Português descontraído
João Tordo
pertence à nova geração de escritores portugueses. Venceu o Prémio
José Saramago em 2009, com o livro As Três Vidas. Conseguiu mais
leitores, ganhou mais confiança mas não se deixou pressionar pelo
peso do Prémio. No livro seguinte apostava numa estrutura narrativa
completamente diferente. Começou no jornalismo, mas a tendência era
para ficcionar as histórias. Tirou um curso de Escrita criativa nos
Estados Unidos que acabou por ter menos importância do que a
aprendizagem de vida na cidade de Nova Iorque. O seu quinto romance
«incide sobre um acontecimento da história portuguesa, em meados
dos anos 50» e está quase
terminado.
Desde o
primeiro romance O Livro dos Homens Sem Luz (2004) até ao quarto
romance O Bom Inverno (2010) houve algo que tenha mudado na sua
maneira de escrever?
No meu primeiro romance ainda não
sabia bem o que estava a fazer. Os primeiros romances servem, de
certa maneira, para definir a voz do autor. Defini uma voz autoral
mas, na maneira de escrever, tenho mudado muito. O meu primeiro
romance é muito mais negro, mais claustrofóbico. Tenho de
certa maneira aligeirado um pouco no tom, mas também progredido no
que diz respeito à narrativa. Hoje em dia sou muito mais seguro a
escrever. Há coisas que mudam, mas continuo a ser eu, continuam a
ser os meus romances. Portanto, é mais o leitor que deve
percepcionar isso e não eu.
O
curso de Filosofia tem tido um contributo importante para a sua
escrita?
Há coisas que recordo que aprendi
durante o curso e vou usando nos meus romances. Quando quero fazer
diálogos mais densos, metafísicos, por assim dizer, recorro ao que
fui aprendendo durante o curso. As aulas eram muito particulares,
dadas por um professor muito carismático. Quando os professores são
bons os alunos também aprendem mais, ou fica-lhes mais na memória o
que é ensinado nessas aulas. Mas confesso que hoje em dia não leio
filosofia. Não é uma matéria que me interesse. Há romancistas que
são mais filosóficos. Eu provavelmente serei menos.
Viveu dois
anos em Nova Iorque onde fez um curso de escrita criativa e
trabalhou num bar. Como foi essa vivência americana?
Não foi inesperada. Quando fui para Nova Iorque já tinha vivido
dois anos em Londres. São sociedades muito grandes e determinadas
culturas aproximam-se. Embora os americanos sejam pessoas muito
diferentes dos ingleses. Os ingleses são pessoas mais fechadas.
Nova Iorque foi uma experiência muito engraçada. Fui lá para tirar
o curso e não sabia bem o que havia de esperar. Nunca tinha
frequentado um curso de escrita criativa. Foi numa época em que cá
não havia todos estes cursos, faz para o ano dez anos. Quando fui
estudar para Nova Iorque, queria mesmo experimentar como seria
fazer um curso desses.
O curso foi
decisivo?
O curso acabou por ter menos importância do que a minha vivência
pela cidade. Trabalhei num restaurante, depois trabalhei num bar.
Fui fazendo a minha vida um bocadinho à margem daquilo que se
passava na Faculdade. E às tantas a faculdade deixou de me
interessar. Interessava-me muito mais experienciar Nova
Iorque do que propriamente fazer um curso. Sou europeu. Não sou
americano. Os Estados Unidos têm essa desvantagem, para se viver
nos Estados Unidos temos de nos tornar americanos. Isso é uma coisa
que nunca quereria fazer. Foi uma experiência de aprendizagem de
vida, muito mais do que uma aprendizagem académica.
A decisão
de ser escritor é tomada em que capítulo da sua vida?
Não acho que tenha tanto decidido ser escritor como a escrita
decidiu que eu tinha de ser dela. Pensava que ia fazer da minha
vida o jornalismo. Percebi que não era um mau jornalista, mas
também não era o melhor jornalista do mundo. Tinha a tendência para
querer ficcionar as histórias que ia encontrando. Quando isso
acontece há ali um chamamento que não é exactamente o chamamento do
repórter. Comecei a trabalhar como jornalista tinha 21, ou 22 anos,
e alguns anos depois percebi que a minha tendência natural, de
facto, era ficção. Mas desde miúdo que era a ficção. Só estudei
jornalismo porque não me sentia pronto para escrever ficção. A
partir dos 25 anos, quando comecei a ter alguma experiência de
vida, é que percebi que não era aquilo o que queria fazer.
Escrevia
quando era criança?
Escrevia banda desenhada, pequenos
contos. Nunca tive muito jeito para o desenho, mas lá me
esforçava. Até aos 17, 18 anos, sim, escrevia muito. Depois tive
uma época em que deixei de escrever ficção, justamente porque não
tinha material. Não tinha experiência de vida, não tinha
mundo. Como um romancista precisa de ter mundo, esperei para poder
lançar-me então à escrita.
Co-argumentou, com Pedro Marta Santos, Amália, o filme. O que é que
o levou a abraçar esse projecto?
