Crónica de uma derrota anunciada
Escrevo esta crónica na
véspera de saber quem irá perder as eleições para a Assembleia da
República, que será lida após sabermos todos quem as ganhou.
Quando de tal me deram conta (da saída iminente deste número do
Magazine), brincava eu, escrevendo estes versos, cantando o
desencanto:
O BELISCO
O obelisco foi finalmente removido
do rim direito do escrutinado ministro.
Contas feitas - o que, por acaso, duvido -
valeu a pena mas não valeu o risco.
Para quem era tão duro de ouvido,
por se lhe ter suicidado o bicho,
do clamor não deu pelo ruído
e agora vai-se por apenas um belisco.
Então não tem outro rim, o ministro?
É surdo? Deixa, nós tratamos disto!
Emerjo assim do calor efervescente da campanha para pouco mais do
que pedir tremoços. É a vida.
Os protagonistas, aqueles que querem ser aquilo para o qual não
estão a concorrer, não falam para quem os escuta. Falam como se
ambos estivessem ao telefone em diálogo de surdos ou como dois
intervenientes numa partida de ténis, alternando o volar conforme
vai decorrendo o jogo.
Ouve já de tudo: os gatos arranhando por dentro o saco onde estão
metidos, mas cujas culpas são semelhantes quanto à serapilheira que
escolheram; as atoardas reveladoras de comportamentos mais ou menos
marginais, mas proferidas com ares de fino recorte; e, enfim, o
palavreado chocho de quem afinal inscreveu no próprio programa
apenas o título e a assinatura.
Agora é que é, dizem uns a propósito da ingerência estrangeira;
connosco será diferente apesar de o programa ser idêntico, reclamam
os outros.
Por mais que batam o pé e gritem inocência quando ao descalabro
político, social e económico a que o nosso país chegou, só em tal
poderá acreditar quem ainda não sofreu na pele o que está para vir
ou queira fazer a catarse do oásis, que também não é nada que não
tivesse sido já prometido.
Da Inflamação dos discursos à inflamação das gargantas vai um
passo. De tudo isso há-de resultar a irritação dos tímpanos de quem
ouve. A irritação de todo o corpo virá depois, quando os
trabalhadores, os reformados, os desempregados, os carenciados de
cuidados médicos, os jovens, etc., forem chamados a pagar a
factura. Em última análise, serão estes os derrotados destas
eleições.
Depois do dia cinco, valerá a pena lembrar António Aleixo e dizer:
Vós, que lá do vosso império/prometeis um mundo novo, /calai-vos
que pode o povo/querer um mundo novo a sério.