Joana Marques, humorista
«Agradeço muito a existência de políticos e futebolistas. E também da Luciana Abreu…»
Humorista, guionista, locutora de
rádio, autora de livros e…portista. Este é o retrato de Joana
Marques, a nova revelação da arte de fazer rir em Portugal e braço
direito de Ricardo Araújo Pereira em «Gente que não sabe
estar».
Acabou de editar «Vai
correr tudo mal», da Manuscrito, que tem na capa um buda a ser
impactado por um raio. Este é o seu grito de revolta contra os
tradicionais livros de auto-ajuda?
Não lhe chamaria "grito de revolta", que isso dá um ar muito grave
e sério à coisa. É uma sátira, e resolvi fazê-la porque, sim, de
certa forma revolta-me a existência de um certo tipo de guru de
auto-ajuda, que viu nessa ocupação uma forma aparentemente benévola
de sacar dinheiro às pessoas.
Acredita que o mercado dos
livros de auto-ajuda vai sofrer um forte rombo após este seu
lançamento?
Acredito que, pelo contrário, venderão ainda mais a partir de
agora. Os fãs da auto-ajuda, que são mais que muitos, vão sentir-se
atacados e unir-se em torno dessa causa, e dos respetivos mentores,
defendendo-os com unhas e dentes, e com alinhamentos de shakras e
limpezas da aura e tudo.
O humor ainda é a
melhor fonte de auto-ajuda para melhorar o estado de espírito
dos seres humanos?
Acredito que sim. Normalmente conseguirmos rir de uma desgraça é o
sinal de que estamos, aos poucos, a superá-la.
É humorista, locutora de
rádio e guionista. Em que papel se sente mais realizada e
completa?
No de dona de casa! Gosto muito de estar em casa. Aliás, o que me
custa mais em trabalhar muito é estar muitas horas fora. Tendo de
escolher uma das minhas ocupações profissionais, diria humorista,
porque é a base do resto. Quando estou na rádio é no papel de
humorista, não de pessoa credível que informa os ouvintes acerca do
trânsito ou da temperatura máxima em Aveiro.
Inspira-se em quê e em quem
no processo criativo?
Acho que não se trata propriamente de inspiração mas mais de
pesquisa, por vezes obsessiva. Sendo que a maioria das coisas que
faço (na Renascença, no JN, no «Gente Que Não Sabe Estar») tem a
ver com atualidade, não vale a pena ficar sentado num cadeirão a
fumar cachimbo, à espera que a inspiração chegue (até porque não
tenho cadeirão nem fumo), tenho mesmo de ler jornais e vasculhar a
internet para encontrar temas. E se há dias cheios de
assunto, há outros em que parece não haver nada.
Como se adapta o humor ao
meio para o que qual escreve, seja um jornal (as crónicas no Jornal
de Notícias) ou a rádio (no programa «As três da manhã», na Rádio
Renascença), por exemplo?
Quanto a adaptar o humor ao meio, acho que é um processo natural.
Se escrevo para rádio escrevo como falo, já que aquele texto é para
ser ouvido. A escrever uma crónica posso complicar um bocadinho
mais, já que as pessoas terão tempo para ler.
Os políticos e o futebol
são sempre alvos preferenciais de qualquer humorista. Qual a
explicação?
Qualquer protagonista é naturalmente alvo, por estar mais exposto.
Pode ser um político, um treinador, uma cantora ou um ator...
A política e o futebol funcionam um pouco como novela, porque têm
novos episódios diariamente, e por isso fornecem sempre bastante
assunto. Há aquilo que dizem as figuras principais, há os debates
sobre o que disseram as figuras principais, há o que dizem as
figuras secundarias... enfim, agradeço muito a existência de
políticos e futebolistas. E também da Luciana Abreu.
É autora do livro «O meu
coração só tem uma cor», sobre o FC Porto, que contou com o
prefácio de Jorge Nuno Pinto da Costa. De onde vem essa paixão
pelos dragões?
O desafio não foi feito pelo Presidente do FC Porto, foi o
contrário. Eu é que tive a ousadia de o convidar para escrever o
prefácio do meu livro, e por sorte aceitou.
Aceitaria um desafio semelhante feito pelo presidente Luís
Filipe Vieira?
Não vejo qualquer desafio que o presidente do SLB me pudesse
lançar, e muito menos um que pudesse aceitar. Mas talvez tivesse
sido bom convidá-lo para escrever um posfácio deste "Vai correr
tudo mal" porque, enquanto portista, é sempre isso que desejo ao
clube rival.
O Juiz Neto de Moura
continua a processar humoristas e políticos pelos comentários
feitos aos seus acórdãos. Como reage a estes atos de repúdio sobre
quem faz humor? Quais são suas linhas vermelhas em termos de humor
que não ultrapassa de maneira alguma?
Na verdade ainda não está a processar. Já avisou várias vezes que
vai fazer isso, e nas últimas declarações até acrescentou nomes à
lista, mas disse nessa altura que esperava até dezembro fazer a
acusação. Está a demorar mais que alguns trabalhos de grupo da
faculdade! Não acho que este processo em concreto tenha algum
cabimento, mas acho que o juiz, ou qualquer pessoa que se sinta
ofendida com piadas, tem todo o direito de fazê-lo. Vão entupir
ainda mais os tribunais, mas pronto...
Qual é a sensação de fazer
parte da equipa de argumentistas de Ricardo Araújo Pereira no
«Gente que não sabe estar», emitido na TVI?
É uma ótima sensação, claro. É como ter sido convocado para a
seleção nacional. Com a vantagem de não termos de correr.
Está no topo da sua
carreira, com múltiplas solicitações. Não querendo com isto
augurar-lhe um futuro sombrio, mas já lhe passou pela cabeça a
eventualidade de as pessoas deixarem de achar graça ao que diz ou
ao que escreve?
Não penso muito nisso. Seria como um futebolista estar sempre com
medo de ter uma lesão. Não vale a pena. Quando partir a perna logo
vê o que há-de fazer! No meu caso, quando ninguém rir de nada do
que escrevo ou digo, logo penso noutra profissão. Se tiver sorte
pode ser que aconteça já perto dos 60...
CARA DA NOTÍCIA
Humor em todas as plataformas
Joana Marques nasceu em 1986 e seis
anos mais tarde, graças à ajuda de uma mental coach, vulgo
professora primária, conseguiu aprender a escrever. A partir daí,
manteve o foco, acreditou em si, teve pensamentos positivos e nunca
mais parou. Escreveu em post its, cartas, livros de reclamações, e
também de forma profissional. Atualmente, para além de colaborações
na TV, rádio e jornais, apresenta ainda um vídeo semanal no Sapo
sobre desporto.
Licenciada em Ciências da
Comunicação pela Universidade Nova é guionista desde 2007, foi
autora e apresentadora, com Daniel Leitão - seu marido - , do
programa «Altos & Baixos», e também da sua versão ao vivo. Faz
parte da equipa do programa «As Três da Manhã», na Rádio
Renascença, onde apresenta a rubrica «Extremamente Desagradável»,
ao lado de Carla Rocha e Ana Galvão.
Integra a equipa de autores dos
programas «Gente que não sabe estar», de Ricardo Araújo Pereira e
de Cristina Ferreira, embirra uma vez por semana no programa
«Irritações», na SIC Radical, e escreve a crónica «Vale o que vale»
aos domingos, no Jornal de Notícias. No meio de tanta azáfama,
ainda teve tempo para escrever o seu primeiro livro «Vai correr
tudo mal», editado em junho pela Manuscrito.
Nuno Dias da Silva
Jorge Nogueira | DR