Mais uma vez não fui eu que abracei esse projecto, foi o projecto
que me abraçou a mim.(Risos). A minha vida tem sido um bocado na
voz passiva. Foi o Manuel Fonseca, que na altura estava na Carvalho
Filmes, que me desafiou. Eles já tinham o argumento escrito,
chamaram-me para eu reescrever o argumento e dar algumas ideias.
Com o trabalho com Pedro Marta Santos acabamos por chegar a um
guião final. É uma experiência que já tem uns anos, da qual guardo
boas memórias, mas não é exactamente algo que me tenha marcado por
ai além. Também fiz guionismo para outras coisas, séries de
televisão, etc. O guionismo é uma coisa que gosto de fazer, mas é
absolutamente profissional. Não tenho a paixão pelo guionismo que
tenho pela escrita de romances.
Na sua
opinião, o que é que um romance precisa de ser para ser um bom
romance?
Um bom romance é uma coisa que depende de pessoa para pessoa. Se
gostamos de romances históricos, tem de ter muita história; se
forem policiais, convém que tenha polícias. No meu caso gosto de
romances que me coloquem a viver aquilo que o autor está a contar.
Tenho alguma dificuldade em ler romances que sejam demasiado
cerebrais, que querem ser mais inteligentes do que o leitor. Gosto
de romances que me ofereçam as melhores palavras possíveis para
transmitir as melhores emoções possíveis. É difícil definir um
romance, mas seria mais ou menos isso, um romance que seja uma
aventura lê-lo. Quando sentimos que estamos mergulhados numa
aventura junto com o escritor, percebo que é um romance que gosto.
Agora se é bom ou não? Já li romances que as pessoas diziam que
eram maus e eu gostei imenso, e vice-versa. Portanto, é difícil de
definir.
Enquanto
escreve tem rotinas, rituais, ou alguma espécie de mania?
Não tenho mania nenhuma. Tenho aquela obsessão saudável de quando
começo um romance querer levá-lo até ao fim o mais depressa
possível. Ter uma primeira versão para depois poder voltar ao
princípio e reescrever tudo, que é o que eu faço. Não tenho
rituais. Às vezes começo de manhã, outras vezes começo de tarde.
Tento é manter um número de palavras razoável por dia, não escrever
só um parágrafo. Escrever pelo menos duas páginas, três. Às vezes
deixo parágrafos a meio para ser mais fácil retomar o raciocínio.
Mas não tenho nenhum tique. Não tenho de estar num sítio ou noutro.
Quando estou a escrever não penso no resto das coisas, estou muito
concentrado, ou "concentradíssimo" - como diria o Futre - naquilo
que estou a fazer.
O seu
romance "As Três Vidas" venceu o Prémio José Saramago em 2009. Um
Prémio traz liberdade ou pressiona o escritor?
Um prémio traz sobretudo mais leitores e isso é importante para o
escritor. Passar de um número de leitores pequeno para muito mais
leitores, por causa do prémio que chama a atenção das pessoas. Com
os leitores vamos ganhando também confiança. No princípio
pressionou. Quando ganhei o prémio fiquei um pouco preocupado com o
que iria escrever a seguir. Já sabia que o próximo livro ia ser
mais olhado "O gajo ganhou o Prémio Saramago, agora vamos lá ver o
que é ele escreve". Para alguns críticos correu bem, para outros
correu pior. Não se pode agradar a toda a gente.
E para si
como é que correu?
Para mim correu bem. Fiz exactamente aquilo que queria fazer, e não
me deixei levar pelo "peso da coisa". Podia ter escrito um romance
com a mesma estrutura do anterior, mas quis escrever algo
completamente diferente - e o que estou a escrever agora também é
completamente diferente. Embora tenham todos a mesma voz e
personagens que vão passando de romance para romance. Percebe-se
que é um romance meu. No momento em que me despreocupei foi quando
começou a correr melhor.
Afirmou
numa entrevista que não revisitava os seus livros e passo a citar:
« Estou submerso neles. Entro neles como se fosse uma aventura que
me está a acontecer.». É fácil separar-se de um livro quando o
termina?
Quando estou a chegar ao fim quero
é separar-me dele. São muitas páginas, muito trabalho, há cansaço.
Depois quando o reescrevo vou descobrindo várias coisas. É nesse
novo combate com a linguagem que às vezes se encontram as soluções
para os problemas. Não é difícil separar-me dele, mas, quando passa
algum tempo, às vezes tenho saudades de estar nesse romance. Mas as
coisas têm de acabar. Os romances são como a vida: começam e
acabam; pode-se ter saudades, mas não se pode voltar para o
passado.
O seu
próximo livro já tem título?
Tem alguns, mas não posso dizer
ainda. Isso é algo que só falo quando o livro já está na
editora.
E pode falar um pouco do
livro?
Não gosto de falar dos romances
antes de estarem mesmo acabados, tenho essa superstição. Mas posso
dizer que é um romance que se passa em Portugal e incide sobre um
acontecimento pequeno da história portuguesa, em meados dos anos
50.