Entrevista

Augusto Santos Silva, ex-ministro
Escola pública corre riscos

IMG_2674 copy.jpgAugusto Santos Silva já chefiou vários ministérios: foi ministro da Educação, da Cultura, da Defesa, e dos Assuntos Parlamentares. Docente na Universidade do Porto é também um dos rostos do Partido Socialista mais respeitados. Em entrevista ao Ensino Magazine diz que a escola pública pode não resistir aos cortes previstos para o setor da educação.

Defensor do sistema binário no ensino superior, Augusto Santos Silva avisa que se está a preparar o encerramento de instituições no interior do país. De caminho acusa o Ministério da Educação e os sindicatos de terem um pacto e diz que na escola há desesperança e medo.

Em momentos de crise, como a que o país e a Europa, atravessam, há sempre a tentação de se cortar em várias áreas, sendo a educação uma das mais afetadas. A escola pública, tal como a conhecemos, corre perigo?

A resposta depende do tipo da gestão de orçamento que se fizer. O Ministério da Educação, na atual configuração, incluindo o ensino superior, é um dos maiores ministérios do Estado, pelo que é inconcebível processos de contenção de despesa que não impliquem esse ministério.

No entanto, - e como o mandato de Maria de Lurdes Rodrigues demonstrou, entre 2005 e 2009 -, é possível gerir o orçamento do Ministério da Educação de modo a gastar relativamente menos fazendo mais. As margens de ineficiência do ministério eram grandes e, tanto quanto sei, ainda há algumas, designadamente em matéria de gestão de pessoal docente. Os horários zero ou mobilidade de professores continuam a custar ao país dinheiro mal utilizado.

Tenho, contudo, muitas dúvidas de que o sistema público de educação resista, com a qualidade que hoje tem, a cortes como aqueles que estão programados no documento de estratégia orçamental. Como as medidas equivalentes a esses cortes não estão detalhadas, não poderei, para ser honesto, dizer muito mais que isto.

Referiu o mandato de Maria de Lurdes Rodrigues. Nesse período houve uma contestação elevada por parte dos professores, sobretudo devido a algumas medidas que foram tomadas como as aulas de substituição (hoje já pacíficas), a escola a tempo inteiro ou o processo avaliativo. Mas hoje a escola parece estar mais nervosa…

Eu não fiz nenhum estudo científico sobre essa matéria, mas conheço muitos professores e escolas. O sentimento que mais encontro é um misto de medo e desesperança. As pessoas estão desesperadas, com muito pouca esperança e muito medo. E este é um facto que me preocupa. Se os professores, que são uma classe profissional altamente qualificada, com condições de trabalho razoáveis se comparadas com outros trabalhadores, estão com medo, o que sentirão os reformados, os pensionistas, ou os funcionários públicos pouco qualificados?

Esse medo resulta de que fatores, da mobilidade especial?

IMG_2680 copy.jpgResulta de muitas coisas que aconteceram. E todas essas coisas surgiram de um denominador comum: aquilo que se pensava que estava garantido, os direitos que pensávamos estarem seguros, ou as expetativas que considerávamos seguras ficaram em causa. E no momento em que fica em causa a pensão que uma pessoa recebe em função dos descontos que fez, ou o salário a que tem direito, ou - no caso da função pública -, a estabilidade do vínculo profissional, o medo instala-se.

E é esse medo que tem impedido os professores de se manifestarem como num passado recente?

Não apenas. Evidentemente que esse medo e a desesperança limitam os movimentos dos professores que protestam, se zangam e exprimem angústia e hostilidade, mas que têm mais dificuldade em agir pela positiva, em se manifestar e em se organizar.

Mas nesta matéria importa sublinhar dois aspetos: os professores têm-se manifestado, o que deixou de acontecer foram manifestações específicas de professores e de sindicatos. E isso verificou-se com as manifestações de 15 de setembro e agora em março, por exemplo, onde participaram milhares de docentes, só que numa iniciativa onde estavam outros movimentos cívicos. E estas manifestações chegaram a juntar três gerações da mesma família.

O segundo dado é a astenia da iniciativa dos sindicatos, em particular da FENPROF. E isso é que é surpreendente. Na prática vigora uma espécie de pacto entre os sindicatos e o Ministério da Educação. Esse pacto consiste no seguinte: o Ministério da Educação congelou a avaliação dos professores e os sindicatos respondem com uma contestação naquele limite que se fosse ultrapassado seria um escândalo nacional. E esse pacto, pelo que me apercebo, está em vigor, o que é muito triste.

A criação dos mega agrupamentos de escolas está a avançar no país, criando organismos com mais de três mil alunos com escolas, muitas vezes, afastadas. Isso é governável? Há vantagens pedagógicas nessas estruturas, ou lógica é reduzir?

Isso é muito desaconselhável. Eu defendo os agrupamentos. Estava no Ministério da Educação quando eles se iniciaram. Mas os agrupamentos eram constituídos por razões de ordem pedagógica e organizativa. Tratava-se de por em comum e em articulação as escolas pelas quais passavam sucessivamente ao longo da sua escolaridade o aluno. E Portugal era um caso muito estranho nessa matéria, pois havia poucos países em que uma criança entrava para um jardim de infância, saía para uma escola para fazer o 1º ciclo, voltava a sair para o 2º ciclo e ainda voltava a sair para concluir o 3º ciclo. Por isso, o agrupamento que ligue entre si escolas do 1º ciclo e jardins de infância, ou escolas de 1º, 2º e 3º ciclo, garante que a mesma direção, o mesmo corpo de docentes e a mesma instituição acompanhe a criança/jovem ao longo da sua escolaridade básica.

Mas a direita criticou os agrupamentos da altura?

