Entrevista

Jessica Athayde
«Fala-se demais dos corpos e menos da mente»

No intervalo de uma sessão de autógrafos do livro que editou recentemente, a atriz falou das causas que a movem e explicou ao "Ensino" como mudou a sua vida, reestruturando a alimentação e seguindo práticas mais saudáveis. «Somos o que comemos» é o lema de Jessica Athayde.

Revelou publicamente que teve uma  anorexia nervosa e que padece de ansiedade, o que a levou a pesar 42 quilos. A sociedade portuguesa tem grande preconceito e tabu sobre as questões da mente?

jessica atayde.jpgSim. Creio que se fala demais dos corpos e menos das questões psicológicas dos seres humanos. As ansiedades são, frequentemente, pouco valorizadas socialmente e muitos dos sintomas de que estas pessoas padecem são vistos como manias, que podem ser ultrapassadas rapidamente com a ingestão de um qualquer comprimido. Muitas pessoas nem se apercebem que uma pequena palavra pode ser uma grande ajuda, se for positiva, ou gerar um grande desequilíbrio interno, se for negativa.

No livro «Não queiras ser perfeita», tenta desconstruir a ditadura da imagem que está muito presente na nossa sociedade. Como explica essa obsessão pela perfeição?

É um facto que por via da publicidade, por interesses comerciais, na moda,  nas capas das revistas, em entrevistas e até em programas televisivos é a imagem que está em primeiro lugar. O que me indigna é não saber quem é que decidiu que as pessoas imperfeitas não podem ser protagonistas e ser apresentadas como modelos. A mensagem que eu quero transmitir para todos, especialmente para os mais jovens, é que temos de lidar e aprender com as nossas imperfeições. O livro não pretende ser um guia de autoajuda, mas uma  inspiração para que quem lê consiga extrair o melhor de si.

Pertenceu à geração «Morangos com Açúcar», que foi a rampa de lançamento para a sua carreira como atriz. Trata-se de uma série com adolescentes lindas e corpos esculturais. Como é que as suas colegas acolheram o seu livro?

Senti um apoio enorme. As pessoas mais próximas, que trabalhavam comigo, sabiam perfeitamente do que se estava a passar, porque algumas das crises que tive aconteceram durante gravações de novelas. Mas eu creio que o mais importante é sentirmo-nos em paz com os nossos corpos e sermos saudáveis.  O meu lema é «somos aquilo que comemos».

Tem atualmente 29 anos. Com que idade sentiu que tinha batido no fundo, levando-o a reestruturar a sua alimentação, abandonando o fast food e a medicação. Conte-nos as transformações operadas no seu estilo de vida?

Por volta dos 25 anos atingi o meu ponto mais crítico, em que tudo mudou. Adotei um estilo de vida novo. Comecei a fazer exercício regular, a beber água, a comer verduras e até…um chocolate todos os dias. É o meu vício diário.

Uma verdadeira lição anti-sedentarismo…

jessica atayde2.jpgMexam-se! Pode ser pouco, mas façam-no. Vão passear o cão nos espaços verdes das vossas cidades, troquem o elevador pelas escadas, deixem o carro um pouco afastado do vosso destino e caminhem.

Apesar das boas intenções e do valor da mensagem, admite que a sua proatividade não vai mudar, do dia para a noite, a forma hedonista da nossa sociedade…

Não é fácil mudar o culto da imagem e a ditadura da imagem. Contudo, creio que devido à minha exposição posso ser uma espécie de porta-voz deste combate, transmitindo os valores certos a adolescentes e a pré-adolescentes. Eu agora peso 56 quilos e creio que o lema «corpo são em mente sã» é cada vez mais uma necessidade.

Pensa que devia existir nas escolas uma disciplina obrigatória de nutricionismo?

Podia ser uma mais-valia. Da mesma forma que devia ser obrigatório a contabilidade, para fazermos bem as contas e gerirmos bem as nossas posses (risos). Mas o nutricionismo ou a saúde podiam ser disciplinas integradas na educação física. Estou convicta que a educação pode ser muito importante para mudar certas mentalidades e comportamentos.

Foi a 11 de outubro de 2014, quando desfilou na Moda Lisboa, que choveram os reparos à sua condição física, especialmente da parte das mulheres. Como explica esta espécie de bullying da condição feminina?

As mulheres são terríveis umas para as outras e começam muito cedo. E creio que na raiz desse comportamento reside a insegurança. Pelo facto de não se sentirem bem com elas próprias, apontam o dedo umas às outras. É preciso parar para pensar.

Tem dado a cara por casos socialmente fraturantes como a anorexia,  a ansiedade, os maus tratos aos animais e a violência doméstica. Sobre este último caso, chegou a interpretar a personagem de «Bárbara» na telenovela da TVI «Mulheres».  Como se sente em ser o rosto destes dramas que tantos sofrem em silêncio?

No caso da violência doméstica, que segundo os últimos dados já vitimou 16 mulheres desde o início do ano, é um realidade que sempre existiu e continua a existir. O preocupante é que a violência doméstica não acontece apenas nos casamentos, começa mesmo durante o período de namoro. E o que acontece é que são poucos os casos que são denunciados às autoridades. Mais um motivo para expor publicamente este flagelo social.

Acredita que a violência doméstica reside em falhas culturais ou educativas?

Sinceramente não acho. Há casos de pessoas, inclusive de estratos sociais mais elevados, que tiveram tudo em termos educativos, nada lhes faltou, e estão envolvidas em situações desta natureza, com comportamentos fortemente machistas.

Para além de atriz requisitada, tem uma  forte influencia nas redes sociais e o seu livro tem tido uma boa aceitação. Sente-se, para além de uma pessoa influente, uma marca?

Não me sinto como tal, nem considero ofensivo se me consideram. Mas se o meu trabalho ajudar a veicular mensagens positivas e que tornem melhor a sociedade em que vivemos, não vejo mal nisso. 

jessica atayde3.jpgTem o sonho de tirar o curso de Psicologia. Porquê?

Eu gosto da área, também por causa dos problemas que passei. Penso que «encaixava» bem com o meu trabalho enquanto atriz. Ajudava-me a perceber as emoções, os comportamentos dos outros e lidar com os impulsos.

Conseguirá conciliar o curso com o seu intenso trabalho de atriz?

Não é um objetivo para amanhã, mas seria uma mais-valia. A minha colega Carla Andrino tirou o curso já com dois filhos e casada.

Que outros projetos tem no curto prazo?

Vou começar a gravar para a semana a telenovela «Santa Barbara», que será emitida na TVI, e onde vou interpretar a personagem de Ana da Luz. Nos intervalos das filmagens vou continuar a divulgação do meu livro.

Já recebeu convites para visitar escolas?

Já, sim senhor, Mas neste momento estou com alguma limitação de tempo, visto que as gravações ocupam dias inteiros. Mas quem sabe? É o meu target!

Nuno Dias da Silva
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