Editorial
Escola, inclusão digital e participação cívica
Na era da informação, a oferta de
trabalho de profissões baseadas exclusivamente em competências
manuais está em declínio. Daí que novas aprendizagens baseadas na
manipulação e na gestão da informação de bases de dados
digitalizados se afigure indispensável na abordagem dos objectivos
escolares das novas gerações. Nesse novo domínio em que projectam
as preocupações dos educadores, a Internet tem um papel importante
a desempenhar. Duvidamos, todavia, que essa importância advenha da
simples disponibilização e democratização nas escolas do acesso a
esse serviço.
Pode o simples manejo de uma nova máquina, ou de um novo serviço,
contribuir para o desenvolvimento pessoal e intelectual? Se não,
porque insistem os diferentes responsáveis educativos em
simplesmente dotar as escolas com alguns (e indiscutivelmente
poucos) computadores, com serviços de acesso às redes digitais
limitados, ignorando que o importante não é mais a "actualização
contínua" das máquinas, mas sim a "formação permanente" dos
docentes e alunos que a elas têm acesso?
Sabemos que a escola de massas dificulta a inclusão digital de
todos os discentes, já que promove um novo tipo de estratificação
escolar que divide os que têm computadores ou tablets em casa e os
que não os têm; os que têm Net em casa e os que a não têm; os que
têm Net de alta velocidade e os que não a têm; os que têm
smartphones com acesso permanente às redes digitais, e os
que…
Todavia, essa mesma escola de massas pode contribuir para o
atenuar da exclusão digital a que muitos alunos estariam votados se
souber democratizar o acesso e a manipulação destes novos
instrumentos educativos, organizando-se em torno de objectivos
claros, de equipamentos acessíveis e de um corpo docente motivado
informado e formado no uso das novas tecnologias da comunicação e
da informação.
Importaria, porém, que esta promessa integradora não seguisse os
passos da televisão quando, há umas décadas, prometia aos pais e
educadores ser "uma janela diferenciada para um mundo melhor"
oferecendo ao público uma programação voltada para a educação,
quando sabemos que hoje a generalidade dos canais de TV são
responsáveis por uma respeitável percentagem de iliteracia e de
abstenção da participação cívica dos seus espectadores.
Sabemos, igualmente, que as novas tecnologias da comunicação e da
informação podem introduzir mudanças significativas na tradicional
separação de poderes dentro escola: quer na relação vertical do
poder professor - aluno, quer, ainda, no poder baseado na
descriminação do acesso aos saberes, através da democratização, ou
não, do acesso a esses saberes, bem como aos tempos e às formas da
sua aquisição.
Vivemos uma época social caracterizada por um sistema
complexo-adaptativo. Assim caos, auto-organização e adaptabilidade
são algumas palavras-chave para descrever este processo
aparentemente contraditório que envolve a escola e os educadores.
Talvez porque desde a queda do muro de Berlim o mundo ocidental já
não esteja tanto dividido pelo peso das ideologias e os
responsáveis governativos se apercebam que o eixo da divisão se
deslocou para a análise dos indicadores que revelam o sucesso, ou
não, da promoção educativa das populações, incluindo-se nesse
objectivo o domínio e generalização das novas tecnologias.
Inclusão digital é, pois, imperativa para todos os cidadãos deste
novo século se quisermos aceitar o desafio de assegurar que a
Europa seja reconhecida como uma referência pela qualidade das suas
instituições de educação e de formação, garantindo que homens e
mulheres de todas as idades tenham acesso à aprendizagem e
actualização ao longo da vida. Conviria então saber a quota-parte
de responsabilidade de cada um de nós para que todos estes
objectivos deixem de ser apenas encarados como ambiciosos,
transformando-se, progressivamente em metas realistas.