Entrevista

José Pinto da Costa, médico legista
A vida, depois da morte

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José Pinto da Costa já efetuou mais de 30 mil autópsias. Médico legista é, aos 85 anos, uma referência no seio da medicina em Portugal. Natural do Porto, adepto do Futebol Clube do Porto (clube que é presidido pelo seu irmão Jorge Nuno Pinto da Costa), considera que falar de morte continua a ser um tabu. Isto porque as pessoas "não querem morrer". No planeta, diz, 80 por cento da população acredita na vida depois da morte.

Em entrevista ao Ensino Magazine realizada momentos antes do início do XV Seminário Internacional de Educação Física, Lazer e Saúde realizado na Escola Superior de Educação de Castelo Branco, Pinto da Costa fala do desporto de alta competição e das dificuldades em evitar situações de morte súbita entre os atletas. Nesta conversa, o médico fala ainda na eutanásia e daquilo que ela representa.

Numa entrevista recente, disse que era tabu falar-se da morte. Qual a razão?
As pessoas têm medo de falar de morte, não querem morrer. E como não querem morrer até inventaram mecanismos supletivos, mágico-religiosos. Todas as religiões do planeta focam sempre o além. Isto para vencer a angústia vital. No planeta, 80 por cento da população acredita na vida pós morte. Cada população, por tradição e cultura, encara a morte de maneira diferente. Uns preparam-se para a morte - na antiguidade oriental os egípcios viviam a pensar na morte, faziam todo o seu percurso a pensar noutra vida diferente.

O professor já fez mais de 30 mil autópsias. Hoje essa é a única forma de descobrir mais conhecimento, ou as novas tecnologias podem evitar esse tipo de prática?
As novas tecnologias podem contribuir para isso. Hoje há uma nova modalidade que se chama virtópsia, que é uma autópsia virtual, sem se usar a faca. Utiliza-se apenas o scaner do corpo humano, embora isso se realize mais no campo da investigação, pois é um meio muito caro. Obviamente que a maneira mais clássica é por via da autópsia.

Tem havido muitas pessoas a disponibilizar o corpo para a ciência?
Sim, atualmente sim. Por vezes os mecanismos é que não estão consentâneos com esses casos. Há muita gente que disponibiliza o corpo quer para a ciência quer para o ensino, e a lei permite isso.

Como é que o professor olha para a eutanásia?
De duas maneiras diferentes: teoricamente sou a favor da eutanásia. Na prática sou contra. A eutanásia encerra três vertentes: a eutanásia voluntária, a não voluntária e a involuntária. A voluntária é aquela em que a pessoa quer que lhe pratiquem a morte, por razões variadissímas; a não voluntária é aquela em que a pessoa não tem conhecimento, mas a sociedade entende que a sua vida é prejudicial, que não é útil, que economicamente é prejudicial, e que por isso é eliminada; e a involuntária é aquela que mesmo contra a vontade do próprio a pessoa é eliminada.

Ou seja a eutanásia acarreta muitos riscos para a sociedade?
Se aceitarmos a eutanásia corremos grandes riscos. Quem é que vai ser mais eutanasiado? Serão os pobres!, não vão ser os poderosos, pois esses só utilizarão a primeira maneira, se quiserem. A vida é um bem disponível, mas mais importante que a vida é liberdade. A nossa lei é favorável neste sentido, pois permite o suicídio, que não é crime.

Recentemente o país voltou a acordar para a questão do aparecimento de morte súbita no desporto de alta competição. O caso Iker Casillas, em que o guarda-redes do Futebol Clube do Porto, teve um enfarte do miocárdio, volta a levantar a questão se este tipo de situações não pode ser detetada nos muitos exames médicos que os desportistas fazem. É ou não possível detetarem-se situações futuras?
Não é fácil. Nos casos mais evidentes, se houver uma insuficiência coronária, ela deteta-se. Mas pode não haver essa insuficiência e em determinado momento uma redução significativa de oxigénio pode levar à necrose de algumas células. Daí é que vem o conceito, também aplicado ao desporto, de morte súbita. E por definição de morte súbita é aquela que acontece num indivíduo são ou aparentemente são. Ou seja, a pessoa pode ter um enfarte porque já tem uma insuficiente irrigação vascular, mas pode aparentemente ser normal, ter um eletrocardiograma normal, e ter um enfarte.

Uma das questões que muitas vezes ouvimos, junto da opinião pública, é que os atletas estão menos propensos a sofrerem esse tipo de situações…
Isso não é muito exato. Tenho uma lista extraordinariamente grande, de várias idades e em diferentes modalidades, em que acontece a morte súbita. Depende tudo do esforço e da capacidade biológica para resolver uma situação. E isto pode ser influenciado por muitos aspetos, como a alimentação, ou o período digestivo. Há casos, em que a nível amador, isso acontece. Recordo um, em que um indivíduo ia marcar um pontapé de canto e não chegou a tocar na bola. Caiu e morreu. Isso causa sempre muito espanto e espetáculo, porque quando estamos a ver um atleta nunca estamos a pensar que ele pode morrer, ali, de um momento para o outro.

O que é certo é que essas situações acontecem e ficam-nos na memória, como aconteceu com Feher, que teve um desfecho negativo, e agora com Casillas que foi intervencionado a tempo…
Temos também um caso muito célebre, do antigo jogador do Futebol Clube do Porto, Pavão, que morreu depois de ter dado uma cabeçada na bola. Ele ultrapassou o limite biológico da sua capacidade. Isto porque ele tinha subestenose aórtica, que lhe permitiu, pouco tempo antes, na Irlanda, ser um sucesso. Mas naquele dia ultrapassou o seu limite biológico. Nós tivemos um outro jogador no Futebol Clube do Porto, o Miguel Ângelo, que várias vezes ficou reprovado no Centro de Medicina Desportiva, pois tinha uma frequência cardíaca de 40. No entanto, ele era um pachorrento, mas quando era preciso intervir no jogo ele fazia-o e foi um excelente defesa central. O problema está relacionado com a capacidade individual energética. É evidente que o cérebro é que comanda tudo, mas também é comandado, pois os estímulos externos de hoje influenciam muito a moldagem do cérebro.

Portanto é impossível detetar, clinicamente, este tipo de ocorrências, mesmo agora com a bateria de testes médicos a que os atletas estão sujeitos?
Há muito mais possibilidade de fazer diagnósticos. Mas nada impede que um indivíduo, teoricamente normal - se é que há alguém normal - mercê de uma ocorrência qualquer, e até pode ser um vírus, se descompense e tenha essa situação. Eu não posso fazer-lhe um diagnóstico a si a dizer-lhe que vai ter uma gripe dentro de um mês. A medicina é uma ciência de probabilidades, não é uma ciência exata. Pelo que por mais cobertura que se dê a um atleta e que se tenha conhecimento da sua fisiologia, casos destes acontecem e vão acontecer no futuro.

João Carrega
João Carrega
 
 
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