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Um dia em Nova Iorque

4.jpgA par do western, o musical será um dos géneros a que apela a nossa memória quando o tema é Hollywood, ou seja, quando invocamos o cinema americano, mais concretamente nas décadas de 40 a 60 do século passado. Com a passagem um dia destes na televisão pública de "Um Dia em Nova Iorque" (On The Town, 1949), às vezes até pensamos que existe serviço público, veio-nos de logo a ideia de dedicar uma prosa a este filme impar.
 "On The Town" marca de forma indelével o nascimento do musical moderno. Vincent Minnelli (Não há Casa Como a Nossa, 1944, e O Pirata dos Meus Sonhos, 1948), e Busby Berkeley com "Take Me Out to the Ball Game" (A Linda Ditadora, 1949), estabeleceram as bases do que, de certo modo, havia de ser o novo musical. Mas foram Gene Kelly e Stanley Donen, com este primoroso trabalho, que obtiveram o certificado de origem da chamada, com razão, a equipa de ouro do género (1940-1957), uma equipa que deu excelentes resultados, de que são exemplo, entre outros, "Serenata à Chuva" ou "Dançando nas Nuvens".
"Um Dia em Nova Iorque" narra a história de três marinheiros da U.S. Navy, Gene Kelly (Gabey), Frank Sinatra (Chip) e Jules Munshin (Ozzie) que têm 24 horas de folga. Assim, partem à descoberta da grande cidade e passam as paredes do estúdio para penetrarem no cenário real da cidade, uma das inovações deste filme foi exactamente ter como cenário a rua, até aí os musicais eram todos de estúdio, cantando alegremente o excelente tema "New York, New York" a wonderful town, uma euforia, como prelúdio para uma excitante festa.
A base de "On The Town" é uma peça estreada no Adelphi Theatre na Broadway em Dezembro de 1944, interpretada pelo conhecido compositor Adolph Green e por Betty Comden, que nesta fita também dão a sua colaboração e Nancy Walker.
Desde a abertura do filme com esse sonolento empregado portuário que caminha para o seu trabalho e todavia se sente ainda na cama dormindo nos braços da sua amada (I Feel Like I'm Not Out of Bed Yet) cantando como um lamento este tema de Bernstein, fazendo do filme uma espécie de hino à alegria de viver e um estimulante vital para uma juventude decidida.
A cidade que nunca dorme (o filme começa às 5 e 57 da manhã de um dia e termina à mesma hora do dia seguinte) reserva aos marinheiros muitas surpresas, incluindo, como é óbvio, o amor, na sua forma mais primitiva e simples, o engate.
O romântico Gabey passa à prática correndo atrás da etérea Smith (Vera-Ellen) que conheceu casualmente numa estação de metro de Times Square, o que dá origem a "Main Street", de uma delicada lírica que deriva para uma cena de baile igualmente sentimental, interpretada por Genne Kelly e Vera-Ellen, num solitário estúdio do Symphonic Hall, onde Smith recebe lições de dança
O ingénuo marinheiro Chip, cai na rede de Brunhilde Esterhazy (Betty Garrett), uma taxista decidida a não renunciar àquele que considera ser o homem da sua vida. Um ponto alto da música de Leonard Bernstein (Come Up To My Place) um acidentado dueto amoroso "téte-à-téte" cantado por Frank Sinatra e Betty Garrett no interior do táxi de Brunhilde.
Ozzie, que graças à sua cabeça de homem pré-histórico entusiasmou Claire (Anne Miller), uma fogosa antropóloga de longas e esplendidas pernas. "Prehistoric Man" é um dos mais vistosos coros incluídos neste filme onde a interpretação física de Anne Miller adquire um brilho especial, feito de ritmo e fogo. O desmoronamento do esqueleto do dinossauro, fecha o episódio num golpe de inteligente eficácia.
"On The Town" é outro "full company number" localizado, primeiro no terraço do Empire State Building, e rematado em plena rua com os seis protagonistas, os marinheiros e respectivas "conquistas", caminhando e saboreando o final de uma noite (e o começo de um novo dia) inesquecível.
De "Um Dia em Nova Iorque" poderá dizer-se que o prato forte é a inteligente coreografia de Stanley Donen e Gene Kelly, de onde talvez se possa resumir toda a obra, sustentada por três harmoniosas danças do original cénico, executadas em concerto como obra autónoma como "New York, New York" e "Miss Turnstiles Ballet", resultando nos momentos mais deslumbrantes do filme. Filme, cujas filmagens, incluindo as feitas nas ruas de Nova Iorque, duraram pouco mais de oito semanas, pouco vulgar na altura, deve-se essencialmente a Arthur Freed, o lendário produtor de musicais da Metro que contra a vontade do patrão Mayer, avançou com a aposta feita em Kelly e Donen. Apesar de ter suprimido alguns temas de Bernstein incluídos na versão da Broadway e ter encomendado mais alguns a Roger Edens, seu colaborador de longa data, o resultado é soberbo.
Já o dissemos antes, a propósito de outra magnífica fita: um daqueles filmes que, como o nosso Porto, nos aquece a alma e connosco ficará para sempre. Magistral!
Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa com Joaquim Cabeças
 
 
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