessário.

Nuno Dias
Expresso
 
 
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