A direita sempre contestou os agrupamentos, mesmo quando eram feitos nessa lógica, em que uns tinham 300, outros 500 ou mais de 1000 alunos. Agora, por razões exclusivamente financeiras e com o único intuito de "permitir" libertar professores - isto é de os despedir -, foram constituídos agrupamentos sem nenhum critério. Como bem referiu na sua pergunta anterior, a principal questão não é a dimensão em número de alunos. Não há um número mágico. Um estabelecimento pode ser bem gerido com 200 ou com 2000 alunos. O problema está na extrema dispersão territorial que constituem os agrupamentos. O objetivo essencial é tornar excedentários professores e funcionários.

No ensino superior a rede de universidades e politécnicos abrange todo o território nacional. O sistema binário continua a fazer sentido?

Sim. Até porque não estão ainda exploradas todas as suas potencialidades. A lógica de constituição de um sistema binário assenta na progressiva generalização do ensino superior. Hoje devemos ter um em cada três jovens, entre 18 e os 23 anos, a frequentar o ensino superior. O que nos coloca na média dos países da OCDE. Esses jovens são diferentes entre si e têm diferentes objetivos e expetativas. Por isso, o ensino superior deve ser suficientemente diversificado para poder acolher essa diversidade. A organização entre um setor mais próximo da investigação científica e das ciências fundamentais (universitário) e outro mais próximo da vida económica e profissional, ligado diretamente às tecnologias, às formações de natureza profissional como nas engenharias, na educação e nas artes (politécnico), é útil.

A rede binária permitiu ao país, em pouco menos de 15 anos, cobrir todo o seu território com instituições de ensino superior. Instituições, que como se nota bem no interior do país, para além de serem uma oferta de educação, são um importantíssimo fator de dinamismo económico e social local. O que seria hoje o interior do país sem instituições de ensino superior? Há capitais de distrito em que elas constituem um dos poucos polos de dinamismo que as populações têm. 

E quando se fala em reorganização da rede. Essas instituições correm perigo?

Temo que sim. Mas também digo que se se está a preparar o que parece, e o que parece é o encerramento de várias instituições de ensino superior no interior do país - politécnicas e universitárias -, isso só será concretizado se as pessoas deixarem. Se houver resistência essa medida, que é tão violenta, não conseguirá avançar. Contudo, tenho que falar com cuidado porque o ministério não diz o que quer fazer, não só neste como noutros domínios. Espero que não seja o encerramento das instituições aquilo que o ministério quer fazer. Há outra alternativa bem mais interessante e positiva.

E qual é essa alternativa?

IMG_2657 copy.jpgConsidero que não devem estar abertos cursos que ninguém quer, ou que se devam inventar alunos que não existem. É preciso adequar a rede do ensino superior à evolução da demografia escolar. A própria Lei prevê formas de organização e cooperação entre instituições, que permitem que elas adquiram massa crítica sem terem que encerrar. Falo dos consórcios, de formas de organização supra locais. Não vejo porque é que os politécnicos, por exemplo no distrito de Santarém, se estiverem em perda de alunos não se organizem e adquirem a massa crítica de que precisam.

Essa sempre foi uma medida defendida pelo ministro Mariano Gago, o que é certo é que as instituições nunca se entenderam nessa matéria…

Eu não gosto de assumir o papel daquela personagem de banda desenhada, o Calimero, que estava sempre a queixar-se de o tratarem mal. Espero que as instituições, as forças vivas ou os grupos que resistiram tanto a medidas que os governos do Partido Socialista tomaram para racionalizar as coisas sem ofender os direitos, tenham aprendido a lição.

Essa reordenação pode ser feita também com uma mais justa distribuição das vagas no ensino superior?

Defendo uma lógica de competição entre as escolas do ensino superior. O Ministério da Educação deve acompanhar a própria dinâmica da demografia escolar. O que já não faz sentido é instituições universitárias canibalizarem formações tipicamente politécnicas, como acontece na área do turismo, por exemplo. O contrário já não é possível, pois nenhum politécnico poderá dar um curso de medicina.

Recentemente os politécnicos apresentaram um estudo onde é referido que essas instituições se deveriam designar de Universidades de Ciências Aplicadas, à semelhança do que acontece noutros países da Europa. Em seu entender a mudança de designação poderia trazer mais valias a todo o sistema?

Não é pelo nome que a coisa se resolve.

Mudando de assunto. Mostrou preocupação de se estar a preparar o maior ataque à coesão territorial do país desde os tempos de Oliveira Salazar. Isso significa uma litoralização do país nas áreas estratégicas, como educação, a saúde, entre outras?

Significa a litoralização do país, o qual fica encolhido nas áreas económicas. Não conheço, hoje, nenhuma política de medida económica destinada a apoiar o interior do país. O que tenho visto é a sucessiva derrogação e eliminação de todas as medidas de política pública destinadas a incentivar a atividade e a radicação no interior do país. Os incentivos fiscais foram eliminados, os poucos benefícios de que o interior gozava em matéria de acessibilidades foram eliminados, com a introdução de portagens. Todos os projetos de melhoria das acessibilidades e, portanto de diminuição dos custos das pessoas e das empresas, foram eliminados tanto na ferrovia como na rodovia, e não vejo nenhuma expressão política que se quer afirme a voz do interior no quadro da atual maioria.

Mas há fundos comunitários que se destinam a promover essa coesão…

O erro mais crasso deste Governo é a não utilização dos fundos comunitários em matéria de coesão regional. Aliás eles hoje estão a ser usados para tapar buracos orçamentais. O atual Governo tomou uma medida correta que foi aumentar a taxa de comparticipação comunitária: Hoje, pode obter 100% financiamento com apenas 10% de esforço próprio. Mas essa medida só faz sentido se os fundos estiverem disponíveis.

 
 
 
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