Opinião

Crónica de uma derrota anunciada

João de Sousa TeixeiraEscrevo esta crónica na véspera de saber quem irá perder as eleições para a Assembleia da República, que será lida após sabermos todos quem as ganhou.
Quando de tal me deram conta (da saída iminente deste número do Magazine), brincava eu, escrevendo estes versos, cantando o desencanto:

O BELISCO
O obelisco foi finalmente removido
do rim direito do escrutinado ministro.
Contas feitas - o que, por acaso, duvido -
valeu a pena mas não valeu o risco.

Para quem era tão duro de ouvido,
por se lhe ter suicidado o bicho,
do clamor não deu pelo ruído
e agora vai-se por apenas um belisco.

Então não tem outro rim, o ministro?
É surdo? Deixa, nós tratamos disto!

Emerjo assim do calor efervescente da campanha para pouco mais do que pedir tremoços. É a vida.
Os protagonistas, aqueles que querem ser aquilo para o qual não estão a concorrer, não falam para quem os escuta. Falam como se ambos estivessem ao telefone em diálogo de surdos ou como dois intervenientes numa partida de ténis, alternando o volar conforme vai decorrendo o jogo.
Ouve já de tudo: os gatos arranhando por dentro o saco onde estão metidos, mas cujas culpas são semelhantes quanto à serapilheira que escolheram; as atoardas reveladoras de comportamentos mais ou menos marginais, mas proferidas com ares de fino recorte; e, enfim, o palavreado chocho de quem afinal inscreveu no próprio programa apenas o título e a assinatura.
Agora é que é, dizem uns a propósito da ingerência estrangeira; connosco será diferente apesar de o programa ser idêntico, reclamam os outros.
Por mais que batam o pé e gritem inocência quando ao descalabro político, social e económico a que o nosso país chegou, só em tal poderá acreditar quem ainda não sofreu na pele o que está para vir ou queira fazer a catarse do oásis, que também não é nada que não tivesse sido já prometido.
Da Inflamação dos discursos à inflamação das gargantas vai um passo. De tudo isso há-de resultar a irritação dos tímpanos de quem ouve. A irritação de todo o corpo virá depois, quando os trabalhadores, os reformados, os desempregados, os carenciados de cuidados médicos, os jovens, etc., forem chamados a pagar a factura. Em última análise, serão estes os derrotados destas eleições.
Depois do dia cinco, valerá a pena lembrar António Aleixo e dizer: Vós, que lá do vosso império/prometeis um mundo novo, /calai-vos que pode o povo/querer um mundo novo a sério.

 
 
Edição Digital - (Clicar e ler)
 
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